O mergulho

Eis que trago aqui um livrinho elegante e bem resumido que tem insights bem legais. Nada de novo em se tratando do Seth Godin no seu “The dip: A little book that teaches you when to quit (and when to stick)” (tradução livre: “O mergulho: um pequeno livro que ensina você quando desistir (e quando persistir)”).

Todo mundo tem momentos em que pensa em desistir de tudo e largar mão de alguma coisa que está muito mais complicada do que a gente pensou quando se meteu nela. Mas, geralmente para leitores desse tipo de literatura (a de negócios), desistir não é uma opção.

Godin cita Vince Lombardi, um guru inspiracional, que prega “Desistentes nunca vencem e vencedores nunca desistem”. Como diz o autor, esse é um péssimo conselho. Vencedores desistem o tempo todo. A questão é saber a hora certa de desistir; e do quê.

Continue reading “O mergulho”

A mulher do tigre

Quanta surpresa num livro de bolso desgastado e cheio de orelhas! Achei essa joia num sebo por €1 e me chamou atenção porque dizia que ganhou um prêmio de ficção em 2011 no Reino Unido. Lá fui eu mergulhar nas páginas do “The tiger’s wife”, de Téa Obreht. 

A autora nasceu na Sérvia em 1985 e fugiu com a mãe e avós durante a guerra, em 1990. Eles se refugiaram no Chipre, depois no Egito e, em 1997, os avós retornaram a Belgrado. Mas ela e a mãe decidiram viver nos EUA, onde estão até hoje. 

Continue reading “A mulher do tigre”

Quando a outra também é você

Uma das coisas que acho mais luxuosas em Berlim é ter uma livraria inteira especializada só em ficção científica. Pois foi lá que encontrei esse tesouro: “The Echo Wife” (deixei no original porque a tradução seria algo como  “a esposa eco”, o que não faz muito sentido), da genial Sarah Gailey.

Eu não conhecia ainda essa já premiada autora, e “The Echo Wife” é sua obra mais recente, publicada no ano passado.

Tudo começa com Evelyn Caldwell, uma brilhante geneticista, ganhando o maior prêmio de sua área por conta de suas pesquisas com clones. Ela recém se separou do marido e, apesar de feliz com o reconhecimento, está com o coração aos pedaços. 

Continue reading “Quando a outra também é você”

O avesso da pele

A gente sabe que ser negro neste mundo não é uma tarefa para amadores. Mas no Brasil, as coisas, que nunca foram fáceis, têm piorado muito nos anos recentes. Além da matança institucionalizada pela própria polícia quando invade comunidades e mata até crianças pequenas, como aconteceu no ano passado, tem também os “cidadãos de bem” atuando de forma proativa para o extermínio. 

Há alguns dias o congolês de apenas 24 anos, Moïse Kabagambe, foi espancado até a morte por ter reclamado do não pagamento do seu salário no kioske de praia onde trabalhou, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. A barbárie aconteceu em plena luz do dia. Os suspeitos presos dizem que estão de consciência tranquila, pois não tiveram a intenção de matar (imagina se tivessem). 

Poucos dias depois, num condomínio em São Gonçalo, no mesmo Rio de Janeiro, Durval Teófilo Filho, 38 anos, foi assassinado a tiros por seu próprio vizinho ao ser confundido com um assaltante (tinha esquecido a chave e esperava a mulher abrir o portão para que ele pudesse entrar). 

Adivinha a cor dos dois?

São dois casos que tomaram as páginas dos jornais, mas é certo que há muitos outros que passam batido e a gente nem fica sabendo.

Pois foi nesse clima que devorei o excelente “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, que conta a história da família de um rapaz negro no final da adolescência, logo que começa a cursar a faculdade de arquitetura, o Pedro.

Continue reading “O avesso da pele”

Cientificamente comprovado

Ok, exceto uma pessoa que tenha participado de um projeto de pesquisa ou tenha um título acadêmico de mestrado ou doutorado, ninguém é obrigado a saber. Então vamos lá:

O termo “cientificamente comprovado” é uma aberração. Se alguém taca esse palavreado numa frase, pode significar uma dessas três coisas:

1) A pessoa não tem ideia do que está falando

2) A pessoa quer enganar você

3) Ambas as anteriores.

Ué, mas como assim?

Continue reading “Cientificamente comprovado”

Ansiedade doxástica

Tem um perfil no Instagram que eu adoro, apesar de segui-lo com um certo desconforto. 

É de um professor de história da arte chamado Tio Virso. O moço tem um conhecimento admirável, mas não é só isso: ele trata a arte no seu sentido mais amplo. Eu resumiria (não sei se corretamente) a visão dele como sendo arte toda manifestação de uma ideia, sentimento ou emoção humana. O resultado é que ele não apenas fala da história da arte branca europeia tradicional, como todo mundo conhece, mas também de outros continentes e perspectivas culturais. 

