Shopping de ideias

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Uma das coisas que mais gostava quando fazia software para robôs era estudar os processos de fabricação. Em cada projeto tinha que aprender coisas diferentes, compreender como os objetos eram construídos. Ajudei a automatizar máquinas para produzir bandas de rodagem para pneus de avião, cortadores de vidros para automóveis, prensas, alimentadores de tornos de comando numérico, perfuradoras de perfis de alumínio, aplicadores de cola em tubos de imagem; enfim, um mundo inteiro de descobertas e surpresas. Achei que nunca mais iria ter um trabalho tão desafiador. Ledo engano.

Como palestrante, a história se repete de um jeito diferente, mas não menos interessante. Novamente preciso estudar cada cliente e entender de que maneira as coisas que aprendi podem contribuir para melhorar seus processos e a atitude dos seus colaboradores.

Uma das palestras que fiz essa semana foi para lojistas de um shopping; conversamos sobre como as empresas e as pessoas precisam se adaptar às mudanças que vêm acontecendo e sobre como é possível fazer da interação com os clientes uma experiência memorável.

Foi na fase de preparação que me dei conta das diferenças enormes que existem entre um shopping no Brasil e num shopping em Berlim (talvez a análise possa se estender pela Europa, mas não me atrevo a generalizar).

Os shoppings, na cidade onde moro, são apenas centros de compras. Não são tão luxuosos, nem tão grandes, nem tão atraentes. As pessoas claramente preferem adquirir coisas em lojas de rua, mesmo no inverno rigoroso. No verão, os parques e lagos são o principal local de lazer; também se vai a museus, shows ao ar livre e uma mesinha na calçada de um café é uma alternativa de valor. Não passa pela cabeça de ninguém entrar num shopping apenas para perambular pelos corredores (nem mesmo para ir ao cinema, já que boa parte deles sequer conta com esse item). A impressão que tenho é que a maioria dos frequentadores é turista.

No Brasil, ao contrário, os shoppings têm um papel importantíssimo nas cidades. Não raro é a principal fonte de lazer e um local seguro para encontrar amigos, mesmo numa ilha cheia de praias, como Florianópolis, num dia lindo de verão.

Antes da minha fala, a equipe de marketing fez uma apresentação para prestar contas e descobri que uma das métricas de sucesso do empreendimento é o número de vagas ocupadas no estacionamento, o que me deixou um pouco chocada (não tenho certeza se todos os shoppings em Berlin contam com essa conveniência).

Se por um lado essa análise é um pouco assustadora, por outro é uma oportunidade enorme para os empreendedores, uma vez que evidentemente é muito mais difícil e desafiador ser lojista em Berlim. Os shoppings brasileiros possuem uma influência enorme na vida das pessoas, são um espaço importantíssimo de relacionamento; então por que não fazer dessa situação privilegiada uma oportunidade de fazer a vida na cidade melhor?

Claro que não vou discutir aqui a necessidade do governo em criar e administrar adequadamente espaços públicos de lazer; esse é um tema para longas e calorosas discussões. A questão da inclusão social é igualmente complexa e não é meu objetivo discuti-la aqui. Fui contratada para compartilhar minhas experiências com lojistas; então vou focar nesse ponto onde tenho acesso.

Shopping Centers são um modelo comercial em decadência no país onde nasceram, os Estados Unidos. Desde 2006 não são construídos lá esses centros comerciais fechados tão em voga em terras tupiniquins; na terra do tio Sam, inclusive, o abandono e fechamento desses prédios tem sido rotina, tanto devido à crise, como por excesso de oferta e aumento do e-commerce.

No Brasil, há que se prestar atenção nessa tendência para não reproduzir o modelo (e o desastre) americano.

Penso que cada vez mais a solução se desenha na direção da transformação desses espaços em centros de lazer e entretenimento onde as pessoas possam trocar a interação das redes sociais por calor humano real. Mais do que isso, os administradores e lojistas ganham muito em conhecer e aplicar os conceitos do marketing 3.0 (saiba mais aqui).

Espaços tão importantes devem assumir seu protagonismo com projetos que façam a cidade, o bairro, a rua, lugares melhores para se viver. Grafite, arte de rua, exposições, palestras, shows, cursos, debates, programas de incentivo e formação profissional, eventos esportivos, culturais e literários, enfim, projetos que tragam valor real para a comunidade e desenvolvam um vínculo emocional com o empreendimento são algumas ideias a ser exploradas. Ousaria dizer que um trabalho focado em design de serviços pode trazer resultados bem surpreendentes também.

Iniciativas que contribuam para desenvolvimento das pessoas e não sejam unicamente focadas no consumo podem não apenas beneficiar a comunidade; podem ser o único caminho para a salvação desse modelo de negócio.

6 Responses

  1. 27 julho 2014 at 8:43 pm

    Esclarecedor seu artigo, Lígia.
    Eu sempre gostei muito de shoppings centers. Talvez por ter vivido o seu surgimento no Brasil. E não sabia (não tinha me dado conta de) que havia essa tendência de esvaziamento do modelo. Fico com pena de cidades como a minha Rio do Sul, que, talvez nunca tenha um shopping center. O modelo de comércio nasceu, cresceu e morreu sem chegar à minha cidade natal.
    Triste isso.

  2. 27 julho 2014 at 9:09 pm

    Querida Lígia

    Visão global (ou ao menos polarizada) faz muita diferença. Teu artigo tem muito haver com urbanismo e nisso eu tenho aprendido um pouco com a Suelen.
    Na semana que vem estarei em São Paulo nos mesmos dias que você. Se der para tomar um cafezinho contigo vou ficar muito feliz!

    um abraço, parabéns pelo artigo
    Cristiano Chaussard

  3. 27 julho 2014 at 9:48 pm

    O assunto de diferenças culturais, os hábitos das pessoas e como isso reflete nos produtos ou serviços rende vários cafezinhos.

    Como fotógrafo, lembrei na hora de duas fontes quando você menciona shoppings fechados e abandonados. Um é um post do buzzfeed sobre fotos deles nos EUA e outro é um grupo no facebook sobre “Entusiastas de Shoppings Abandonados”… sim existe um grupo assim e que nos faz refletir sobre a quantidade de shoppings abandonados para que haja um grupo deste tipo.

    http://www.buzzfeed.com/mjs538/completely-surreal-pictures-of-americas-abandoned-malls
    https://www.facebook.com/groups/DeadMallEnthusiasts/

  4. Fran Silva
    Responder
    27 julho 2014 at 10:00 pm

    Muito interessante a comparação Lígia. A distinta visão de como um mesmo espaço tem uma função e importância cultural e social, se adequando ao perfil da população e do pais. Bem legal! 🙂

  5. Marie lima
    Responder
    28 julho 2014 at 4:17 am

    Ahhh… E, para completar toda sua fala, eu diria que; cada vez mais o consumidor do Brasil vai ao shopping para se sentir incluso. Pena… (:
    Não havia prestado atenção no pq.
    As vezes, eu saia de dentro dos shoppings com a sensação que havia perdido o dia. Aliás, se mata o dia dentro dos shoppings aí no Brasil. Sim, tudo que vc falou, procede.
    Muito legal seu artigo Lígia.

  6. 28 julho 2014 at 4:58 pm

    Estive conversando sobre isso recentemente! Acredito que uma das razões mais importantes para o sucesso dos shoppings no Brasil seja, infelizmente, a segurança que proporcionam ao usuário.

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