Não podemos esperar mil anos!

Imagine que aparece uma agência de viagens oferecendo férias muito diferentes: três semanas no futuro mil anos à frente. Quem oferece o recurso é o pessoal do futuro, claro, pois eles querem estudar história e conversar com os “fósseis” de mil anos atrás.
Um sujeito do nosso tempo vai todo empolgado, chega naquele cenário de filme de ficção científica com pessoas voando em patinetes entre edifícios espelhados. Mas já nos primeiro minutos, vai preso (ou algo equivalente a isso no futuro).
Em uma sala fria e com poucos móveis, um robô chamado Chron conversa com o sr. Saconava, o personagem em questão; um homem perfeitamente comum, desses que a gente vê aos montes pelas ruas. Presente está também uma moça incrivelmente linda aos olhos do tal homem.
O robô então informa ao nervoso turista o que está acontecendo. A moça o está acusando de tê-la bolinado, comportamento inadmissível nessa sociedade.
O homem vai ficando cada vez mais nervoso, até que é colocado numa espécie de aparelho onde ele se acalma e é impelido a falar a verdade. No começo, ele conta que foi atravessar a rua, não viu que a moça vinha de patinete e simplesmente esbarrou nela, causando uma queda corriqueira e sem nenhuma gravidade. Mas, sob influência da máquina, o sujeito admite: achou a garota tão linda que provocou a queda. Na confusão, aproveitou a oportunidade para passar a mão nela.
Conforme ele vai contando, a cena aparece numa espécie de vídeo em câmera lenta, com direito a zoom na mão nada boba. Agora, sim, a versão dele bate com a da moça.
O sr. Saconava não tem mais como negar o assédio, mas continua indignado e cheio de razão. Isso tudo é uma bobagem, não é motivo nenhum para ser preso. Onde já se viu? Ele é um turista, tem que ser bem tratado! Nem aconteceu nada sério! Vocês do futuro não têm mais o que fazer não?
Chron, o robô, se pudesse suspirar, o faria. Ele não pode perder de vista que há mil anos a cultura era muito diferente e as pessoas eram muito primitivas. Resolve a questão enviando o homem para a colônia de férias dos turistas do passado pelas três semanas contratadas.
O lugar foi projetado para ser um museu interativo de história, mas aos poucos foi a solução encontrada para retirar esses indivíduos do convívio civilizado, onde apresentavam riscos à população. O museu, ou melhor, a colônia, tem praias azul turquesa, coquetéis coloridos e bem decorados e as tais “loiras” que o homem tanto queria.
Ao final das férias, quando os amigos perguntam sobre a experiência, ele reclama que os pãezinhos no café da manhã nunca eram frescos.
Apesar da bizarrice da história, dá para reconhecer perfeitamente os personagens e suas reações, né? Inclusive um retrato muito bem acabado de boa parte dos turistas que a gente encontra rodando o mundo.
E se eu disser que esse relato é o resumo do primeiro conto do livro “Die große Reserve: Phantastische Geschichten aus einer utopischen Zeit”, de Wolfgang Kellner, publicado em 1981 na DDR (Deutsche Demokratische Republik, a antiga Alemanha Oriental)?
Vivemos num mundo com pessoas civilizadas sim, mas a maioria esmagadora dos homens, infelizmente, ainda é perfeitamente representada pelo sr. Saconava.
Por sorte vivo num país onde uma mulher pode entrar de biquíni no metrô que nenhum homem vai levantar os olhos (se alguém olhar de verdade, pode apostar que é um turista, provavelmente latino ou russo). Aqui você consegue passar por uma obra de construção civil sem ouvir nenhuma gracinha ou ter a sensação de ser devorada com os olhos, seja lá o que estiver usando para cobrir (ou descobrir) o corpo. Inclusive, você pode tirar toda a roupa num parque e tomar sol sem ser importunada.
Sim, a vida civilizada e o respeito pelas mulheres não é ficção científica; existe e é perfeitamente possível.
E não, senhores Saconava, definitivamente não estamos dispostas a esperar mil anos por isso.
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NOTA: É por isso que não consigo deixar de ler livros de papel; achei essa preciosidade € 1 no mercado de pulgas. O livro é lindo, tem capa dura e ilustrações!