Continue reading “Ansiedade doxástica”

O verdadeiro motivo

Achei o livro “Payoff: The Hidden Logic That Shapes Our Motivations” (tradução livre: “Recompensa: a lógica escondida que molda nossas motivações”) de Dan Ariely nos usados da Amazon e confesso que meu interesse inicial foi por causa da informação de que o volume era ilustrado (pensando aqui em fazer algo assim no meu próximo livro). 

Sou fã do Dan Ariely há muito tempo e até já conhecia parte do conteúdo por conta de outros livros que li dele como Positivamente Irracional. Mas Payoff é de uma coleção inspirada em palestras do TED que aprofunda um pouco mais o falado na apresentação. E o tema da vez é motivação, principalmente no trabalho (prestem atenção, gestores!).

Dan começa falando sobre a definição de motivação:

Continue reading “O verdadeiro motivo”

Tudo é rio

Gosto de contar como os livros vieram parar nas minhas mãos porque, para mim, livro é um objeto sagrado. Um portal para outras dimensões que me fazem viajar no tempo e no espaço. 

Depois que comecei a seguir o Clube do Livro de Muenster no Instagram (a Valéria Jansen tem um grupo no WhatsApp) comecei a me inteirar mais do que está rolando na literatura brasileira. Pois no clube só se fala na Carla Madeira, e “Tudo é rio” foi eleito um dos melhores do ano pelas leitoras. Curiosa, comprei, claro. O outro romance dela, “A natureza da mordida”, está na pilha da minha cabeceira.

Mas aí me lembrei que em meados de 2017, uma amiga minha, a Lia Krücken, tinha um apartamento que alugava pelo AirBnb aqui em Berlim. Um dia ela estava viajando e me pediu para receber uma hóspede que estava chegando. Juntando os pontinhos, descobri que era ninguém menos que a Carla Madeira em pessoa. Obviamente ela não se lembra de mim, mas eu a guardei na lembrança porque no rápido small talk que tivemos, ela me contou que era de Belo Horizonte (minha cidade do coração) e sócia da agência Lápis Raro, onde minha amiga Cris Guerra já trabalhou. Bom, o mundo dá voltas e eu aqui agora babando pela obra da moça. “Tudo é rio” foi lançado em 2014 e eu, na minha ignorância do que rolava na cena editorial brasileira, perdi de ganhar um autógrafo. Fica pra próxima, né?

Mas vamos à história: começa contando a trajetória de Lucy, uma filha única muito amada (e mimada) que perdeu os pais ainda criança, indo viver com uma tia e as primas. Acostumada a ser o centro das atenções, teve dificuldades em se adaptar. A tia também não conseguiu amar aquela criança difícil como gostaria, e a predileção pelas primas nunca foi disfarçada. 

Na adolescência, Lucy descobriu que tinha um imenso poder sobre os homens; autocentrada no último grau, divertia-se com a ideia de poder ser o centro de tudo novamente e acabou se tornando prostituta. Um pouco da história dela me lembra Hilda Furacão e Dona Beja, não por acaso, também mineiras.

Logo em seguida, a gente fica conhecendo Dalva e sua tão numerosa quanto amorosa família e seu namoro com Venâncio. A mãe de Dalva, Aurora, é a personagem mais sábia e admirável da história, que não economiza em mulheres marcantes, generosas e inteligentes.

Dalva e Venâncio, cada um com seu passado, vivem um amor pleno e lindo. Mas Venâncio tem um ciúmes doentio da moça, o que estraga completamente a relação deles. 

Eis que Lucy entra na história, não da maneira esperada, mas ela, com seu jeito vulgar, sua arrogância e egoísmo, acaba ajudando os dois sem querer. 

Olha, fazia tempo que eu não lia um romance que justificasse o nome; uma história de amor daquelas antigas, sabe? E muito, mas muito bem contada. 

Também virei fã da Carla. Recomendo muito, mas muito mesmo.

***

Se quiser comprar o livro na Amazon brasileira, clique aqui.

Montar e partir

Se tem uma coisa que eu morro de medo é ganhar livro de presente para resenhar, principalmente se conheço pessoalmente o autor. É que quem me acompanha aqui sabe que não sou exatamente gentil nas minhas resenhas; eu realmente entrego tudo o que não gosto na obra e faço crítica bem duras.

Mas quando o Ricardo Lugris me deu o “Montar e Partir” para resenhar, fiquei tranquila. Em parte porque já tinha lido o outro livro dele (do qual tive a oportunidade de desenhar o mapa do encarte) e em parte porque alguns dos textos publicados aqui eu já conhecia dos relatos de viagens que acompanho há anos.

Contextualizando: aprendi a pilotar motos aos 39 anos de idade (viu, você ainda pode!) para poder viajar mais tranquilamente com meu marido em nossas incursões pela América do Sul. 

Continue reading “Montar e partir”