Todo dia

Quando encontrei num mercado de pulgas “Letztendlich sind wir dem Universum egal” (tradução livre: “No final das contas, não estamos nem aí para o universo“), de David Levithan, fiquei imediatamente atraída pela capa. Era um monte de rostos diferentes, parecida com o conceito do meu livro “Atitude Profissional“. Fiquei olhando para a encadernação de capa dura em dúvida, mas o que me levou a trazer as 400 páginas para casa foi o resumo. Era a história de uma pessoa que, desde o nascimento, acordava cada dia em um corpo diferente.
Isso mesmo: A, como o protagonista se autodenomina, acorda todo dia num corpo emprestado. Ele (vamos chamá-lo assim em referência ao personagem, mas, na verdade, A não tem gênero, uma vez que não tem um corpo para chamar de seu) consegue acessar as memórias da pessoa hospedeira para as atividades básicas, mas como só tem 24 horas, não pode se aprofundar muito.
No começo, achou que isso era normal e todas as pessoas eram assim. Só lá pelos sete anos de idade é que se deu conta de que os outros permaneciam a vida toda no mesmo corpo. A história se passa em plena adolescência (sim, é um romance adolescente, gênero que está longe de ser meu preferido mesmo quando eu tinha essa idade, mas vá lá), quando ele tem 16 anos. Um dia acorda no corpo de um rapaz atleta; no outro, de uma menina com depressão; no outro, tem que se esforçar para não usar drogas, pois está no corpo de um viciado. As possibilidades de explorar o personagem são infinitas. Acho mesmo que o autor poderia ter explorado mais ainda, mas a obra já ficou de bom tamanho.
A questão é que o livro é exatamente sobre empatia, sobre literalmente se colocar no lugar do outro e entender. O capítulo sobre a menina com depressão é especialmente interessante. A é uma pessoa muito bacana; ele tem consciência de que está num corpo emprestado, então se esforça ao máximo para não causar impactos negativos durante sua estada. Assim, ele tenta manter a rotina na medida do possível, na maioria dos casos, indo à escola, que é o que as pessoas nessa idade fazem.
Mas tudo muda quando ele passa um dia no corpo de um rapaz e se apaixona pela namorada dele. Aparentemente, A circula num universo geográfico limitado dentro nos Estados Unidos. Ele consegue explicar para a menina a situação e tenta vê-la sempre que possível; só que, claro, cada vez ele está num corpo diferente. Num dia ele é uma garota deslumbrante, que vive em função da aparência. No outro, é um rapaz obeso. No outro ainda, é uma imigrante ilegal cuja vida se resume a limpar quartos e banheiros. No outro, é um rapaz gay que tem um namorado.
Ele acaba mudando a rotina de alguns de seus hospedeiros de maneira que nunca imaginou, só para conseguir se encontrar com seu amor. Nessa obra, as definições de amor impossível foram totalmente atualizadas!
Li avidamente para saber o desfecho que o autor daria para o caso. Não foi tão inesperado, mas achei bem poético.
Recomendo a leitura para todo mundo, principalmente adolescentes.
NOTA: não sei se saiu em português, mas o título do original em inglês é “Every Day” (Todo dia).
A tal da caixa

Com certeza você já ouviu a famosa expressão “tem que pensar fora da caixa”. Virou quase uma lei, né? Quem não pensa fora da caixa, não consegue ser criativo e nem inovador. Pois, é, só que essa é a maior balela dos últimos tempos.
Com a ajuda do Drew Boyd e do Jacob Goldenberg, autores do ótimo “Inside the Box: a proven system of creativity for breakthrough results” (tradução livre: “Dentro da Caixa: um sistema comprovado de criatividade para resultados revolucionários”), vou explicar por quê.
Primeiro vamos descobrir de onde surgiu essa história de caixa. Segundo os autores, tudo começou com um estudo sobre criatividade liderado pelo prof. J.P. Guilford, baseado no jogo dos nove pontos. Você já deve conhecer, mas lá vai: o desafio é unir os 9 pontos usando apenas quatro linhas e sem tirar o lápis do papel. As pessoas tendem a achar que a solução tem que estar dentro do quadrado imaginário onde estão inseridos os pontos, e a solução (são várias, aliás) está justamente em “sair desse quadrado”.
