Só para gente grande

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Li em algum lugar um filósofo contemporâneo observar que as pessoas não estão mais amadurecendo, que a infância está cada vez mais invadindo partes importantes da vida adulta e isso não está sendo bom para o planeta. Ele se referia mais especificamente aos americanos que continuam, na vida adulta, agindo como crianças crescidas. Mas faz sentido para o mundo todo, olha só.

Criança só quer comer bobagem e, de preferência, muita, até não aguentar mais. Na falta de um adulto que controle a sua alimentação, a vontade é de almoçar sorvete, jantar batata frita e preencher o resto do dia entupindo-se de balas, salgadinhos e biscoitos recheados. O paladar infantil ainda não está formado e, por isso, aprecia sabores simples, sem muitas nuances. Pois boa parte da porção considerada adulta da humanidade está comendo assim e o que se vê é o aumento preocupante do percentual de obesos mórbidos na população. Ruim pra todo mundo.

Criança quer tudo que vê. Se mal educada, inferniza a vida dos pais até conseguir o tal trenzinho. Não sabe esperar, não sabe planejar, não tem paciência, não conhece o valor do dinheiro. Adultos-crianças também não esperam: fazem malabarismos com o cartão de crédito, endividam-se por várias gerações, compram compulsivamente bobagens como se tivessem acabado de ganhar um dinheirinho da vovó. Resultado? A crise em escala global no mercado financeiro está aí mesmo para quem quiser ver, resultado de gente que comprou e não conseguiu pagar.

Para crianças muito pequenas, o universo se resume à sua casa e à sua família. O centro de tudo é o seu lindo umbiguinho. Elas não têm noção de que existem outras pessoas, outras necessidades, outras realidades. Tudo o que querem é atenção exclusiva, que o mundo gire ao redor delas. Pois gente portadora de superumbigos e hipnotizada pela própria imagem no espelho é o perfil mais comum de se encontrar hoje em dia. Reflexos no trânsito, no consumo, no comportamento e nos relacionamentos podem ser vistos em todo lugar.

Quando muito novinhas, as crianças têm dificuldade de se concentrar em um assunto por muito tempo. Encantam-se pela bola vermelha, mas tudo é muito novo e interessante; logo acham uma caixa amarela que as fascina, e então a trocam por uma chave azul bem vistosa. Depois de uma tarde de descobertas, cansam-se de tanta novidade. Irritam-se e choram. Na falta de um colo de mãe, dá-lhe Prozac. Está reconhecendo o padrão?

O resultado dessa superpopulação de crianças crescidas é um mundo violento, doente, cansado e entediante para uma boa parte das pessoas. Mas ser um adulto maduro, responsável e equilibrado é tão chato. Será que não dá para conservar nem um pouco de infantilidade, só para variar?

De todos os comportamentos infantis, penso que o menos nocivo na vida adulta é o hábito de colecionar brinquedos. Dizem, inclusive, que a gente nunca para de gostar de brinquedos, o preço deles é que vai aumentando com a idade. É claro que há brinquedos menos inocentes (e mais caros) como armas, barcos, carros e motos(uhuuu!!), onde a pessoa realmente brinca com eles, interage, e às vezes faz até besteira quando deixa sua criança interior emergir sem o devido controle.

Mas há brinquedos com os quais não se brinca, e mesmo assim trazem uma certa nostalgia, uma sensação de segurança conhecida, um sentimento inexplicável de retorno a um mundo de histórias fantásticas. São miniaturas, itens colecionáveis, barbies e, mais recentemente, toy-arts.

Esses últimos, em particular, servem para o indivíduo mostrar ao mundo de um jeito mais ou menos discreto como ele é bem-humorado, irreverente, provocador, divertido, transgressor, impossível. Para alguns traz conforto, para outros é auto-afirmação, para todos significa mais cor e criatividade na sua vida. Há modelos e preços para os mais variados tipos de crianças grandes (atenção, toy-arts não são para crianças pequenas. Aiaiai, não mexe aí que o tio briga!).

Com esses pequenos objetos a pessoa pode expressar suas idéias, sua personalidade, seus talentos, seu jeito de ver o mundo. Pode até mesmo construir os seus próprios modelos e trocar com amigos, pode descobrir seu lado artista. É um hábito que traz à tona o lado infantil sem prejudicar ninguém, sem provocar riscos ou efeitos colaterais. Há modelos que já adquiriram o status de arte e são disputados em leilões, e outros reciclados e ecologicamente corretos para os mais engajados.

Taí. Para quem não acha que é suficiente rir, brincar e ser curioso para alimentar a criança dentro de si, que tal deixar todos os hábitos funestos de lado e passar a colecionar toy-arts? Iríamos ter adultos maduros e interessantes sem perder o charme da inocência infantil.

Não seria esse um bom jeito de começar a mudar o mundo?

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

PS: O toy-art da foto foi achado na FOM.

2 Responses

  1. 10 fevereiro 2009 at 11:07 am

    Eu não gostaria nem um pouco de perder meu lado criança. Posso cumprir com minhas responsabilidades com a família e trabalho mantendo seu lado infantil que é gostar de ver desenhos animados ainda (ao mesmo tempo que leio um Saramago) ou querer a coleção dos action figures da Liga da Justiça (ao mesmo tempo que tenho de pagar IPVA e IPTU). O mundo já tá tão violento e tão pesado que se perdermos nosso lado criança é bem capaz do mundo se tornar algo parecido com o ótimo filme “Filhos da Esperança”.

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