Uma questão de referências…

Essa semana recebi o e-mail de uma aluna que estava atravessando uma crise profissional e me pedia conselhos. Vamos chamá-la de Teresa. Pois é, o caso é que a moça estava fazendo estágio em um escritório e tinha sido destacada para fazer apenas trabalhinhos chatos, como editar imagens e outras tarefas menores, segundo ela.

Um colega comentou com Teresa que ela estava desperdiçando seu talento nesse lugar e que deveria cair fora logo, afinal de contas, já faziam inacreditáveis 3 semanas que ela estava lá e nenhum projeto realmente legal havia sido colocado sob sua responsabilidade. Teresa ainda completava dizendo que sabia que era excepcionalmente boa no que fazia e que não lhe davam o devido valor. A moça realmente estava em dúvida se saía ou não batendo a porta.

Resolvi compartilhar essa questão preservando o nome da aluna porque penso ser esse um problema comum à geração dela, independente do curso. Tenho certeza de que estagiários de publicidade, jornalismo, engenharia, farmácia, administração ou qualquer outra área compartilham um pouco da angústia de Teresa.

Vamos por partes. O primeiro ponto que vejo é o imediatismo, natural da idade, mas muito mais flagrante nesse milênio. O que é que a Teresa queria? Que na segunda semana o chefe ficasse camelando na edição de imagens para que ela pudesse pensar com mais calma na melhor estratégia para atender um cliente vital para a empresa? Acho que Teresa e seus contemporâneos pensam que surgem do subsolo, durante a noite, gnomos escravos notívagos que fazem o trabalho que ninguém quer enquanto a empresa dorme.

Meu conselho às teresas: quer mais responsabilidade? Surpreenda, faça mais do que foi pedido; além do trabalho chato, apresente algumas idéias (mas não se chateie se elas não forem aceitas – existe a possibilidade de não serem tão boas quanto se pensa). Persista, tente analisar a empresa sob todos os pontos de vista, entenda como é a dinâmica de uma organização, como é administrada, os tipos de liderança, as práticas de atendimento, como os papéis são distribuídos. O estagiário sempre pode comparar com outra experiência até encontrar um modelo que considere ideal. Fazer o trabalhinho entediante só significa enfiar a cabeça dentro do monitor se o estudante (ou iniciante) não tiver olhos para observar e aprender o que há em volta.

Segundo ponto: talento incomparável desperdiçado. Confesso que tenho certa simpatia por pessoas que assumem suas qualidades e não gosto muito daquelas que fingem uma modéstia mal ensaiada. Mas quando a Teresa afirmou com tanta segurança que era excepcional, fiquei um pouco preocupada. É que não consegui me lembrar de nenhum trabalho da aluna que tivesse se destacado na turma; não eram tão ruins, mas certamente não eram sensacionais. Nessas oportunidades ela teve toda a liberdade do mundo para mostrar sua genialidade, mas preferiu ser bem discreta.

O fato de mesmo assim ela se considerar uma profissional excepcional, leva a pensar que, na sua cultura geral, talvez faltem referências para se comparar. Pelo menos, é a única explicação que encontro para tanta falta de noção.

Acompanhem meu raciocínio: certamente humildade e modéstia são palavras que definitivamente não servem para me descrever: muitas vezes sou acusada de arrogante, e não sem motivos. É que sei que sou uma profissional acima da média. Mas tenho a exata dimensão de que isso não acontece porque eu seja um gênio, mas porque a média, de uma maneira geral, é baixa. Assim, não posso dar lição de humildade para a Teresa, mas é preciso ter um pouco de bom senso.

Quando a gente estuda bastante e tem muitas referências, passa a ter uma perspectiva mais realista. Brilhante e genial foi Isaac Newton: e mesmo ele admitiu que debruçou-se sobre ombros de gigantes, referindo-se aos matemáticos que deram fundamentação ao seu trabalho (para quem não está ligando o nome à pessoa, Newton foi o cara que formulou as leis fundamentais da física como a da gravidade, para ficar apenas na mais famosa, e criou o cálculo diferencial e integral).

Alguém pode dizer: ah, mas assim é covardia! Se a gente ficar se comparando com esses caras, sempre vai se achar uma formiguinha insignificante. A despeito de algumas vezes ser até saudável a pessoa retornar quietinha ao formigueiro, podemos usar referências mais próximas, e mesmo assim nos darmos conta das nossas limitações. Na área à qual me dedico a estudar mais profundamente, que é identidade corporativa, tenho lido autores que me deixam arrepiada. Há os espanhóis Joan Costa e Paul Capriotti, o inglês John Balmer, o americano Tony Spaeth, os argentinos Norberto Chaves e Raúl Belluccia e mais uma lista enorme que faz com que eu perceba exatamente o meu lugar, bem lá no fim, pelo menos por enquanto. E é uma sensação ótima se dar conta do tanto que ainda tem para aprender e que tem tanta gente lá na frente para iluminar nosso caminho.