O estudo descobriu que 80% dos participantes não conseguiam achar uma saída porque ficavam presos no limite imaginário. A equipe que fez o estudo, não hesitou em criar essa espécie de “lei” que dizia que, para ser criativo, era preciso pensar “fora da caixa”.
Foi aí que os gurus da criatividade começaram a usar a expressão (apesar do início ter sido nos anos 70, dá para dizer que a ideia “viralizou”). Todos iam repetindo o mantra até que pesquisadores resolveram tirar a história a limpo e fazer outro experimento usando o mesmo jogo dos nove pontos. Para o primeiro grupo, o teste foi apresentado exatamente da mesma maneira usada pelo prof. Guilford. Para o segundo grupo, foi dito que a solução estava em pensar fora do quadrado imaginário, ou seja, deram a dica que quase matava a charada.
Conclusão? No primeiro grupo, como esperado, apenas 20 % dos participantes resolveram o problema. A surpresa foi no segundo grupo: somente decepcionantes 25% conseguiram achar o caminho.
Ou seja, repetir o mantra “tenho que pensar fora da caixa” ou mesmo tentar “pensar fora da caixa” não faz diferença nenhuma. É que a caixa somos nós, não há como sair dela. A caixa é o nosso repertório, nosso conjunto de conhecimentos e experiências.
A solução não está em sair da caixa, mas ampliá-la, fazê-la mais rica, equipá-la com mais ferramentas. E o melhor, conectá-la a outras caixas, formando uma rede.
Os autores defendem que se é mais criativo quando se explora mais o mundo familiar. E vão além; eles desenvolveram um método e aplicaram em várias empresas pelo mundo.
Essa ideia de pensar dentro da caixa vem de um outro livro chamado “The Closed World” (o mundo fechado), publicado em 2000 por Roni Horowitz. Esse autor defende que se há uma solução para um problema, ela será mais criativa se usar elementos do “mundo fechado” do problema. O que está perfeitamente sintonizado com o conceito usado em design thinking, onde a solução e o problema estão dentro do mesmo espaço; basta identificar quem é quem (saiba mais aqui).
E faz sentido; a pesquisadora de inteligência artificial, Dra. Margaret Boden, afirma que “as restrições, ao contrário de se opor à criatividade, fazem a criatividade possível”. Tirar todas as restrições tira a capacidade criativa (eu já tinha escrito sobre isso aqui há dez anos, veja!).
Outro mito derrubado no livro é sobre o brainstorming; depois de virar moda e ser usado até em escolas secundárias (o conceito nasceu em 1953 pelas mãos do publicitário Alex Osborn, em sua agência de propaganda), estudos demonstraram que o método não traz vantagens em relação à geração individual de propostas; além disso, as ideias geradas com o auxílio desse método são menos numerosas e de baixa qualidade se comparadas com o trabalho individual ou em grupos reduzidos.
Mas voltando ao método desenvolvido pelos pesquisadores, eles criaram cinco técnicas bem interessantes dentro do que chamam de Template para a Criatividade:
1. Subtração: consiste em retirar um componente essencial do produto ou conceito e identificar quem veria valor no resultado. Como exemplos, eles citam o amaciante, que foi criado num execício onde se tirava o elemento essencial do sabão, responsável pela limpeza da roupa. Ou a IKEA, onde a montagem dos móveis (item essencial na maioria das lojas) também foi retirado. Ou o Walkman da Sony, que não tinha a função de gravar. Ou os terminais eletrônicos dos bancos, que retiraram os caixas humanos do processo de atendimento. Eles não falam no livro, mas o que é o Uber senão uma empresa de transporte sem veículos? E o AirBnb?
2. Divisão: consiste em dividir o objeto ou processo em múltiplas partes e rearranjá-las de uma maneira diferente e nova. Como exemplos, eles citam as autoridades de trânsito na Ucrânia que dividiram em partes as funções do carro estacionado e chegaram à conclusão que, se o motorista parasse em local proibido, bastava isolar uma das partes (no caso, a placa do carro), levando-a para uma central. A placa (e a função total) só seria restabelecida com o pagamento da multa. Ou o condicionador de ar tipo split, cujo compressor foi isolado e instalado em local onde incomodasse menos. Ou o telefone celular pré-pago, em que a pessoa paga antes de usar (ao contrário dos métodos anteriores).
