Minha mãe dizia que no tempo dela, se a moda era vestido acinturado, a moça que não andasse assim era ridicularizada na rua. O que era belo era lei, todo mundo tinha que usar, sob pena de ser deixado à margem de seu grupo social. Todos os móveis à venda tinham que ter pés de palito, isso era o bonito e fim de papo. Cabelos? As opções eram reduzidas aos dois ou três penteados que uma ou duas revistas de moda decidiam que eram os certos.
O mundo hoje está maior, mais amplo, com mais possibilidades. Só especialistas conseguem identificar as tendências na miríade de alternativas que se apresentam a cada semana de moda, a cada salão de design. A verdade é que hoje tem espaço para tudo, do kitsch ao minimalismo. E olha que estou falando de moda, cabelo, móveis, arquitetura, embalagens, acessórios, eletroeletrônicos e até de comida.
Como é que as referências estéticas conseguiram se alargar tanto em menos de meio século? É disso que fala a jornalista Virginia Postrel, em “The substance of style: how the rise of aesthetic value is remaking commerce, culture & consciousness”(paguei míseros U$ 1,29 no sebo da Amazon!).
Virginia explica que a cultura contemporânea finalmente jogou a toalha e começou a aceitar a subjetividade e a variedade do valor estético. Quando um grupo resolve decidir o que é certo ou verdadeiro em questões de beleza, simplesmente ignora a realidade fundamental da natureza humana, que é a diversidade. Claro que muita gente ainda acha que tem a chave para definir o que é legal, hype ou cool, como por exemplo, a filósofa e escritora Ayn Rand, autora da pérola: “gosto é subjetivo; bom gosto, não”. Ela era uma pensadora de respeito, criadora do objetivismo, sistema filosófico, que, entre outras coisas, estabelece critérios objetivos para medir o bom gosto e justificar se uma coisa é realmente bela ou não. Confesso que não conheço em profundidade o método, mas penso ser humanamente impossível garantir a imparcialidade quando se trata de gosto. O sistema, por exemplo, julga Shakespeare um escritor inferior, considera o rock antiestético e não aprecia a arquitetura da Belle Époque, justamente em consonância com o gosto pessoal de Ayn. Não parece suspeito?
Hoje, nenhum formador de opinião sério ousa afirmar que isso é certo e aquilo é errado. Eles são mais comedidos e se limitam a discutir as tendências globais e as preferências de determinados grupos.
Virginia ressalta, porém, que aceitar o pluralismo e a subjetividade não significa nunca fazer julgamentos. Significa apenas entender que tipos de julgamentos são esses e não confundi-los com verdades. A curadora do MoMA, Paola Antonelli, diz que o belo é uma coisa que as pessoas sabem que é bom ou não por elas mesmas, mesmo sem saber explicar o porquê. É mais ou menos como dizer se um filé está ou não no ponto.
Aliás, essa metáfora com comida é tão boa que permite vários desdobramentos. Virginia lembra que os críticos gastronômicos podem decidir qual é a melhor ou a pior cozinha, podem analisar receitas, ingredientes, combinações, temperaturas, efeitos gustativos. Mas nada disso vai fazer você gostar de brócolis, se você não gostar.
Ainda sobre o ponto do filé, a jornalista lembra que quanto mais filés você comer, mais refinará seu paladar e estará apto a distingüir o bom, o ótimo e o excepcional. É mais ou menos como a cultura visual em relação à estética, que aguça os nossos sentidos e os refina. Quanto mais você experimenta estética, mais quer experimentar e mais apurado vai ficando o olhar.
Mesmo assim, é bom lembrar que ninguém consegue comer filé o tempo todo. Às vezes, uma massa vem bem a calhar e até um bom sanduíche tem seu lugar. Os críticos estetas se esquecem que nem todos comem filé o tempo todo. Além disso, há os que prefiram peixe, os que só comem frango e ainda os vegetarianos. Isso quer dizer que algumas pessoas preferem arquitetura moderna e outras, o estilo rococó; inclusive, a mesma pessoa pode gostar das duas coisas em momentos diferentes.
Virginia ressalta que o prazer estético é inerente à natureza humana. Nós somos criaturas táteis, visuais, auditivas, gustativas e olfativas. Gostamos de usar os nossos sentidos como apoio à tomada de decisões.
A estética não trata da perfeição, mas de ajudar cada pessoa a expressar a sua própria personalidade. A estética da Apple é linda do meu ponto de vista (e de outros, já que muita gente a copia). Mas os concorrentes estão vendendo horrores, cada aparelho de som mais espetaculoso que outro. Chapinhas e cachinhos convivem em paz na mesma balada, em cabelos de todas as cores. Os móveis podem ter os pés que quiserem, até os de palito. Essa é a verdadeira democracia estética.
Bom, né? Eu prefiro filé mal passado, mas também adoro brócolis…
Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br
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