As 5 obras que mais gostei na Documenta de Kassel

Nada como ter amigos queridos, cultos e generosos para realizar sonhos em ótima companhia. Há anos queria muito visitar a Documenta de Kassel, a maior exposição de arte contemporânea do mundo que acontece a cada cinco anos a 300 km de Berlim. Na Documenta13 eu não pude ir por diversos motivos, mas escrevi um texto aqui, falando inclusive sobre as origens e objetivos do evento.
Agora tive a oportunidade de passar dois dias em Kassel com o Rainer Bielfeldt e o Tiago Zarpack enchendo os olhos de sons, imagens, cores, provocações e muito verde (é a cidade mais verde da Alemanha). Conseguimos visitar 8 dos principais museus e galerias e muitas instalações externas, pois escolhemos passar as últimas horas conhecendo o Palácio de Wilhelmshöhe e o monumento de Hércules (mas isso é assunto para outro post).
A Documenta14 teve sua abertura em Atenas, na Grécia, pela primeira vez na história. Os 100 dias de exposição em Kassel terminam em 17 de setembro e a curadoria concentrou-se em tratar dos problemas migratórios, das crises econômicas, da violência e da intolerância; por isso a conexão com a capital grega. O resultado ficou realmente impactante.
Arte contemporânea não é uma coisa simples para pessoas leigas como eu; vi muita coisa que me encantou, mas muita coisa também que não entendi e não consegui ver valor. Observei que havia muitas instalações que enfatizavam sons em vez da linguagem visual; tanto em museus e galerias como entre árvores no meio dos parques, era comum ouvir sussurros, gemidos, assobios e sons estranhos vindos de caixas de som escondidas acionadas por sensores de presença. Com certeza, uma experiência muito interessante.
É um mundo de novidades e pontos de vista inusitados para compartilhar; mereceria um tratado, mas não tenho tempo e nem conhecimento suficientes para fazê-lo. Como leiga, vou destacar então as cinco obras que mais me encantaram, seja pelo visual, seja pela ideia ou contexto. Vamos passear, então!
1.Partenon de livros proibidos
Só posso dizer uma coisa sobre a obra da argentina Marta Minujín: g-e-n-i-a-l! Depois que o trabalho está feito, é daquelas coisas que a gente se pergunta como é que ninguém tinha pensado nisso antes. Pois a artista, lembrando a conexão com Atenas, e explorando o tema democracia (Atenas é o berço desse tipo de organização social, representada pelo Partenon), reconstruiu o templo grego em escala real com uma estrutura de metal recoberta de plástico recheado com livros proibidos em algum lugar do planeta (no passado ou no presente). Para a obra monumental, foram recebidas doações do mundo inteiro. Depois de terminada a mostra, os livros serão novamente doados.
O interessante, além do conceito e da grandiosidade, é verificar os títulos: vai do Alquimista, de Paulos Coelho, a Harry Potter, de J.K. Rowling, passando pelos 50 tons de cinza, contos dos irmãos Grimm e até a Bíblia. Dá para ficar horas descobrindo curiosidades. Se a gente pensar em ditaduras como as da Coréia do Norte e até mesmo Cuba, mais perto de nós, que controlam os livros que a população pode ou não ler, dá para ver que não é difícil encontrar títulos proibidos em pleno século XXI. Infelizmente.
Aqui algumas imagens desse cenário inesquecível.
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top 10 de julho

Seguem as 10 fotos minhas mais curtidas no Instagram no mês de julho. É verão, mas ainda tem muita flor nessa cidade!
Vem comigo!
Os estranhos métodos do dr. Irabu
O dr. Irabu é um psiquiatra meio doido; em sua própria turma de medicina, os colegas já o achavam esquisito. Mesmo assim, acabou se formando e herdando o consultório do pai (aliás, uma clinica inteira). Esse simpático senhor gordinho tem métodos bem inusitados para tratar seus pacientes; ele simplesmente passa a viver o dia-a-dia com eles, seja lá o impacto que isso cause em ambas as partes.
