Identidade líquida

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Tenho me dedicado, nos últimos anos, a estudar o tema identidade corporativa com profundidade. Meu método para a gestão da identidade já foi aplicado em 23 empresas com bastante sucesso. Por motivos óbvios, o assunto me é muito caro e tento ler tudo o que se publica a respeito e debatê-lo.

Ultimamente, seja por e-mails, comentários ou palestras, tenho sido confrontada com o trabalho de um sociólogo polonês muito respeitado e conhecido, Zygmund Bauman. Ele é autor de uma série de livros e trabalhos sobre a modernidade e cunhou o conceito de liquidez nas atuais relações. São dele os títulos Amor Líquido, Modernidade Líquida, Medo Líquido e até, vejam só, Identidade Líquida.

O termo “líquido” que ele utiliza tão frequentemente como adjetivo, refere-se à inconstância dos conceitos no mundo contemporâneo. Os fluidos, como se sabe, não possuem forma. Eles se adaptam ao recipiente e mudam a todo instante. As constantes transformações da vida social não são mais uma escolha, mas um fato. Tudo é mutante, inconstante, transitório, ou, como prefere Bauman, líquido. Mas a pergunta que sempre me fazem é, se a identidade também é líquida, está em constante mutação, então o meu método de definição é completamente furado, uma vez que não dá para definir a gelatina que é a identidade de uma empresa.

Lembro que logo que o livro “Identidade” foi lançado no Brasil, em 2005, fui correndo comprá-lo e confesso que a leitura foi bastante tensa. Será que eu estava fazendo tudo errado? Terminei volume aliviada, olha só porquê.

Bauman não diferencia os atributos essenciais (aqueles que definem a essência e permanecem relativamente constantes ao longo da vida) dos atributos acidentais (aqueles que mudam constantemente ao longo do tempo – ajudam a descrever a empresa ou indivíduo num determinado momento, mas não são a essência). Essa classificação dos atributos não é minha, mas de Sócrates, o pai da filosofia.

Metaforicamente, poderíamos dizer que os atributos essenciais são a alma da empresa, e, os acidentais, seu corpo (que vive mudando).

Bauman considera, por exemplo, a nacionalidade de um indivíduo, sua religião, condição social ou participação política como descritores da sua identidade. Em meu método, jamais descreveria a identidade de uma empresa ou de um profissional nesses termos. Do ponto de vista da gestão, mais relevante que a nacionalidade de uma empresa são seus atributos psicológicos e comportamentais. Assim, em vez de dizer que uma empresa é alemã, prefiro descrevê-la como perfeccionista, formal e racional (se for realmente esse o caso). Esses atributos farão parte de sua identidade independentemente do país em que ela atuar.

Esse brilhante filósofo contemporâneo discute, inclusive, sua situação pessoal, de um polonês naturalizado inglês, para demonstrar a fluidez e inconstância de sua própria identidade. É claro que ele tem razão. Mas se, em vez de indicadores sociais, buscássemos a essência do autor, suas referências poderiam ser mais estáveis. Quer um exemplo? Quer tenha nascido na Índia, no Brasil ou no Paquistão, quer tenha dado a volta ao mundo ou nunca saído de sua vila, quer fale cinco línguas ou apenas uma, Bauman deve ter sido curioso e questionador desde pequenininho. Provavelmente será um velhinho curioso e questionador também, uma vez que esses atributos devem fazer parte da sua essência, pois, de outra forma não conseguiria ter desenvolvido um trabalho tão grandioso. Os rótulos sociais (gênero, religião, nacionalidade, partido político, etc) têm se liquefeito cada vez mais, porém, o que define como eles serão trabalhados em cada indivíduo são os atributos essenciais de cada um, seu DNA psicológico.

Concordo com absolutamente tudo que Zygmunt Bauman defende, desde que feita a ressalva de que ele está tratando apenas dos atributos acidentais da identidade. Quando trato da gestão nesse contexto, uso uma abordagem diferente da dele, referenciada na filosofia clássica (que ele não rebate, apenas não cita, uma vez que está preocupado com outras questões).

O mundo está cada vez mais líquido sim, mas cada indivíduo, com seus atributos essenciais, é que faz seu próprio copinho…

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

6 Responses

  1. 27 abril 2009 at 8:45 pm

    Olá Ligia,
    Tudo bem?
    É sempre um prazer imenso entrar no seu blog, ainda mais por ter a oportunidade de ler o texto “Identidade Líquida” e posteriormente ter pesquisado mais sobre a obra e a vida de Zygmund Bauman.
    Para uma pessoa, que como eu, busca compreender a “Transitoriedade” das coisas, o autor foi um prato cheio.
    Grande abraço e obrigado,
    Antonio Rossa

  2. 29 abril 2009 at 9:00 pm

    Hum, mas Lígia, olha só que paradoxo interessante então.

    Que a pós-modernidade tornou a vida social completamente fluída se sabe, e isso já foi bastante teorizado e estudado. A tendência (se dá pra chamar disso) é a desconexão e desapego às coisas, a troca e a fluidez de gostos, maneiras e certas identidades.

    O paradoxo está na constante idéia das empresas e profissinais de comunicação em querer tornar todos fiéis. Fidelidade, em um mundo pós-moderno, não significa nada, apego à uma só condição não condiz com as mudanças (rápidas) do mundo atual.

    Como alguém pode querer, à força da comunicação, fidelizar alguém? Ainda mais alarmando isso aos quatro cantos isso, quando o pós-moderno na verdade gosta de contrariar (sabendo que está sendo fidelizado, vai querer se desfidelizar).

    Será que vamos nos tornar mais, ou menos, fiéis às coisas ao nosso redor?

    Ótimo assunto, como sempre.
    Beijos.

  3. 30 abril 2009 at 10:43 am

    Oi, Thiago!

    Bem observado, isso é um paradoxo mesmo. E a solução está bem dentro, na essência. Eu acho…

  4. 30 abril 2009 at 12:58 pm

    Parece-me que será um mundo baseado na transparência. Quem não conseguir comunicar tal transparência ficará gradativamente mais distante das coisas, do jogo. Enfim, algo me diz que quanto mais opções tivermos, mais crescerá nossa necessidade de ser fiel a certas coisas, a questão será a durabilidade de tal fidelidade. Abs, Antonio

  5. 4 maio 2009 at 10:17 am

    Oi Lígia… artigo interessante, mas esse assunto sempre renderá muitos comentários!!

    Paradoxos… Luiz Fernando Veríssimo escreveu: se você quis fracassar e conseguiu, descobriu o que é um paradoxo.

    Bueno, o processo todo não poderia ser: instigar o consumidor visualmente, através da forma e da comunicação, surpreendê-lo através da qualidade e fidelizá-lo com uma comunicação baseada na transparência?

    Como dizia meu professor Soares, vivemos num mundo de “e’s” não de ou’s”. É isto e aquilo! Não isto ou aquilo.
    Absss

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