Fanáticos

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Imagine a seguinte cena (totalmente fictícia, claro): uma câmera filma o Lula negociando preços em um esquema de tráfico de criancinhas para transplante de órgãos. Depois ele aparece assinando um papel (com firma reconhecida depois em cartório) definindo a comissão para os receptadores. Logo em seguida, confirma tudo numa conversa gravada.

Sabe o que os fãs mais aguerridos diriam ao saber da notícia? “Não há provas suficientes”, “É tudo coisa da mídia golpista”, “A quem interessa a divulgação disso?”, “Com tanto bandido por aí, porque estão concentrados somente nele?”. Negariam a realidade até o limite do impossível e, confrontados com a inconsistência dos argumentos, atacariam finalmente com um “Mas o FHC também fazia”. E por aí vai.

E você pensa que isso só acontece com o Lula? Não se engane; troque o personagem principal do primeiro parágrafo pelo próprio FHC ou por Bolsonaro, Lady Gaga, Sérgio Moro, Chico Buarque, Ivete Sangalo, Claudia Leite, Sílvio Santos, Papa Francisco, Beyoncé, quem você quiser, e a reação de alguns fãs será muito parecida.

Isso acontece porque, apesar de muitos já terem se esquecido, fã é um aportuguesamento de fan, que por sua vez é uma redução de fanático. Fanáticos não primam pelo raciocínio lógico. Fanáticos apenas idolatram; escolhem alguém e santificam aquela pessoa como se ela não fosse humana. São devotos de gente comum. O que é muito triste, pois só mostra o quanto fanáticos precisam de amor e atenção.

Ainda bem que a maioria das pessoas, quando se diz fã de alguém, na verdade não está dizendo que é fanático; apenas que admira algum aspecto daquela pessoa. Penso que essa é a chave: a gente pode admirar apenas uma parte e continuar conservando o senso crítico, uma vez que somos todos falíveis. Sou fã (na verdade, admiradora) do trabalho do Chico Buarque. Também sou apreciadora do Philip Stark, adoro as peças que ele projeta. Gosto demais dos livros do Harumi Murakami. Mas se qualquer um desses que citei cometer um crime, não dá para passar a mão na cabeça; a lei tem que valer para todos. Absolutamente todos. Sem dizer que eles falam e fazem bobagem como todo mundo e a gente não precisa concordar. Normal.

Há extremistas demais no mundo: fanáticos religiosos, fanáticos políticos, fanáticos artísticos, fanáticos empresariais, fanáticos ideológicos. A idolatria desumaniza o outro, gera expectativas sobre-humanas.

Minha proposta: vamos ser menos fanáticos e mais apreciadores, admiradores, incentivadores? Vamos admitir que aquele guru iluminado que parece até ser de outro planeta é tão poeira de estrelas quanto qualquer um de nós? Que líderes também fazem besteira e têm que responder por seus atos? Que pessoas famosas, no final das contas, são apenas seres humanos?

Vamos?