Esse excêntrico psiquiatra também tem mania de sair dando injeções de vitaminas independente do problema. O personagem criado por Hideo Okuda, pelo que pesquisei, além do volume “Die seltsamen Methoden des Dr. Irabu” (tradução livre: “Os estranhos métodos do dr. Irabu“), também estrela outros romances e coletâneas de contos.
Nesse livro, cada capítulo relata um caso. O primeiro é de um trapezista que começou, do nada, a errar os saltos; desconfiado dos colegas de grupo, começa a alterar seu comportamento. A esposa, também funcionária do circo, procura o dr. Irabu, que imediatamente começa a fazer aulas de trapézio como se não houvesse amanhã. No final das contas, o problema acaba sendo resolvido de maneira um pouco inesperada..
No capítulo seguinte, um mafioso começa a desenvolver um medo absurdo de formas pontudas, além de começar a odiar seu “trabalho”. O dr. Irabu começa a participar dos encontros dos mafiosos sempre mantendo sua atitude inocente e desarmada. Também acaba funcionando.
No capítulo seguinte, ele ajuda um colega de turma a resolver sua compulsão em tirar a peruca do sogro aconselhando (adivinhem?) que ele realmente faça isso. Outros personagens, como um jogador de beisebol e uma escritora também têm suas vidas transformadas pelo bizarro doutor.
O dr. Irabu é daqueles personagens únicos, estranhos, com algum charme sim, mas talvez não o suficiente para me conquistar. Achei apenas legalzinho…
O jardim de cimento
Ian McEwan é um dos meus autores preferidos, mas vivo com ele uma relação de amor e ódio. Há livros sensacionais, como Solar e Sábado e outros meio chatos, como “Der Zementgarten” (tradução livre: “o jardim de cimento”).
A história é a seguinte: quatro crianças, com idades variando entre 6 e 16 anos, moram numa casa e quase não têm amigos (seus pais são um pouco reclusos), até que um dia o pai morre. Meses depois, a mãe também morre. Por causa do irmão menor, de apenas 6 anos, os pequenos decidem não contar nada para ninguém e enterrar a mãe no porão. Eles acreditavam que, se o mundo viesse a saber que eles não tinham mais nenhum responsável, iriam ter que se separar do irmão menor, que provavelmente iria para um abrigo ou dado à adoção.
Ocorre que as crianças são apenas isso; crianças. O fardo é muito grande para carregar. Eles não têm noção de nada; nem de futuro, nem de responsabilidade, sequer cuidam direito do irmão. A história é contada pelo rapaz do meio, de 13 anos de idade, em plena crise da adolescência. A irmã mais velha arruma um namorado que desconfia que há algo errado (principalmente quando a casa toda começa a cheirar mal por conta de uma rachadura no cimento que encerra o corpo da mãe).
O livro não é ruim, mas talvez porque eu o tenha lido em alemão, perdi as nuances das entrelinhas. Penso que a história prometia mais; confesso que fiquei um pouco decepcionada. Não dá para dizer que é ruim, mas não foi dos melhores livros que li do McEwan.
Vá por sua conta e risco.
Meu mundo ilustrado

Resolvi realmente levar a sério a ilustração na minha vida. Berlim tem me provocado muito; a inspiração me persegue por todo os lugares onde ando. Aí criei vergonha e montei um portfólio (é só clicar em ilustrações ali no menu) e uma conta só para compartilhar meus desenhos no Instagram.
Dá para fazer encomendas de retratos, comprar alguns objetos estampados em lojinhas virtuais e mais um monte de coisas, mas, principalmente, alimentar bem os olhos.
Vou adorar sua visita! Vem comigo!
top 10 de junho: entre Berlim e Wrocław

Em junho aparecem muitas flores pela cidade; e nesse mês, ainda tivemos a sorte de contemplar belíssimas paisagens polonesas. Venha alimentar os seus olhinhos com esses cenários de sonho! Vamos ver as 10 fotos mais curtidas nas minhas redes sociais esse mês.
Escolha sua preferida e coloque aí nos comentários!