3. Multiplicação: consiste em multiplicar algum componente do processo ou função, mesmo que aparentemente de uma maneira desnecessária. É a técnica que leva a multiplicar o número de rodas de uma bicicleta temporariamente enquanto alguém está aprendendo; ou aquelas subtelas de vídeos que permitem a uma pessoa zapear outros canais e ver um programa ao mesmo tempo na TV, por exemplo.
4. Unificação de tarefas: consiste em reunir dois ou mais elementos diferentes de processos ou objetos fazendo com que a combinação tenha uma nova função. Como exemplo, maquiagem que agrega filtro solar, publicidade móvel em veículos ou telefones celulares com função de geolocalização.
5. Dependência de atributos: consiste em relacionar dois ou mais elementos de produtos ou processos inovadores que aparentemente não têm relação entre si. Por exemplo, limpadores de parabrisas que mudam de velocidade de acordo com a quantidade de chuva, aplicativos que provêm informações sobre restaurantes e lojas quando o usuário se aproxima de uma região; ou seja, uma função depende da informação da outra. O aplicativo depende da geolocalização; o limpador de parabrisas depende do sensor de chuva.
Cada técnica é detalhada com muitos exemplos reais. De minha parte, achei bem útil o exercício de desmontar um processo ou produto em elementos e depois fazer combinações diversas. Já deu para ver que a prática rende muita coisa interessante. Quem sabe não é seu caso?
De resto, só me resta convidar: vem pra caixa você também….rs
NOTA: Só fiquei sabendo desse livro graças ao excelente artigo “Não existe nada fora da caixa: o segredo da co-criação” do sempre enriquecedor Maurício Manhães, que também me indicou a bibliografia. Obrigada, amigo!
top 10 de outubro: outono berlinense com pitadas de Belo Horizonte

Não acompanhei todo o espetáculo do outono em Berlim, mas foi por uma causa nobre; passei duas semanas trabalhando em Belo Horizonte, enchendo a cara de delícias e alimentando os olhos também.
Vamos passear? Escolha aí sua preferida e conte pra gente!
Continue reading “top 10 de outubro: outono berlinense com pitadas de Belo Horizonte”
O cachorro de Nureyev

Um livro doce, delicado, sensível, achado por acaso num mercado de pulgas. Tem coisa melhor?
“Nurejews Hund oder Was Sensucht vermag” (Tradução livre: “O cachorro de Nureyev ou do que a saudade é capaz”), de Eleke Heidenreich ilustrado maravilhosamente por Michael Sowa, é uma fábula das mais belas.
Na história, o bailarino russo Rudolf Nureyev está em New York participando de uma festa na casa do escritor Truman Capote. Rudolf bebe muito e passa a noite na poltrona da sala; então repara na presença de um cachorro deselegante, olhos lacrimejantes, pernas curtas e patas grossas, pelagem que vai do branco sujo ao bege passando por um cinza desbotado, que observa o mundo de seu canto. No café da manhã, pergunta ao anfitrião o nome do cachorro. Truman responde que tal criatura não lhe pertence, certamente algum convidado o esqueceu.
Nureyev então decide adotar o cão, chamando-o de Oblomov. Os dois ficaram juntos durante mais de oito anos, até a morte do bailarino. O cão acompanhava seu tutor em todas as aulas e ensaios de balé, conhecia todas as coreografias.
Uma amiga de Nureyev, também bailarina, que fica com o cachorro após a morte dele, flagra o cão ensaiando desajeitadamente passos de balé durante uma madrugada. E a cena se repete algumas vezes.
Toda a poesia da dança, a sensibilidade do animal, as relações entre a feiúra e a beleza, entre a deselegância e a elegância, entre a dança e a vida são apresentadas de maneira bela, profunda, tocante.
Na vida real, de fato Nureyev teve um cachorro. Mas era uma fêmea de Rottweiller chamada Solaria, com quem ele ficou apenas um ano (logo em seguida, faleceu); Solaria foi adotada por uma amiga querida.