Aliás, essas comparações com grandes mestres me fez lembrar de uma charge das cobras, personagens do (esse sim, extraordinário) Luís Fernando Veríssimo. No primeiro quadro, aparecem as duas cobras olhando o céu noturno estrelado. Então uma se vira para a outra e diz: “diante desse infinito, eu me sinto um zero. E você?“ A outra responde, candidamente: “Ah, sei lá! Um dois ou três…

Se eu fosse um estudante de design, no mínimo olharia alguns grandes nomes no Brasil, como o Aloísio Magalhães, Joaquim Tenreiro e Alexandre Wollner, para cair a ficha e ter uma idéia vaga do que significa brilhantismo e excepcionalidade. Depois ainda tem Philip Stark, Karim Rashid, Javier Mariscal só para citar os internacionais que eu lembro agora, de cabeça. Nem precisava ir tão longe: o premiado Célio Teodorico dá aula para a moça.

Como eu disse à Teresa, tomara mesmo que ela seja excepcional. Mas até agora não deu pra notar, e tenho certeza de que a culpa, pelo menos por enquanto, não é do chefe dela…

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

13 Responses

  1. Thiago
    Responder
    1 agosto 2008 at 12:25 pm

    Ahahah, Coitada da Tereza, 3 semans como estagiária e ainda não a promoveram a lider suprema da empresa ??

    Eu estou começando a minha empresa do Zero, é necessário garra, vontade, bom network, muito suor, vendas, produção, coragem (para investir o pouco de dinheiro que tinha), e muito o mais.

    Daí a empresa cresce, você contrata funcionários, eles se destacam, você os promove, a empresa cresce mais. Daí você contrata uma aluna “mediana” (pelo que a maravilhosa professora Ligia disse) da faculdade como estagiária, e após 3 semanas ela já ta nessa ? Eu mandava embora.

    Menina Tereza, se você é tão boa assim, vá até o banco, empreste uns 20 mil reais, comece sua empresa de design, fique milionária e depois me contrate, Ok. Mas já te digo, quero começar como gerente, e na segunda semana quero ser elevado a diretor. Ora faça me o favor.

    Isso tudo é problema de criação Ligia, filha de papai e mamae que só sabem elogiar para compensar as próprias faltas. Sabe assim, papai passa a semana trabalhando em outro estado, mamãe passa a semana cuidando da própria vida, daí quando encontram o filho, não tem coragem de educar, de mostrar que o buraco é mais embaixo, alias, muito mais embaixo. Essa moça já matou algum leão (figurativamente) na vida ? Um bom profissional mata dois por dia.

    AI que Raiva!

  2. 1 agosto 2008 at 2:49 pm

    Oi, Thiago!
    Não fique com tanta raiva..eheheh… a Teresa é, na verdade, um personagem que agrega características de várias histórias com as quais tive contato – assim, essa Teresa ficou um pouquinho exagerada, mas sintetiza bem os casos que tenho ouvido e participado.

    O primeiro ponto é que nem sempre o aluno se dá conta que está sendo avaliado o tempo todo na sala de aula, por isso, não se esforça para mostrar o seu melhor. Tem vários alunos que me surpreendem quando vejo fora do mercado, eles são muito melhores do que pareciam à primeira vista. Mas realmente, o senso de referência é importante para a pessoa crescer profissionalmente de uma maneira consistente.

    A idéia era cutucar um pouco as várias “teresas” que andam por aí, sem muita idéia do reflexo que seus comportamentos podem provocar…

  3. 1 agosto 2008 at 8:07 pm

    Ótima reflexão. Vou indicar a leitura pra muita gente, sem dúvida!!!
    Nesta era da rapidez há múltiplos teresas e teresos espalhados por aí.