5 coisas para ver em Wroclaw

Nunca visitei uma cidade com tantos nomes diferentes: em polonês é Wrocław (com esse “l”cortado ao meio), em alemão é Breslau, em húngaro é Boroszló, em latim é Vratislavia e mais quantas variações se queira em diferentes idiomas. Isso acontece por causa de sua história: datada do ano 1000, a cidade pertenceu primeiro à Polônia (990 ao século XIV), depois ao Reino da Boêmia (hoje República Tcheca), depois à Áustria (1526 a 1741), mais tarde à Prússia (em 1871, o rei da Prússia fundou o Império Alemão, e a região passou a pertencer à Alemanha). Desde 1945, Wrocław é uma cidade polonesa.
Enquanto fazia parte da Alemanha, a cidade passou por um rápido desenvolvimento, passando de 90 mil para 500 mil habitantes em algumas décadas. A Universidade de Wrocław, fundada em 1702, teve 11 Prêmios Nobel entre seus professores e alunos, a maioria alemães. No final da Guerra, a cidade, totalmente destruída, tinha 190 mil alemães e 17 mil poloneses; os alemães foram todos deportados e a situação ficou bem tensa. Só depois da queda da União Soviética (e do Muro de Berlim) é que as relações ficaram mais tranquilas e a cidade se recuperou econômica e socialmente.
Hoje, Wrocław é conhecida como a Veneza da Polônia por causa de suas 12 ilhas fluviais e 130 pontes. E olha só que impressionante: dos 640 mil habitantes, 22% são estudantes universitários.
Essa jóia de belezura inesperada tem algumas curiosidades, olha que interessantes esses lugares!
1.Centro histórico (Rynek)
Essa é uma das maiores concentrações de prédios coloridos, históricos, de arquitetura diversa e bem conservados que já vi. Considerando que tudo foi destruído na guerra, o esforço de restauração é admirável. Acredito que tanto capricho tem a ver com o fato da cidade ter sido Capital Cultural da Europa no ano passado e daqui a 20 dias a cidade vai se tornar a sede dos Jogos Mundiais. Algumas ruas depois da principal praça, pode-se ver a quantidade de teatros, óperas e casas de concerto (contei 17!).
O que a dança-teatro pode ensinar aos inovadores

Quando entrei na universidade, nos idos de 1984 (meldelz, são mais de 30 anos!), tinha uma disciplina obrigatória chamada Prática Desportiva, com turmas separadas por gênero. No curso de Engenharia Elétrica a turma era de 50 nerds; eu era a única “nerda”. Não dava para formar nem uma dupla para jogar peteca; tentei me encaixar nas turmas de nutrição ou pedagogia, mas o problema é que para os horários disponíveis, só tinha futebol ou handebol. Minha estrutura óssea é pequena, de maneira que sempre me dei muito mal em jogos onde é necessária luta corporal de alto impacto pela posse da bola. Foi então que descobri que a universidade tinha um grupo de jazz, com aulas à noite, e o melhor, valendo créditos para a tal Prática Desportiva.
Como nunca dançamos ao som do trompete de Miles Davis, tenho para mim que esse nome tem algo a ver com o maravilhástico musical All That Jazz, sucesso alguns anos antes. Pelo menos a trilha sonora do filme era onipresente nos ensaios. Resumo: passei os cinco anos do curso dançando, mesmo quando os créditos não valiam mais.
Eis que em meados de setembro do ano passado, passando pela frente de uma escola de música aqui perto de casa, vi que havia vagas para dança e me inscrevi. Depois de um teste, comecei as aulas de dança-teatro, uma coisa que nunca tinha experimentado na vida. Alguns anos antes havia assistido o maravilhoso documentário do Wim Wenders sobre a coreógrafa que é a principal referência em dança-teatro no mundo, a alemã Pina Bausch, mas, na época, não liguei o nome à pessoa.
De cara, fui escalada para uma apresentação e já mergulhei de cabeça nos ensaios que estavam em andamento. Nas aulas de dança que havia frequentado até então, participar da apresentação começando os ensaios a menos de duas semanas do evento seria impossível. Mas na dança-teatro é. Porque é diferente. Porque tem tudo a ver com inovação, colaboração, repertório, criatividade e, principalmente, improviso.
