O tal do feedback

Sabe quando a gente está numa sala de aula e se dá conta de que está aprendendo uma coisa importantíssima, tanto que já devia ter nascido sabendo essa coisa? Comigo aconteceu em uma aula de cálculo numérico. Lembro de ter pensado com os botões da minha calculadora: “nossa, por que é que não ensinaram isso para a gente no segundo grau? A minha vida teria sido tão mais fácil…”.

A outra epifania dessas digna de lembrança foi numa aula sobre feedback do curso de pós-graduação em marketing. Eu me peguei pensando: “por que é que eles não ensinam o tema no pré-primário? Como é que pude viver até hoje sem saber isso?”. Então, caso alguém tenha vivido até hoje sem isso, lá vai.

Feedback tem uma tradução para o português, mas é horrível. Eu e a maioria das pessoas que têm um mínimo de senso estético se recusa a usá-la (é retroalimentação, argh!). Em engenharia, feedback é a resposta que o controlador recebe como resultado de uma ação. Baseado nessa resposta, ele reajusta a ação e examina novamente o feedback. O sistema vai se adaptando aos poucos até chegar ao objetivo desejado. Simples assim, só que eu nunca tinha pensado que esse jeito de proceder também poderia funcionar em relações humanas. Sem feedbacks, a gente nunca sabe como está indo.

Feedback trata de como a gente conta para a outra pessoa o que está achando sobre as ações dela. Note uma coisa importantíssima: feedback nunca é sobre a pessoa, é sempre sobre o que ela faz. Pode parecer bobagem, mas esse detalhe faz toda a diferença.

Se você disser para uma amiga que ela é antipática, não há nada que ela possa fazer a respeito. Mas se você disser que a fofa está tomando algumas atitudes que podem fazê-la parecer antipática, aí tem conserto. É só ela repensar a readequar algumas dessas tais atitudes, sacou? Você contribui sem xingar, sem ofender, de uma maneira objetiva e eficiente. Vai no âmago da questão. E pensar que tem muito casamento bom que acaba só porque os noivos não tiveram a oportunidade de fazer uma pós-graduação em marketing. Afinal, o que um reles mortal pode fazer quando alguém resolve que sabe mais sobre ele que ele próprio? Contra verdades definitivas, não há defesa.

Já o feedback é diferente. Você pode criticar o relatório que o fulano fez, mas não o fulano. Pode dizer que o juiz roubou, mas não que ele é um ladrão. Pode reclamar que seu marido está enchendo a sua paciência, mas não que ele é um chato. A diferença é sutil, mas vital. A gente pode mudar as nossas ações, mas não a nossa essência. É a diferença fundamental entre ser e fazer.

Na aula, a gente aprendeu também algumas técnicas para dar um feedback ruim sem machucar demais a pessoa que deu a bola fora. A mais conhecida é chamada “sanduíche” e funciona assim: primeiro você elogia (sinceramente) os pontos positivos da pessoa. Então, chega a hora de dar a martelada (delicada, porém firme). Para fechar, mais elogios. É mais uma versão do “arranha e assopra”, mas que funciona muito bem. E deu. Não precisa ficar se arrastando e se repetindo indefinidamente.

Mais do que dar feedbacks, a gente devia mesmo é aprender a recebê-los. Como a nossa cultura é cheia de colocar panos quentes nas coisas, a maioria das pessoas não está preparada para receber críticas. Elas sempre interpretam como um ataque pessoal e desperdiçam uma maravilhosa oportunidade de crescer por causa do choque. Antes dessa aula, eu também fazia exatamente assim: ao menor sinal de crítica, me armava toda. Buscava, desesperadamente, explicar porque tinha feito assim e não assado. Ora, enquanto a sua cabeça fica rodando que nem uma louca procurando desculpas e se justificando, você não escuta o que está sendo dito. Fica literalmente surda, não aproveita nada mesmo. Então, ao receber um feedback, feche a boca e preste bem atenção em tudo. Só depois filtre e assimile o que lhe convier.

Ah, mas cuidado. Sabe aquela sua amiga que vive dando opiniões que você não pediu sobre a sua pele (está oleosa demais), a sua saia (não ficou legal porque você engordou), seu sapato (não está mais se usando)? Atenção: isso não é feedback. Ataques de sinceridade incontrolável que não contribuem para o crescimento de ninguém, só servem para torpedear a auto-estima da vítima. Ignore.

E olha só que informação importante: feedback é o presente mais precioso que um amigo pode dar. Afinal, é muito mais fácil sair por aí falando mal de você para os outros do que chamá-lo para um café e se arriscar a perder a amizade, não é?

Ainda bem que tive a oportunidade de assistir aquela iluminada aula sobre feedback. Só assim me dei conta da quantidade de presentes que estava jogando fora sem nem abri-los e separar palpites infelizes de verdadeiros feedbacks. Ainda sou uma aluna desajeitada quando se trata de fazer contribuições para colegas e alunos, mas estou me empenhando em aprender.

Isso tudo é para dizer que aqui nessa coluna feedbacks são muito bem-vindos!

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

***

Publicado originalmente em abril de 2008.

6 Responses

  1. Raniere Menezes
    Responder
    10 abril 2011 at 1:03 am

    Pertinente. Já que o assunto é feedback retribuo seu artigo com um vídeo para quem gosta de CS, stopmotion e cozinhar: http://vimeo.com/9338549

    Abraço.

    • ligiafascioni
      Responder
      10 abril 2011 at 8:03 pm

      Muito bacana esse vídeo. Sempre me admiro da paciência e criatividade desse povo que faz stopmotion…
      Obrigadão pela dica 🙂

  2. fatima
    Responder
    12 abril 2011 at 12:09 pm

    Gostei muito do texto e do outro também sobre marketing.
    Abraço da Fatima/Laguna
    P.S.: Saudade de fotinhus do Otávio!

    • ligiafascioni
      Responder
      12 abril 2011 at 5:44 pm

      Que bom, Fátima!
      O Otávio continua um fofo, mas ele não é muito fácil de fotografar… 🙂
      Obrigada pela visita e abraços também!

  3. 2 fevereiro 2012 at 2:16 pm

    Meu feedback.
    Logrou transmitir para mim a mesma sensaçãp que voce tevi na aula. Foi um aprendizado esclaredor. Garanto que muito melhor que a aula original pois seus exemplos sempre bem humorado sao demais. Entendo que para dar feedback tem que fujir de adjetivos qualificativos, coisa básica em qualquer comunicação sadia e efetiva

    • ligiafascioni
      Responder
      2 fevereiro 2012 at 3:22 pm

      Que bom, Jorge!!! Obrigada pelo feedback; tem muito valor vindo de você. Um grande abraço e sucesso 🙂

Leave A Reply

* All fields are required