A voz na sua cabeça

Graças ao Moacyr Monteiro, esse livro chegou às minhas mãos; foi ele quem leu, gostou e me indicou. Só posso dizer: adorei! Muito obrigada, Moacyr! Você tinha toda razão!

Chatter: The voice in Our Head (and How to Harness It)” (tradução livre: “Falatório: a voz na nossa cabeça e como aproveitar isso”), de Ethan Kross fala sobre aquela voz que fica na nossa cabeça tagarelando o tempo todo quando a gente quer se concentrar e fazer uma meditação, por exemplo.

O autor é um neurocientista e psicólogo experimental e estuda a ciência da introspecção no laboratório de Emoção e Autocontrole da Universidade de Michigan. Ele estuda as conversas silenciosas que temos conosco e como elas influenciam na nossa vida.

A introspecção, numa explicação mais básica, consiste em ativamente prestar atenção aos nossos sentimentos e pensamentos. Essa habilidade nos permite imaginar, lembrar, refletir e usar esses devaneios para resolver problemas, inovar e criar. 

A questão é que estudos recentes indicam que quando a gente sente angústia, mergulhar na introspecção faz mais mal do que bem. A gente não consegue nem dormir e nem trabalhar direito; pode até adoecer e envelhecer mais rápido. A nossa voz interior não para de tagarelar enfatizando pensamentos e emoções negativas. A gente fica rolando na cama, repetindo diálogos mentalmente, sofrendo na agonia de não conseguir calar essa voz que nos atormenta.

O que a gente ouve muito é que a gente tem que se concentrar no presente. Sim, o problema é que o nosso cérebro não foi construído para isso; essa tarefa, de focar no presente, exige um imenso esforço. Estudos encontraram evidências que nosso cérebro gasta entre um terço e metade do tempo que a gente passa acordado NÃO vivendo no presente. Incrível, né?

A gente passa o tempo todo se “desacoplando” do presente, sendo transportados para o passado, para cenários imaginados ou meditando internamente. Esse estado é, inclusive, o nosso default, que é a tendência de ficar nele se não estivermos ativamente concentrados em algo, o que é bem frequente.

E sabe o que é mais incrível? Que esse monólogo interno, esse devaneio, tem um ritmo equivalente a 4 mil palavras por minuto se estivesse falando em voz alta. Só para ter uma ideia, um discurso formal de um presidente, por exemplo, anda numa velocidade de 6 mil palavras por hora! Isso quer dizer que, se considerarmos que metade do tempo estaremos devaneando, teoricamente é como se a gente fizesse 320 discursos por dia. Já pensou a exaustão? Não é à toa que a gente fica extenuado com esse turbilhão na cabeça.

Nossa mente é uma ávida viajante no tempo e ela pula do passado para um futuro imaginado num instante, sem a gente nem perceber.

A pergunta é: por quê? A seleção natural preserva as habilidades que trazem vantagens para a nossa sobrevivência. Se esse falatório na nossa cabeça não fosse útil, já teríamos nos livrado dele há milhares de anos.

APRENDENDO O AUTOCONTROLE

E tem outra coisa importante: nosso desenvolvimento verbal anda de mãos dadas com nosso desenvolvimento emocional. Os bebês falam alto consigo mesmos para adquirir autocontrole. O crescimento e desenvolvimento neuronal está diretamente associado com a capacidade que a gente tem de fazer uma autocrítica ou se auto treinar em situações de crise. Com o tempo, a gente vai internalizando isso. 

Pesquisadores descobriram que crianças oriundas de famílias com boa comunicação, conseguem desenvolver seu “monólogo interior” mais rapidamente, e, consequentemente, seu autocontrole (algumas crianças usam amigos imaginários para esse fim).

Outra coisa interessante é que nossos sonhos têm muitas similaridades com os pensamentos verbais espontâneos que temos quando estamos acordados.