Em todas as aulas que eu tinha feito no passado, a coreógrafa inventava os passos, movimentos, desenhos, tempos, e qual grupo fazia o quê em cada momento da música. A nós, bailarinos, só restava ensaiar e repetir exaustivamente os movimentos até que fossem automatizados de maneira que finalmente podíamos realmente dançar.
Na dança-teatro é completamente diferente: ninguém repete nada. A coreógrafa é a responsável pela mensagem a ser transmitida, pela música e pelos diferentes momentos da performance, mas não define passos nem movimentos. Isso fica por conta da criatividade e repertório do bailarino.
Tanto é que fiquei muitíssimo confusa às vésperas da apresentação porque a professora queria ver meu Ablauf. Não entendi lhufas; procurei um dicionário para ver se tinha alguma outra tradução que se encaixasse no contexto (Ablauf é decurso, evolução, expiração). Só depois é que, com a ajuda das colegas, descobri que cada bailarino deveria fazer desenhos mostrando sua posição em cada parte da música e as respectivas palavras-chave orientativas (tipo alegria, energia, crescimento, dor, etc), para facilitar a memorização e dar tudo certo no final. Gente, se isso não é co-criação em seu estado mais puro, então não sei o que é.
Outra coisa que aprendi é que, ao contrário das minhas aulas anteriores, onde eu deixava o cérebro em casa e passava o tempo relaxando e repetindo movimentos, nessas aulas sou obrigada a criar conexões neuronais em escala industrial.
O que acontece é que a gente recebe instruções desafiadoras o tempo todo; aliás, a palavra teatro como parte do nome não é à toa. Por exemplo: numa das tarefas, é preciso imaginar que há uma bola de fogo passeando pelo interior do meu corpo. E isso precisa ficar claro para quem está assistindo. Ou então tenho que contar uma história triste usando apenas as mãos durante toda a dança. Ou só os dedos dos pés. Ou os cotovelos. Ou usar uma lanterna para expressar sofrimento profundo. Ou tratar, durante a evolução de uma coreografia, dois pedaços de madeira como se fossem talismãs preciosos. Ou ainda, dançar completamente fora do compasso da música (isso foi realmente uma das coisas mais difíceis que experimentei); ou interagir com um espelho simulando um encontro interno; ou dançar com uma cabeça de isopor como se fosse uma pessoa importante na minha vida; ou travar uma batalha com mais duas bailarinas, aliando-me, ora à uma, ora à outra (a sincronização deve ser só pelo olhar, já que tudo é improviso); ou manipular um objeto imaginário, como uma pena, uma bola de luz ou um martelo pesado; ou, como na apresentação inicial, imaginar que você é uma chama que se junta aos colegas ao longo da música até formar uma fogueira. Tudo isso dançando. Em alemão. Estão acompanhando o nível do negócio? Olha, não é fácil não. Ainda mais que ninguém lá usa dorgas, até onde sei….rsrs
Outra coisa que me chamou atenção é que aqui a criatividade e a expressão são mais importantes que o rigor técnico; ou seja, em princípio, qualquer um pode praticar, independente de suas condições físicas ou experiência anterior (claro, não estou falando de um grupo profissional).
A dança-teatro, além me apresentar um novo e maravilhoso lado do mundo da dança que eu desconhecia completamente, ainda me mostrou como meu repertório corporal é pobre, limitado e pouco criativo. Eu me achava muito descolada e acreditava que ia tirar de letra cada tarefa dessas, mas depois dos primeiros 40 segundos, vejo que já gastei absolutamente tudo o que tinha pensado em termos de movimento e me vejo desesperada procurando ideias. Um repertório colecionado por cinco décadas dançando como se não houvesse amanhã na sala de casa parece que até dá para o gasto, mas é praticamente nada se a gente for testar de verdade. E sempre ainda tem mais uns dois ou três minutos de música para desenvolver e dar um jeito de inventar movimentos novos. Pensa. Ginástica mental nível hard.
A conclusão que chego é que dança-teatro deveria fazer parte de cursos de inovação como pré-requisito. Tem quebra de convenções, exercícios de criatividade, co-criação, colaboração, prototipagem, desenvolvimento de solução de problemas e ainda faz bem para o corpo e para a mente.
