Perguntinha capciosa, né? Há quem ache que designer que não tem um “desenhinho” para colocar ao lado do nome é tipo um ferreiro que usa espeto de pau. Será mesmo? Vamos analisar.
Primeiro, vamos pensar para que serve uma marca gráfica. Só para relembrar, tudo começou quando os donos de bois precisavam marcar (daí o nome marca) aqueles que lhes pertenciam com um ferro em brasa. Então, a marca servia para designar propriedade. Depois, o desenho passou a servir para designar procedência em pães, tijolos, porcelana, etc. A ideia era separar os bons dos maus profissionais sabendo quem fez o quê. Quem fazia as coisas bem feitas ficava conhecido; quando o cliente via a tal marca, sabia que podia confiar.
Até hoje a coisa funciona mais ou menos assim. As empresas precisam de um símbolo e um nome (em alguns casos, somente o logotipo) para se destacarem e terem seus produtos identificados no mercado. Fica fácil achar uma garrafa de Coca-Cola no meio das outras; é só observar as letras desenhadas. Já um carro, que a gente vê passando, um símbolo pode servir para identificar o fabricante com mais rapidez; a gente olha a marca e já sabe se é Fiat, Renault, Mercedes, etc. Num equipamento eletrônico, dá tempo da gente ler Sony, Philips ou LG sem problemas, nem precisa de desenho. Agora, se é uma imobiliária que anuncia em outdoors, melhor que as pessoas identifiquem a empresa bem rapidinho (se bem que, até isso acontecer, tem muito chão para conectar o símbolo à empresa).
Enfim, organizações precisam de marcas gráficas porque geralmente se comunicam com públicos grandes e diversos; há uma distância grande entre o cliente e a firma, formada por um montão de gente, com cargos bem definidos e um organograma mais ou menos complexo. Empresa com uma marca bem projetada transmite profissionalismo e credibilidade e consegue traduzir a cara que tem o trabalho desse povo todo quando se junta.
E um profissional? Será que ele precisa mesmo de um símbolo para chamar de seu?
Vamos lá. Um profissional liberal, a não ser que pretenda se tornar uma empresa e tenha outras pessoas trabalhando sob o seu nome, não tem assim um universo tão grande e variado de contatos que não possa administrá-los pessoalmente (e se não puder, como dará conta do trabalho?). Se realmente ele quiser crescer e se tornar uma empresa, pode usar seu próprio nome ou criar outro (fantasia). Mas aí recaímos nos mesmos casos de organizações que citei acima.
Estou falando aqui é do profissional liberal, aquele que trabalha sozinho ou com parceiros, mas sempre usando seu próprio nome para se comunicar com os clientes (meu caso). Dificilmente ele utilizará mídia de massa (TV, rádio, jornal, revista, etc) e sua comunicação, se bem feita, será sempre segmentada. Sua marca será construída sobre seu currículo e portfólio, assim como sua credibilidade e a reputação. Provavelmente ele aparecerá mais dando entrevistas, recebendo prêmios ou escrevendo artigos do que em anúncios pagos. Nessas situações, nunca vai ter espaço para mostrar sua marca gráfica.
Ué, então para que ter um? Só para dizer que tem? Só para o cartão de visitas ficar hype?
Penso que um profissional liberal, seja ele médico, dentista, ator, músico, advogado, consultor ou designer, precisa sim ter uma identidade visual organizada e coerente com seu profissionalismo. Mas isso não implica em ter uma marca gráfica.
O profissional pode usar cores, formas, imagens, texturas, estampas ou fontes tipográficas que o identifiquem, que personalizem sua comunicação sem que ele precise se amarrar na complexidade que é a estrutura de identidade visual de uma empresa. Essa prática, de certa maneira, também diferencia uma coisa da outra e aproxima o cliente do profissional: fica claro que estou contratando o Fulano de tal (uma pessoa) e não uma empresa (impessoal).
Um bom projeto poderá contemplar uma cartela de cores e formas que podem ser trabalhadas de maneira mais livre, sem perder a sintonia com a identidade do profissional.
Eu não tenho marca gráfica e é de caso pensado. Não acho necessário. Mas meu site e todo o meu material de trabalho são coerentes na tipografia e no uso das cores e imagens. Como não pretendo ter 200 pessoas trabalhando numa Ligia Fascioni Corporation da vida, acredito que é suficiente para consolidar minha marca.