De qualquer forma, a fábula é muito linda. Parece um livro infantil, mas serve para todas as idades. Recomendo muitíssimo!
top 10 de setembro: belas surpresas

Esse mês tem paisagens, panorâmicas, sol, chuva, arco-íris e muita cor! É fotografia para todos os gostos. Vem
Arte urbana em todos os lugares

Uma das coisas que mais amo em Berlim é a quantidade de arte urbana que tem nas ruas. É muito painel bonito, muito grafite sensacional. Já publiquei aqui várias fotos de obras organizadas/patrocinadas por um coletivo chamado Urban Nation. A sede deles fica numa rua chamada Bulowstraße e agora, depois de anos de trabalho árduo, conseguiram construir o primeiro museu de arte urbana de Berlim.
Deixei a muvuca do final de semana, quando houve a inauguração e preferi ir ontem, quando as coisas já estavam mais calmas. O prédio de esquina, que já mudou de fachada tantas vezes, passou por uma reforma e agora está com cara de galeria de arte.
A entrada do museu é gratuita e, olha, que belíssimo trabalho esse pessoal fez! A arquitetura do interior é clean e valoriza as obras, mas o que mais me chamou atenção foi o capricho da curadoria; só tem maravilhosidades! Eles realmente escolheram a dedo as obras dos 150 artistas que estão lá. Mais admiração e orgulho ainda quando se sabe que tem um casal brasileiro na equipe: a Marina Bortoluzzi e o Marcelo Seewald Pimentel, idealizadores do Instagrafite, a maior comunidade de grafite no Instagram (vale a pena visitar o site também, é cheio de lindezas instigantes).
O mais bacana é que o museu não se limita ao seu espaço interno, mas ele realmente é coerente com a proposta de promover a street art: aos poucos, a Bulowstraße, rua na qual está instalado, vai ficando mais e mais colorida e interessante. Toda vez que passo por lá tem trabalhos novos e obras sensacionais. E eles, como Organização Não Governamental muito bem estruturada, conseguem trazer artistas do mundo inteiro para fazer intervenções em tudo quanto é canto dessa cidade. Se você for no site da Urban Nation, vai ver que tem até um mapa da cidade com o endereço dos principais murais. Não é demais?
De fato, um povo que está fazendo diferença para transformar o mundo num lugar melhor para se viver. Sou fã.
Mas vamos dar um passeio rápido para ver o que tem de bom?
NOTA: o autor da obra que aparece na imagem inicial é o artista português Vhils.
Em que você acredita?

Se alguém me perguntasse qual é a maior invenção da história da humanidade, eu diria que é o método científico.
Deixa esclarecer direito como o negócio funciona: você tem uma ideia para explicar algum fenômeno ou acontecimento. Aí você bola um experimento que corrobore essa sua ideia. Você faz o experimento, recolhe e analisa os resultados e então conclui se esses resultados ajudam ou não a fundamentar sua ideia (que no método científico chamamos de teoria). O próximo passo é submeter o artigo a estudiosos do tema e publicá-lo em algum veículo científico credenciado.
Observe que o experimento precisa ser reproduzível por outros pesquisadores, por isso precisa ser documentado segundo regras específicas. Só assim é possível chegar aos mesmos resultados e fundamentar os argumentos para defender a teoria.
Note que o método científico não prova nada, ele apenas fortalece a confirmação de uma teoria. Se você é dessas pessoas que adora usar a expressão “cientificamente comprovado”, reveja essa prática. O método científico não produz provas, apenas evidências de que aquela teoria procede. A única área da ciência que consegue produzir provas definitivas e absolutas (ou seja, o resultado previsto acontecerá com certeza em 100% dos casos) é a matemática. Todo o resto aponta para a validação de uma teoria, mas não é tecnicamente uma prova.
É perfeito? Não. Ainda tem muitos erros e estudos tendenciosos? Sim. Pode melhorar? Definitivamente sim. Mas, até agora, a meu ver, é o que mais ajuda a gente a separar ciência de crença; estudos e conclusões sérias de achismos; debates fundamentados de debates facebookianos.
Por que estou falando isso? Porque, apesar das evidências, há muitas pessoas que acreditam que a mudança climática nada tem a ver com a ação humana. Vamos então analisar isso do ponto de vista do método científico.
