Quem me conhece, sabe: não resisto a uma capa linda!
Pois visitando uma lojinha especializada em Comic Books (Modern Graphics, em Kreuzberg) encontrei essa maravilhosidade que é a biografia ilustrada da artista japonesa Yayoi Kusama, da ilustradora italiana Elisa Macelllari. A obra se chama “Kusama, eine Graphic Novel“.
A autora conta que ficou fascinada pela artista quando viu uma retrospectiva do trabalho dela em Madrid, em 2011. Desde então tem pesquisado a vida de Kusama, até que, em setembro desse ano, publicou o livro.
A primeira vez que me lembro de ter visto uma obra dessa artista foi em Minas Gerais, no maravilhoso Museu Inhotim. Na época ainda não conhecia a artista e não sabia que aquela instalação cheia de bolas espelhadas boiando num espelho d’água eram a reprodução de uma obra que ela fez para a 33o Bienal de Veneza.
Fiquei sabendo pelo livro que a moça, que não tinha sido convidada, instalou 1.500 bolas espelhadas num dos parques da cidade. O título, muito apropriado, era “O jardim de Narciso” e os visitantes podiam comprar as bolinhas e levá-las para casa, se quisessem. Por causa de tanta ousadia, a artista foi expulsa da Bienal.
Mas vamos ao início; Yayoi Kusama nasceu em 1929, no Japão. Desde criança ela sofria de alucinações e gostava de desenhar. Mas sua mãe, aparentemente uma pessoa atormentada, repetia sempre que mulheres não podiam ser pintoras; isso era coisa de homem e só eles poderiam fazê-lo.
Uma vez, durante uma briga entre seus pais, a mãe pediu para a menina seguir o pai, pois estava desconfiada de uma traição. A menina foi atrás e viu, através de uma fresta, o pai transando com outra mulher. Ela ficou tão traumatizada que custou para contar para a mãe; esta, revoltada, rasgou e jogou fora todos os desenhos da menina.
Mesmo assim, Kusama continuou a desenhar escondida e conseguiu até fazer a faculdade de artes enquanto se tratava dos distúrbios mentais que continuavam a acompanhá-la. Seu psiquiatra, reconhecendo a sua genialidade, aconselhou-a a sair do Japão e procurar lugares onde teria mais liberdade para trabalhar. Se ela continuasse sendo constrangida e limitada nas suas criações, poderia ter uma crise e não resistir.
A moça começou a pesquisar lugares para onde poderia ir, até que achou um livro da ilustradora americana Georgia O’Keefe (outra maravilhosa!). Yayoi ficou encantada; como assim, existia uma mulher pintora que até publicava livros? Então isso era realmente possível?
A jovem conseguiu na Embaixada o endereço da artista americana (que estava isolada no Novo México desde sua viuvez) e lhe escreveu, enviando algumas amostras de trabalhos.
Georgia gostou do que viu e enviou os trabalhos a alguns galeristas amigos.
Contra a vontade de sua família, que declarou que ela não precisava mais voltar se fosse embora, Kusama emigrou para New York com 60 kimonos e 200 pinturas na mala, para vender e sobreviver aos primeiros tempos.
Depois de um início dificílimo (sem dinheiro, sem amigos e cheia de problemas mentais), a artista foi finalmente reconhecida. Nos anos 1960 e 1970 virou celebridade; promoveu performances polêmicas com pessoas nuas em bacanais pintadas com bolinhas ou com roupas exóticas (ela continuou a ter problemas com a sexualidade desde o evento com o pai) e até chegou a ser presa. Como seu estado mental piorou, foi aconselhada por seu psiquiatra a retornar ao Japão depois de quase 20 anos morando fora.
Tudo tinha mudado e ela já não podia contar com os pais. Em 1977, cinco anos depois do retorno, ela finalmente decidiu se internar numa clínica para tratamento, pois já não estava mais dando conta de sua vida.
Uma década depois, em 1987, um museu de arte japonês decidiu fazer uma retrospectiva de sua obra. Foi o maior sucesso e acabou funcionando como um renascimento. As retrospectivas começaram a bombar em vários lugares do mundo, inclusive New York. Em 1993 Kusama foi finalmente convidada a participar da Bienal de Veneza.
Esse ano, por coincidência, visitei o Museu Louisiana, na Dinamarca, e havia uma obra dela lá chamada Infinit Room (veja as fotos a seguir).
Essa artista sui generis, que sempre questionou o sentido da vida e da morte, do amor, do medo e da mente, usando símbolos gráficos simples, como bolinhas, finalmente ganhou seu próprio museu em Tokio, em 2017.
Está na minha lista para um dia visitá-lo.
Recomendo colocar na sua também!
NOTA: Em abril de 2021, pouco após de ter escrito essa resenha, foi inaugurada em Berlim uma exposição retrospectiva da obra da artista. O que posso dizer? Embriagante, lisérgica, psicodélica. Demais! Seguem algumas fotos.
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