Fica a dica. É bom demais da conta!
NOTA 1: A experiência relatada é baseada apenas nesses meses de curso, nessa escola, com essa coreógrafa. Uma amiga que fez dança-teatro na Itália me contou que as coisas lá são um pouco diferentes. Não faço ideia de como é no Brasil.
NOTA 2: Quero agradecer especialmente à coreógrafa Hanne Franziska Bender, pela sua paciência e queridice. E à nossa luxuosa pianista Olga Pancenko, que tem que dar um jeito de escolher e tocar músicas que ajudem nos desafios…rs
NOTA 3: As fotos são todas do meu amor Conrado Seibel. Ele fez dois vídeos também; para quem tiver curiosidade de ver, é só clicar aqui e aqui.
Aula de bom humor

Acabei de voltar de uma palestra com o diretor de marketing da BVG, empresa responsável pelo transporte urbano de Berlim. Eu já admirava a companhia e a maneira como ela se posiciona no mercado, mas agora virei fã de carteirinha (na verdade, tenho o ticket anual que é uma carteirinha mesmo…rsrsrs).
Até eles desconhecem um case de empresa de transporte urbano que consegue ser tão lúdica, debochada e ainda rir (muito) de si mesmo e dos clientes o tempo todo.
Na palestra, ele mostrou a estratégia que há por trás, a promessa, a personalidade e a “inszenierung” (não sei como traduzir, pois encenação não fecha) da marca.
A promessa é o “weil wir dich lieben” ou “porque nós amamos você”, que também é o slogan. Eles debocham, brincam, mas prometem cuidar.
A personalidade é o “berliner Schnauze“, que ao pé da letra é o “focinho berlinense” que quer dizer o mau humor típico dos moradores.
A inszenierung é o “echt Berliner“, ou o verdadeiro berlinense, aquele que é tolerante com tudo, não está nem aí para a maneira que as pessoas se comportam ou se vestem.
Ele explicou também a importância das redes sociais para se aproximar do público (acompanhar o twitter deles discutindo com os clientes é puro entretenimento).
É claro que um posicionamento ousado e debochado no último pode causar, como ele mesmo diz, shitstorms, mas a empresa diz que faz parte e não está muito preocupada com isso. Até porque as pesquisas de percepção mostram o quanto a BVG é amada e admirada: 41% dos entrevistados acham que a imagem da empresa melhorou muito com esse posicionamento e 56% acham que ficou igual; apenas míseros 2% acham que as campanhas pioraram a imagem.
Eles têm uma equipe interna que cuida do marketing e uma agência de estratégia, além de outras agências de publicidade responsáveis pelas peças. Mas o controle e a responsabilidade de tudo é deles mesmos. Achei que quem ia apresentar tanta ousadia seria um rapaz de 30 e poucos anos, mas o responsável por toda a brincadeira é meu contemporâneo (seguramente está nas cinco décadas de vida).
Só para lembrar do que estou falando, esse vídeo alcançou 1.6 milhões de views. Pensa: é o vídeo institucional de uma empresa de transporte urbano!!! Consegue imaginar?
[Uma breve explicação para quem não entendeu o vídeo: o cantor de rap que representa o fiscal de tickets, já que aqui não existem catracas, repete sempre “es mir egal” que quer dizer “para mim tanto faz” com as cenas mais bizarras. Eventualmente ele canta “es mir nicht egal” quando encontra alguém sem ticket, que, para a BVG, é a única coisa que realmente importa. Mais a cara de Berlim, impossível!]
NOTA: Assisti em primeira mão o próximo vídeo que será lançado em breve. É uma produção em parceria com a Deutsche Oper e está sensacional, com cantores de ópera reclamando da empresa dentro do metrô. Não lembro exatamente do mote, mas é algo como “ohne Drama keine Liebe” ou “sem drama não há amor”…. Muito bom!!! Hahahahaha….
OUTRA CURIOSIDADE: várias campanhas publicitárias nascem de alguém que postou alguma foto engraçada no Instagram usando a Hashtag da empresa e fazendo algum comentário espirituoso. Eles compram os direitos da foto e reproduzem com atores e fotógrafo profissional. Olha que sacada!!!!
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