A princesa e o design

Publiquei esse texto em 2006 no Acontecendo Aqui, quando esse blog ainda nem existia. Encontrei nos achados e perdidos e penso que ele ainda é atual. Vê se não é mesmo…

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A matemática, foi, para mim, por muito tempo, apenas um joguinho divertido. A gente aprendia as regras, aplicava-as nas equações e via se tinha acertado. Legal, mas nada muito sensacional. A empolgação veio com a física, que explicava o mundo e as coisas. Essa sim, era fascinante! E, veja só, a física usava a matemática para se expressar, para se traduzir. As duas foram fiéis companheiras durante a maior parte da minha vida de estudante, e, depois, como profissional. Nunca entendi como é que tanta gente se repugna com essas duas senhoras tão sedutoras…

Como não se deixar enlevar pela beleza de um problema bem resolvido, uma solução elegantemente apresentada? A harmonia e a perfeição da álgebra, a incrível simplicidade da trigonometria, as grandes sacadas da geometria, a genialidade do cálculo integral e diferencial! Lembro-me bem de alguns professores da engenharia, que, após encher várias vezes o quadro de equações usando todo o alfabeto grego, terminavam a explicação declarando: eis a prova de que Deus existe! E não dava para duvidar mesmo.

Há muito não tomo chá com as velhas amigas, mas continuo lendo sobre o assunto. E esses dias, deliciando-me com “La matemática como una de las bellas artes”, de Pablo Amster, deparei-me com uma história, contada no livro, que pode ajudar a entender algumas coisas.

Trata-se de uma série tcheca de desenhos animados que conta a saga de uma princesa que precisa escolher um marido. Cada episódio mostra um galante cavaleiro se apresentando à dama, apelando para as mais imaginativas e magníficas formas de impressionar. Teve um que até estrelas fez chover. O capítulo sempre termina por mostrar o rosto da princesa em primeiro plano, sem uma sombra de emoção e dispensando o candidato com indiferença. Seria ela uma mulher insana, eternamente descontente? Uma deprimida infeliz? Uma autista em estado avançado?

Mas a série tem um final, e o último capítulo é surpreendente: o derradeiro pretendente se apresenta e, em vez de das maravilhas espetaculosas proporcionadas pelos shows de seus antecessores, o homem apenas tira de dentro de sua capa um óculos de grau. A princesa o coloca e, subitamente, passa a sorrir, oferecendo-lhe a mão. Pois é, a pobre era míope, perdeu todos os espetáculos e se rendeu àquele que lhe ofereceu outra abordagem, apesar de singela. As interpretações são muitas e ricas, escolha a sua.

Mas, seguindo a linha de raciocínio do autor, quem sabe não é assim também com a matemática? Talvez muita gente não consiga ver a sua beleza porque lhes faltam os óculos corretos. E, lembrando a Dulce Magalhães, no seu “Mensageiro do vento”, as lentes não servem para consertar os olhos, mas para distorcer o mundo, de maneira que ele se adapte a nós, e a gente consiga finalmente entender o que está vendo.

Quem sabe o design não poderia ser esses óculos? Essa ferramenta que mostra a harmonia e a beleza matemática de uma maneira que nos sensibilize e nos encante? Que nos chame atenção para a proporção áurea, para a adequação da forma, para a hierarquia clara das informações, para a escolha concliliatória e equilibrada das cores? Não seria a chave para a paz?

Foi só uma divagação, é claro que as coisas não são tão simples… e, pelo que tenho visto, temos que descobrir também como inventar óculos para que as pessoas possam enxergar melhor o design e seu valor. De alguma maneira, somos todos um pouco cegos…

2 Responses

  1. 31 outubro 2011 at 12:23 pm

    Acho que todos usamos óculos para ver a vida. E muitas vezes usamos o óculos errado. Uma simples troca de óculos poderá nos fazer enxergar coisas que jamais imaginaríamos existir.
    Eu amei matemática por muito tempo, mas depois tive uma sequência de professores medíocres que me fizeram odiar a matéria. Adorei a sua abordagem e realmente este texto é atualíssimo. Gostei muito. Você escreve maravilhosamente bem.

  2. Ligia Fascioni
    Responder
    21 maio 2019 at 3:45 pm

    Obrigada, minha linda!

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