Penso que tem muito designer bom por aí quebrando a cabeça porque não refletiu o suficiente a respeito das funções de uma marca gráfica; só porque aprendeu a fazer, acaba indo no automático. É claro que se o profissional pode sempre preferir ter uma marca gráfica para chamar de sua; meu alerta aqui é apenas para que a escolha seja consciente e intencional.
Adoro os artigos e videocasts do John McWade (Before & After Magazine) e tem um que trata especialmente desse assunto; vale a pena assistir (clique aqui).
E aí, pensou melhor? Será que você precisa mesmo de uma marca gráfica?
****
Se a ideia ainda não ficou muito clara, clique aqui para ver alguns exemplos práticos.
Rodrigo
Olá!
Artigo muito válido, com certeza, em alguns casos, não há necessidade de símbolos.
Daí surge a minha dúvida de como “vender a idéia”a clientes.
A minha dúvida ficaria no caso de como apresentar isso, geralmente, para causar boa impressão, eu levo o logotipo impresso em uma apresentação montada em papel-pluma, o que causa um grande impacto no logotipo.
Porém, não faz muito sentido você levar um nome com tipografia escolhida em manuais de fontes montada em uma prancha né? Então, seria o caso de você já levar o objetos prontos para apresentar?(cartão de visitas, papel-timbrado, etc)
Outra coisa, é no orçamento, geralmente, a gente cobra pelo desenho da marca, e como seria nesse caso, a gente determinaria de imediato que o cliente não precisaria de um símbolo, de forma que este já não constasse no orçamento?
ligiafascioni
Oi, Rodrigo!
Mas você está falando só da escolha de uma tipografia. Estou falando de um projeto gráfico completo! Quer um exemplo? Conheci uma psicóloga, descendente de japoneses que tinha toda a delicadeza e sensibilidade orientais como característica essencial. Em vez de tentar bolar o previsível logo lembrando um origami ou coisa do tipo, o designer fez 3 versões diferentes de papelaria (incluindo cartões de visita e lembretes de consulta) usando estampas de papel de presente normalmente usados para fazer origamis – ela escolheu todas (quem disse que só pode usar uma?). Os cartões eram todos estampadinhos no verso e o projeto gráfico ficou um escândalo de lindo!
Cada estampa era mais maravilhosa do que a outra, e psicóloga chegou a ter que fazer mais cartões porque as pessoas queriam colecionar, de tão lindos que eles eram. Toda vez que algum cliente ver um papel desses, vai lembrar da moça, sem que para isso ela precisasse de uma marca gráfica específica para replicar em todo lugar. Entendeu?
Dá para usar imagens de apoio (ilustrações, fotos, listras, texturas, etc), enfim, o mundo da identidade visual pode ir muito mais além do que uma marca gráfica. E se o profissional realmente se identificar com o resultado, vai se impressionar muito mais. Continue caprichando nas apresentações. Só quero lembrar que você tem mais recursos do que talvez esteja usando…
Penso que decidir se o profissional vai ou não precisar de uma marca gráfica depende do diagnóstico do seu perfil. Você pode orçar um projeto de identidade visual; se vai ter logo ou não, cabe ao designer esclarecer que nem sempre ele é necessário, dependendo das aplicações e do dia-a-dia do cliente -inclusive, não significa que um projeto sem marca gráfica seja mais barato – fazer um projeto bem-feito sempre dá muito trabalho.
Abraços e sucesso!
Luís Gustavo Morato Leite
Olá. Sou dentista e gosto bastante de artes visuais – tanto que sempre gostei de brincar co freehand, illustrator, photoshop, essas coisas. Eu tenho um site, e ele tá dentro do que você entende de organização e diagramação visual para um profissional liberal. No entanto, no caso da psicóloga, como no meu caso, acho que tem que ser sóbrio. É um ponto de vista pessoal, mas pra mim desmerece a atuação profissional , não o profissional. Tem tanto lugar aonde a diagramação visual pode ser empregada. A abordagem da saúde, exceto para pediatria, é sempre com seriedade, até porque as atividades desses profissionais são quase sempre em cima de protocolos. Acho o máximo artes visuais, capricho na diagramação, mas não na área de saúde. Meu ponto de vista.
ligiafascioni
Entendo seu ponto de vista, Luís Gustavo, e tendo a concordar. Acredito que a questão principal é considerar o DNA do profissional, sua essência, o porquê ele se diferencia dos demais. Também acho difícil que seja o humor, mas se o conceito for bem fundamentado, penso que pode se justificar em alguns casos sim.
