Comprei a graphic novel “Mies van der Rohe: ein visionärer Architekt”, do ilustrador espanhol Augustín Ferrer Casas, na loja do museu da Bauhaus, em Weimar. Foi em 2021, quando estava reunindo material para montar um curso de História do Design para a PUC do Rio Grande do Sul; então não tinha como não levar!
A biografia ficcional do lendário arquiteto é primorosa; desenhos belíssimos, capa dura, edição pra lá de caprichada — impossível resistir.
A história começa com ele em uma viagem de avião entre os Estados Unidos e a Alemanha; ele está indo inaugurar a Neue National Galerie, em Berlin, meses antes da sua morte, em 1968. Esse museu é um dos mais interessantes da cidade e foi reinaugurado justamente em 2021, depois de anos em reforma. No final eu conto uma curiosidade, mas vamos seguir a história.
As lembranças que ele vai narrando para o neto, que o acompanha na viagem, não são lineares; ele pula de um tema para outro. Mies parece ser um típico macho alfa: oportunista, machista, orgulhoso e arrogante. Mas ele realmente fez história na arquitetura, e uma autoestima bem construída permitiu que ele ousasse e testasse suas ideias sem medo, revolucionando os conceitos até então usados.
Mies era filho de um marmoreiro baseado em Aachen, mas aos vinte e poucos anos foi tentar a vida em Berlin, e trabalhou com grandes nomes como Peter Behrens, Bruno Paul e Walter Gropius.
Sua ambição era tamanha que ele inventou um sobrenome que julgava ser mais nobre do que o que herdou da família; e aqui vai uma curiosidade: o nome dele de nascimento é Maria Ludwig Michael Mies (engraçado ter nome de mulher, né?). Ele pegou apenas o Mies e inventou um “van der Rohe” porque naquela época o sujeito já entendia muito de branding.
Excelente no networking, o moço seduziu Ada Bruhn, que estava noiva na época, porque ela era a melhor amiga da esposa de um cliente e vinha de família rica. Casou-se e teve filhos com ela, mas não deixou de continuar se divertindo com as mulheres que encontrava, abandonando, inclusive, uma grávida.
Finalmente a esposa se cansou e se separou; ele, livre, continuou seus projetos. Parecia ter um gênio difícil, mas seu trabalho foi sendo cada vez mais admirado e respeitado. O livro fala da participação dele em projetos famosos, como o de Peter Behrens para a Fábrica de turbinas da AEG; eu nunca consegui entrar no prédio, mas trabalhei anos a uma quadra dele, no bairro de Moabit, aqui em Berlin. É tão bacana a gente ver a história de perto!
Mies foi convidado para ser diretor da Bahaus e moveu a escola de Dessau para Berlin, onde ficou por apenas um ano, pois foi na época em que o bigodinho tomou o poder e resolveu implicar com tudo o que não era “clássico” na opinião dele. E a Bahaus definitivamente quebrou padrões estéticos e ideológicos, de maneira que não havia muita perspectiva de uma escola assim na Germania idealizada pelos nazistas.
Mies não era comunista e também não apoiava o nazismo; na verdade, ele era um político apartidário, o típico “sabonete”, que vai se movendo de um lado para o outro conforme seus interesses. A escola era vista como muito revolucionária para a época e teve que fechar suas portas. Quem tiver mais interesse em conhecer a história dessa instituição com mais detalhes, recomendo demais esse romance aqui.
Aparentemente Mies continuaria seu trabalho como arquiteto se o governo encomendasse projetos para ele, mas como seu estilo não era muito apreciado (muito minimalista e moderno), resolveu emigrar para os Estados Unidos, abandonando sua então namorada e parceira de trabalho, Lilly Reich, em Berlim.
Lá ele foi diretor da escola de arquitetura do Instituto de tecnologia de Chicago e fez projetos residenciais, públicos e comerciais por todos os Estados Unidos. Ele realmente revolucionou a história da arquitetura com seu estilo “esqueleto e pele”, como ele mesmo dizia, em que o esqueleto do prédio era de concreto e o vidro, sua pele. “Menos é mais”, seu mantra, é conhecido por todos os estudantes de design e arquitetura até hoje.
Sobre a Neue National Galerie, de Berlin, a curiosidade que eu tinha prometido: originalmente o prédio foi concebido em 1956 para a empresa de destilados Bacardi, com sede em Cuba. Mas essas coisas demoram e acabou que, em 1960, com a revolução cubana, o projeto teve que ser abandonado. Justamente nesse ano, Mies recebeu o convite para construir esse museu; pois o arquiteto não teve dúvida; reaproveitou tudo!
A obra foi inaugurada em 1967, meses antes da morte desse homem polêmico. Há que se separar o autor da obra; sim, o sujeito era um gênio, mas confesso que fiquei com um pouco de ranço…rs
Infelizmente não existe ainda tradução para o português dessa obra impecável; apesar do original ser em espanhol, só encontrei a versão em alemão na Amazon do Brasil. Clique aqui para comprar.
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