Segundo a cientista americana especializada em atmosfera Katharine Hayhoe, 97.1% dos estudos científicos publicados em revistas especializadas corroboram a teoria de que o ser humano tem alguma responsabilidade sobre as mudanças climáticas que vêm ocorrendo no planeta e que essas mudanças tendem a ser cada vez mais drásticas. E apenas 2.9% dos artigos advoga o contrário, seja defendendo que as mudanças não são tão danosas, seja afirmando que elas aconteceriam independente da presença e atuação do ser humano.
Pois bem, alguns cientistas resolveram então replicar os experimentos apresentados nesses 38 artigos contrários e… supresa! Nenhum conseguiu reproduzir os resultados apresentados. Todos continham algum tipo de erro ou imprecisão que invalidavam as conclusões (o artigo e a análise completa estão nesse link).
Ainda assim, há quem duvide que a ação humana tenha algo a ver com as mudanças climáticas.
Essas pessoas têm todo o direito de acreditar no que quiserem: que vacina provoca autismo, que a terra é plana, que o homem não foi à Lua, enfim, qualquer coisa.
Isso acontece porque crença, ao contrário do método científico, não exige nada: nem provas, muito menos estudos, experimentos ou mesmo análises. Para uma crença existir, só uma condição se faz necessária: que alguém acredite nela.
Aí, cada um escolhe acreditar no que quiser. Eu escolho acreditar no método científico.
Festa para os olhos

Coisa mais linda quando uma empresa sabe exatamente o significado do conceito de marketing: entregar valor e estabelecer relacionamentos duradouros. Pois a Olympus é um exemplo claro de quem sabe o que está fazendo.
Com certeza a empresa tem um belíssimo orçamento para o cumprimento dessa missão, ainda mais se considerarmos a ameaça dos telefones celulares como substitutos das câmeras fotográficas tradicionais, principalmente para fotógrafos amadores. A empresa atua em outros segmentos, como biomedicina, mas o carro-chefe ainda são as câmeras.
Pois bem, em vez de investir um caminhão de dinheiro para uma celebridade dizer, sem convencer ninguém, que só usa essa câmera, eles fizeram muito, mas muito melhor: contrataram artistas contemporâneos para criar instalações interativas impactantes, e, principalmente, fotogênicas. A exposição, gratuita, já percorreu várias cidades da Europa e está vindo pela segunda vez a Berlim (não fiquei sabendo da primeira, que foi em 2014). A cada temporada, os artistas e as instalações mudam, mas é sempre para deixar todo mundo de boca aberta.
A maioria das obras é projetada para que a pessoa tire muitos selfies (até eu, que não sou muito chegada, tirei vários, como você vai ver nas fotos). Mas o mais bacana, sensacional e genial, sabe o que é? Você entra e eles logo perguntam se você trouxe sua própria Olympus ou quer experimentar uma. Pode escolher uma câmera profissional ou uma mais simples (escolhi a simples, claro, pois não sei fotografar). O moço me deu as orientações básicas e logo guardei meu telefone, amigo de todas as horas.
É claro que, se eles estão querendo que as pessoas tenham a melhor impressão possível da câmera, não vão oferecer um fusquinha. Os modelos disponíveis eram os lançamentos mais recentes (depois fui olhar; eles me emprestaram uma câmera de € 2 mil) e você recebia o equipamento com a memória limpa e bateria carregada por quanto tempo quisesse ficar lá dentro.
A festa para os olhos era um deslumbre! Pena que tinha muito efeito de luz, difícil para uma leiga como eu fotografar. Mesmo assim, deu para se divertir bastante!
No final, veja se tem como não amar, você tem direito de imprimir três fotos em formato 13×18 cm e ainda leva o chip de memória para casa. Isso sem falar nos eventos paralelos: workshops, palestras e performances, tudo isso durante 20 dias.
Vou continuar tirando fotos com meu telefone (sou muito desajeitada com máquina), mas virei fã incondicional da Olympus, viu?
Para quem está em Berlim, a exposição fica até dia 23 de setembro e o site para se registrar e pegar o ticket online é esse: Olympus Perspective Playground.
top 10 de agosto: Berlim com uma pitada de Kassel

O mês de agosto foi muito bacana! Além dos dias lindos e verdíssimos (apesar de muita chuva também), tive a oportunidade de passar dois dias visitando a documenta de Kassel, cidade que vai dar o tempero desse mês com uma foto.
Prepare aí seus olhinhos para a comida boa!