Pesquisadores descobriram também que a gente tende a falar mais com outras pessoas sobre nossas experiências negativas; e quanto mais intensas as emoções, mais a gente quer falar. Isso vale para homens e mulheres de qualquer lugar do planeta, idade, ou nível de escolaridade. A única exceção é quando a pessoa sente vergonha ou fica traumatizada. E isso reflete o nosso monólogo interno; quanto pior, mais a gente fica remoendo e relembrando. 

Não é por acaso que as redes sociais estimulam esse desabafo; eles geram engajamento. Observe que a tela de entrada do Facebook tem a pergunta: “O que você está pensando?”

Dizer o que vai dentro de nossa mente pode gerar empatia e nos conectar com as pessoas.

Por outro lado, pode sobrecarregar os outros que também estão dando conta de suas próprias vozes interiores. 

O desabafo sem a censura interna pode gerar o efeito oposto também, principalmente na internet. 

Cyberbulling, trolagem, agressões gratuitas, como a gente vê tanto. Vozes interiores desabando perdidas, loucas por atenção e buscando desesperadamente uma válvula de escape.

MOSCAS NA PAREDE

Kross explica que, tratando-se de vozes interiores, há dois tipos de abordagens: a imersão e a mosca na parede

Os imersivos tendem a ver tudo em primeira pessoa  e são bastante emocionais; sentem-se vitimizados, traídos, humilhados, abandonados com raiva. 

Os distantes são como moscas na parede; eles conseguem se desprender e olhar a situação de fora, sob várias perspectivas e pontos de vista diferentes. Conseguem pensar de maneira mais clara e ver os eventos como alguém que observa. A parte ruim é que os distantes são menos emocionais em situações positivas, o que não deixa de ser uma espécie de perda.

O bom é que, conscientes disso, podemos treinar nossas vozes interiores para controlar as abordagens de maneira que nos favoreça mais.

Outra dica útil: treinar um ponto de vista externo, como se você estivesse explicando sua vida para outra pessoa. Ou outra pessoa falando coisas e fazendo análises para você, chamando você pelo seu nome — ou falando sobre você em terceira pessoa. Tudo dentro da sua cabeça, claro. Se necessário, pode verbalizar também. Tipo: “Você vai conseguir, Ligia. Veja as coisas que você já fez antes”. 

Pode ajudar muito a mudança de perspectiva e conseguir ver as coisas com mais clareza.

A INTERNET

No final das contas, conversar com outras pessoas não é tão diferente assim do que conversar com a gente mesmo; pode nos fazer sentir melhor ou pior. A questão é que a internet potencializou a possibilidade das nossas conversas internas tornarem-se públicas. 

Se a gente conseguir ter algum distanciamento e enxergar o quadro mais amplo, em vez de simplesmente replicar o processo de sofrimento repetidas vezes, os resultados podem ser melhores.

O EFEITO PLACEBO

Kross conta várias histórias para ilustrar o poder do efeito placebo, que consiste na pessoa acreditar tanto que algo funciona, que, de fato, acaba mesmo funcionando. A auto-sugestão é muito poderosa e a nossa voz interna pode usar toda essa potência a nosso favor.

AS FERRAMENTAS

Mas o autor não se limita a descrever o problema; ele nos dá uma caixa de ferramentas bem completinha para a gente aprender a lidar com essa matraca que não para quieta dentro da nossa cabeça. Ele separa essas ferramentas em 3 grupos:

  • As que a gente pode implementar sozinhos (12)
  • As que envolvem outras pessoas (11)
  • As que envolvem o ambiente (3)

É muita ferramenta para descrever aqui (26 no total), então não tem nem como eu apresentá-las aqui. Por isso, recomendo demais que você leia essa obra toda (que nem é extensa, pode ir com calma).

Se quiser comprar o livro, o título em português é  “A voz na sua cabeça: Como reduzir o ruído mental e transformar nosso crítico interno em maior aliado” e é só clicar aqui.

1 Response

Leave A Reply

* All fields are required