O que aprendi com o hipopótamo finlandês

O desenho mostra um casal de Moomins (seres parecidos com hipopótamos brancos) abraçados.

Minha queridíssima amiga Ana Rampim foi passar uns dias em Helsinki e me deixou com a missão especial de cuidar das gatinhas dela.  Durante alguns dias, fui lá brincar com aquelas fofas arteiras e já estava bem feliz com isso. Pois não é que na volta a Ana me trouxe um presente? Nem precisava, mas, né? Como posso recusar um clássico da literatura finlandesa?

The Exploits of Moominpappa (As explorações do Papai Moomin), de Tove Jansson, me ensinou, entre outras coisas, que devo ler mais clássicos infantis.

Tove, a autora, nasceu em 1914 e era filha de uma caricaturista com um escultor; ela escreveu a série de histórias com os personagens e todo o universo dos Moomin durante e depois da Segunda Guerra, quando tudo era dor, sofrimento e destruição. Seu texto é um alívio no meio de tudo isso; fresco, curioso, bem-humorado e engraçado. Não é à toa que os personagens são idolatrados em sua terra natal e outras partes do mundo.

Os Moomin são tão queridos que há parques temáticos no mundo todo, produtos licenciados, filmes de animação, histórias em quadrinhos e tudo o que se possa imaginar. Eles são tipo um Harry Potter finlandês!

Esse volume (são oito, no total) mostra o Papai Moomin contando a história de sua vida para seus filhos até o momento que conhece a mãe deles. É muito fofo, pois ele é tão inocente e se acha tão genial que é impossível não amar. Recebeu fortes recomendações da Mamãe Moomin: as partes não instrutivas eram para ser deixadas de fora do livro que ele está escrevendo e lendo, capítulo por capítulo, todos os dias para os filhos e amiguinhos.

Os Moomins, pelos desenhos da capa e algumas ilustrações no interior do livro, têm a forma de um hipopótamo. E foi assim que comecei a ler, imaginando um hipopótamo contando sobre o dia que, ainda filhote, foi deixado sobre folhas de jornal num orfanato controlado por criaturas chamadas Hemulen. Elas são como generais disciplinadíssimas nesse reino, e, ao encontrar o Moomin, decretaram: se tivesse chegado meia hora mais tarde, seria músico; se tivesse aparecido um dia antes, seria um jogador compulsivo. Mas a combinação de estrelas no momento era muito especial, de maneira que ele seria super talentoso.

Sabendo que era tão notável, Moomin não conseguiu suportar a vidinha chata do orfanato e fugiu para viver aventuras (olhaí um exemplo clássico de profecia auto-realizável). É engraçado porque, no começo, ele se apresentava assim para todos os seres que encontrava: “Sou Moomin, e nasci sob uma configuração especial de estrelas“. Ninguém dava muita bola, mas nada abalava sua autoestima (isso é uma coisa muito bacana). Eis que encontra outros personagens, constrói uma casa, viaja num barco, enfrenta gigantes e monstros, conhece o rei, salva vidas, até que encontra seu grande amor, uma charmosa Moomin fêmea.

Há cenas espetaculares de tão criativas que trazem soluções surpreendentes para brincadeiras de infância, como quando ele e seus amigos estão a bordo de um barco atravessando o oceano e um deles olha para o céu e diz: “aquelas nuvens ali não parecem três ovelhas fugindo de um lobo, que está correndo logo atrás?“. Todos concordam e um dos amigos decide salvá-las: ele pega uma corda e laça cada uma das nuvens. As ovelhas-nuvem, agradecidas, fazem parte da viagem como tripulação do barco. Quem pensaria numa coisa dessas?

Olha só quanta coisa deu para aprender:

  1. Ler livros infantis significa jogar fora todos os pré-conceitos. Quando vi o desenho de um hipopótamo na capa, imediatamente imaginei um animal assim, enorme e pesado, vivendo as aventuras. Só depois de ler quase um terço do livro, lá pela página 30, é que me dei conta de que eles estavam usando uma lata vazia como veículo. Então só podiam ser miniaturas num jardim.
  2. No começo procurava no dicionário nomes dos animais que não conhecia. Só depois saquei que eram criaturas inventadas…dãã…
  3. Aprendi que não tem problema ser vaidoso quando também se é generoso com os outros. As coisas se equilibram.
  4. Aprendi que é possível ter ironia fina também em livros infantis. Curiosíssima para saber se a parte do livro que foi vetada para as crianças, em que o Moomin vai viver com as Hattifattener, criaturas que nunca descansam e estão sempre viajando sem parar, foi contada em algum outro volume.
  5. Crianças finlandesas podem tomar rum quente na boa, desde que seja inverno (passei minha infância tomando vinho tinto no Brasil mesmo…rs) e não tem problema os adultos da história fumarem.
  6. Livros infantis, principalmente com animais e cenários inventados, podem ser um excelente exercício de imaginação e criatividade. Aí que a gente se dá conta como está enferrujado em ter ideias realmente originais.
  7. Aprendi que preciso urgentemente puxar Helsinki mais para cima na minha infindável lista de lugares para visitar com urgência.

Não tenho como agradecer por mais isso, Ana!

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NOTA: Descobri que lançaram algumas histórias em português recentemente. Vale dar uma procurada.

Abracadabra para você no ano novo!

Você sabia que os gnósticos helênicos usavam a palavra abracadabra para denominar um talismã que representava o curso do sol durante 365 dias? E tem mais…

É a mesma palavra mágica usada nos contos árabes para abrir portas difíceis que guardam tesouros. Os sírios, mais tarde, atribuíram ao nome poderes especiais de cura. E como se não faltasse mais nada, abracadabra também significa “Que Deus proteja“.

Ano passado, nesse dia, estávamos na Argentina, na nossa viagem anual de moto e a gente nem sonhava que estaria morando em Berlin agora.

Os anos que iniciam são sempre mágicos, misteriosos, cheios de portas, segredos e surpresas. Cabe a cada um de nós decidir o uso que faremos da nossa abracadabra… desejo tudo de melhor para o que cada um de vocês escolher!