Não podemos esperar mil anos!

Imagine que aparece uma agência de viagens oferecendo férias muito diferentes: três semanas no futuro mil anos à frente. Quem oferece o recurso é o pessoal do futuro, claro, pois eles querem estudar história e conversar com os “fósseis” de mil anos atrás.
Um sujeito do nosso tempo vai todo empolgado, chega naquele cenário de filme de ficção científica com pessoas voando em patinetes entre edifícios espelhados. Mas já nos primeiro minutos, vai preso (ou algo equivalente a isso no futuro).
Em uma sala fria e com poucos móveis, um robô chamado Chron conversa com o sr. Saconava, o personagem em questão; um homem perfeitamente comum, desses que a gente vê aos montes pelas ruas. Presente está também uma moça incrivelmente linda aos olhos do tal homem.
O robô então informa ao nervoso turista o que está acontecendo. A moça o está acusando de tê-la bolinado, comportamento inadmissível nessa sociedade.
O homem vai ficando cada vez mais nervoso, até que é colocado numa espécie de aparelho onde ele se acalma e é impelido a falar a verdade. No começo, ele conta que foi atravessar a rua, não viu que a moça vinha de patinete e simplesmente esbarrou nela, causando uma queda corriqueira e sem nenhuma gravidade. Mas, sob influência da máquina, o sujeito admite: achou a garota tão linda que provocou a queda. Na confusão, aproveitou a oportunidade para passar a mão nela.
Conforme ele vai contando, a cena aparece numa espécie de vídeo em câmera lenta, com direito a zoom na mão nada boba. Agora, sim, a versão dele bate com a da moça.
O sr. Saconava não tem mais como negar o assédio, mas continua indignado e cheio de razão. Isso tudo é uma bobagem, não é motivo nenhum para ser preso. Onde já se viu? Ele é um turista, tem que ser bem tratado! Nem aconteceu nada sério! Vocês do futuro não têm mais o que fazer não?
Chron, o robô, se pudesse suspirar, o faria. Ele não pode perder de vista que há mil anos a cultura era muito diferente e as pessoas eram muito primitivas. Resolve a questão enviando o homem para a colônia de férias dos turistas do passado pelas três semanas contratadas.
O lugar foi projetado para ser um museu interativo de história, mas aos poucos foi a solução encontrada para retirar esses indivíduos do convívio civilizado, onde apresentavam riscos à população. O museu, ou melhor, a colônia, tem praias azul turquesa, coquetéis coloridos e bem decorados e as tais “loiras” que o homem tanto queria.
Ao final das férias, quando os amigos perguntam sobre a experiência, ele reclama que os pãezinhos no café da manhã nunca eram frescos.
Apesar da bizarrice da história, dá para reconhecer perfeitamente os personagens e suas reações, né? Inclusive um retrato muito bem acabado de boa parte dos turistas que a gente encontra rodando o mundo.
E se eu disser que esse relato é o resumo do primeiro conto do livro “Die große Reserve: Phantastische Geschichten aus einer utopischen Zeit”, de Wolfgang Kellner, publicado em 1981 na DDR (Deutsche Demokratische Republik, a antiga Alemanha Oriental)?
Vivemos num mundo com pessoas civilizadas sim, mas a maioria esmagadora dos homens, infelizmente, ainda é perfeitamente representada pelo sr. Saconava.
Por sorte vivo num país onde uma mulher pode entrar de biquíni no metrô que nenhum homem vai levantar os olhos (se alguém olhar de verdade, pode apostar que é um turista, provavelmente latino ou russo). Aqui você consegue passar por uma obra de construção civil sem ouvir nenhuma gracinha ou ter a sensação de ser devorada com os olhos, seja lá o que estiver usando para cobrir (ou descobrir) o corpo. Inclusive, você pode tirar toda a roupa num parque e tomar sol sem ser importunada.
Sim, a vida civilizada e o respeito pelas mulheres não é ficção científica; existe e é perfeitamente possível.
E não, senhores Saconava, definitivamente não estamos dispostas a esperar mil anos por isso.
****
NOTA: É por isso que não consigo deixar de ler livros de papel; achei essa preciosidade € 1 no mercado de pulgas. O livro é lindo, tem capa dura e ilustrações!
Comentários