Obrigada por comentar 🙂
Beatriz Fazolo
Lígia, obrigada por compartilhar esse artigo e me levar a reflexão da frase questionamento esses dias que publiquei no Twitter.
Acabei optando por uma coisa mais simples alinhada com tipografia (também simples) e o uso de algumas cores. Acho que calhou bem para o que eu precisava quando fiz a minha externação.
Obrigada mais uma vez!
Beijo grande
Beatriz
Jorge Montana
Tem sua marca sim, Tá la encima é sua foto!! complementada pela identidade tao clara nos seus artigos. Quem chega aqui percebe que alem de inteligente, bem humorada e culta..é muito bonita!
ligiafascioni
Jorge, você sempre um gentleman! Faz parte da sua identidade….ehehehe
Abraços 🙂
guilherme sebastiany
Perfeito artigo Lígia.
Essa é uma dificuldade que percebemos em muitos clientes também. Eles vem QUERENDO uma marca gráfica. Percebem, principalmente quando há limitação de verba, que o investimento que faz mais sentido é o símbolo, em lugar do sistema de identidade. Quando deveria ser o contrário.
Estampar o seu logo em todo lugar não é construir nem uma marca, nem uma identidade, nem o reconhecimento que tanto se procura.
ligiafascioni
Oi, Guilherme!
Pois é, o problema é que convencionou-se que identidade visual = marca gráfica. De onde tiraram isso? Os clientes só reproduzem o que ouvem por aí; talvez os próprios designers estejam “vendendo” essa mensagem…
Abraços,
Wilson Cesar
Olá Ligia!
Vejo da mesma forma essa questão. Chega-se ao ponto de que, se você não apresenta um projeto de marca com o trio alfabeto+símbolo+cor, o cliente simplesmente considera que o trabalho não foi ” bem feito”, ou simplesmente não foi feito!
ligiafascioni
Pois é, Wilson! Mas o cliente aprendeu isso com os designers. Com quem mais?
Abraços 🙂
Monaliza Ximenes
as vezes o designer tem esclarecer certas coisa para o seu cliente, realmente ele soh reproduz o que escuta por ai, em relação ao próprio designer o que ela ta vendendo eh o nome dele e a sua competência, muito coerente o artigo ! =D
ligiafascioni
Oi, Monaliza!
Mas o designer só pode esclarecer (para o cliente) o que está claro para ele. Mas muita gente parece confusa: diz para o cliente que é criativo, inovador, mas não consegue pensar fora da caixa…
Abraços 🙂
Efraim Ádonis
Parabéns, pelo artigo. adorei o exemplo da psicologa. deve ter ficado muito lindo o material.
Eu estou com você, optei por não utilizar um simbolo, visto que eu sou conhecido pelo nome ou pelo apelido “efras”.
Parabens novamente.
Leonardo Charles
Muito bom, Lígia. O “problema” é que, na faculdade, já nos cobram esse procedimento.
ligiafascioni
Pois é, Leonardo!
Os professores acabam repetindo a receita de bolo, ao mesmo tempo que se contradizem dizendo que o designer tem que pensar “fora da caixinha”….ehehehe
Abraços 🙂
Emily
Exatamente! Concordo com você. 🙂
Erison Penteado
Sinceramente, acredito que ele deva ter sim, pois a principio a pergunta aparenta até um tanto capciosa. Pois qualquer designer pode até não vir a ter sua marca. Mas com certeza terá que executar, o que ele vindo a ter a sua já está provando que sabe fazer uma boa marca. Certo? Então por isso que não teria como ele deixar de ser a sua própria marca, ou logotipo.
ligiafascioni
Entendo seu ponto de vista, mas ele não pode mostrar as que fez para as outras empresas no seu portfolio? E se ele for fazer um projeto para um profissional liberal que também não precise necessariamente de um logo? Dê uma olhada no link que deixei no final do artigo com exemplos muito bacanas que designer fizeram sem usar logo. Realmente saíram do lugar comum e impressionaram. Muito mais do que se tivessem se limitado a seguir a receita…