  4. Mara Veit
    Responder
    2 agosto 2008 at 3:52 am

    Prezada Ligia

    Meu nome é Mara e estou lecionando no curso de pós-graduação Gestão de Desing para as Micro e Pequenas Empresas a disciplina de estratégia e gestão de negócios relacionada ao desing. Este curso funciona na UEMG -Universidade Estadual de Minas Gerais – Faculdade de Desing, que você deve conhecer pois é muito conceituada. Este é o primeiro curso de pos graduação com foco na gestão do desing para as pequenas empresas
    Estava procurando na internet alguma coisa relacionada ao tema para tornar a aula a minha aula mais agradável em teremos de imagens integrada aos conceitos que pretendo abordar na disciplina. Nesta pesquisa
    encontrei seu site e material e peço autorização para utilizar em sala de aula alguns de seus slides relacionados ao meu conteúdo, sem nenhuma alteração na informação e créditos. Seu material utilizado nas aulas é muito interessante.
    Também trabalho no Sebrae de Minas Gerais, gerenciando a Unidade de Atendimento ao Empreendendor – mUm grande abraço e prazer em conhecê-la. Meu email de trabalho [email protected]

  5. 3 agosto 2008 at 5:27 pm

    Mais uma vez tiro o chapéu pra você Lígia,

    Acredita que eu já fui uma Tereza? Sabe aquele bichinho chamado ego que vai crescendo dentro da gente? Então, ele ficou tão grande que quase não conseguia mais aceitar que meus superiores na empresa tinham coisas a me ensinar e que, sem dpuvida alguma eu poderia executar as mesmas tarefas com a mesma destreza e habilidade que eles.

    Ainda bem que isso é uma fase que quase todo profissional de criação passa e, com o tempo a maturidade vem…

    Valeu pelo texto tão bacana!
    Bjos

  6. 3 agosto 2008 at 7:47 pm

    Oi, Mara!

    Que bom que você gostou do material. Pode usar o que quiser, está lá para isso mesmo!

    Vou estar em Minas Gerais no Ciclo de Palestras “O olhar da criação” dia 25 de agosto (a minha palestra será na segunda de manhã). Quem sabe a gente não pode se conhecer ao vivo?

    Um grande abraço e um ótimo trabalho!

    Lígia Fascioni | http://www.ligiafascioni.com.br

  7. 3 agosto 2008 at 7:48 pm

    Oi, Raquel!

    É, em algum ponto da vida, todo mundo já foi um pouquinho “teresa”…eeheheh

    Abraços,

    Lígia Fascioni | http://www.ligiafascioni.com.br

  8. 4 agosto 2008 at 9:26 pm

    Ligia, nada a ver com o topico, mas lembrei de ti.
    Olha só que negócio mais criativo: http://www.worldwidefred.com/fingerfood.htm
    Utilíssimo pra comidas bonitas em eventos sociais, sem perder o jeito no meio do networking.
    Ótimo =]

    Abraços
    Thiago

  9. 7 agosto 2008 at 4:01 pm

    Bom dia Lígia,

    Adorei.

    Li que o Tiger Woods, um dos melhores jogadores de golf da história, chegou a esse nível porque nunca se achava bom o suficiente.

    Diz muito …

  10. Wilton
    Responder
    27 agosto 2008 at 2:59 pm

    Teu blog será um dos primeiros sites que irei abrir acessar todos os dias.

    Obrigado

    PS.: Também peguei teu conceito de Design no teu SITE (o site mesmo) e guardei aqui no PC para usar como referência para umas das várias explicações de design que se tem por aí. Sou estudante novo ainda e sei que muitos desses artigos me ajudaram, acho que estou tendo sorte.

    Abraço

  11. 16 novembro 2011 at 9:31 pm

    Profissional, seja de qual área for, sabe gerenciar seu ego; busca desafio (leia-se autodesafio); é humilde e aprendeu a “fazer a massa e embolsar parede” antes de projetar e desenhar planta. Como diz BNegão: “O processo é lento”

  12. Carlos Koehler
    Responder
    17 novembro 2011 at 12:02 am

    a família para de almoçar, de conversar, de ver TV… DE FAZER QUALQUER COISA qdo as crianças chegam no recinto. a partir daquele exato momento, a razão de ser de TODOS OS ADULTOS PRESENTES passa a ser as crianças.

    e nem deixam que elas se manifestem. que elas manifestem suas necessidades… seus desejos…

    crivam-lhe de perguntas na esperança de serem delas A ESCOLHA:

    está com fome3? com frio? quer que titio mude o canal? quer passear? e um doce?

    mas… eu tô doido? o que esse assunto tem a ver com a matéria?

    TUDO!

    essa criança que entrou na sala hj, e que não sabe o que é LIMITE… e não terá a oportunidade de aprender a lidar com frustações e nem terá tempo de se fortalecer… será a Tereza de amanhã.

    bjim e sucesso.

  13. 17 novembro 2011 at 11:45 am

    Excelente mais uma vez.

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