Nem sei como começar a descrever “O peso do pássaro morto”, da Aline Bei. Eu sabia que ia ser puxado; meu amigo Tio Flávio, que procurou esse livro comigo nas livrarias de Belo Horizonte quando estive no Brasil no ano passado, já tinha me preparado. Ele achou (depois que fui embora), leu e compartilhou. Aí, quando minha irmã veio do Brasil me visitar, pedi para ela trazer (na verdade, a Andréa foi quem provocou isso tudo; foi ela quem me apresentou a Aline Bei com o belíssimo “A pequena coreografia do adeus”, que já resenhei aqui).
Olha, muito difícil. Se eu tivesse que resumir o livro em uma frase diria que é puro sofrimento compactado em forma de poesia. Eu nunca tinha lido algo tão forte, tão pungente, tão doloroso e, ao mesmo tempo, tão belo.
Aline mistura prosa e poesia na medida certa; ela diz coisas difíceis de um jeito leve. Essa moça tem um talento único; não ganhou prêmios de literatura à toa.
O livro começa com a protagonista ao oito anos de idade; uma menina sensível, tímida, quase sempre doente, vizinha de um senhor que benzia suas bronquites e era seu amigo. Filha única, ela tinha uma melhor amiga na escola, chamada Carla. Carla queria muito conhecer o Seu Luís benzedeiro, mas tinha uma saúde de ferro. Nunca ficou doente, abatida, nada.
Até que um dia, Carla resolve pular um muro e é atacada por um cachorro. Morre e deixa sua amiga sozinha no mundo, desorientada, sem entender nada.
A menina muda de escola, vira adolescente, acaba tendo uma paixão por um colega e vai num show com uma amiga. O rapaz, que nem seu namorado era, fica enciumado com fotos que alguém tirou no evento e resolve se vingar. O machinho vai até a casa dela enquanto os pais não estão. Ameaçando-a com uma faca, estupra a moça apavorada da maneira mais violenta e humilhante possível e some (todo mundo conhece histórias parecidas com moços de “boa família”).
Grávida, sem conseguir contar sobre o que aconteceu para ninguém, ela carrega sozinha o peso de criar o filho, pois, segundo os pais, “se foi mulher para fazer, que seja mulher para criar”. Que mundo duro esse.
Ela nunca conseguiu se conectar o filho que pouco via (precisava trabalhar para sustentá-lo) e que criou com a ajuda de uma vizinha. Era um estranho e, o pior, um estranho com a cara do pai.
Uma vida dura, solitária, cheia de perdas, que só foi realmente preenchida e completada, veja só, por um cachorro gigante e já idoso que ela encontrou num posto de gasolina.
O roteiro parece simples, mas a autora, que também é atriz, domina como ninguém as palavras e os efeitos que elas causam nas nossas emoções.
Só me lembro de ter ficado assim abalada com um livro quando também era adolescente, ao ler “Meu pé de laranja lima”, do José Mauro de Vasconcelos. Hoje não sei se me emocionaria novamente (pensando bem, com certeza não; nem sei se acharia o livro realmente bom hoje). Por isso evito reler uma obra; a gente é uma pessoa diferente a cada dia, pois vai mudando, aprendendo, e ficando sensível a outras coisas. As poucas vezes que reli um livro que tinha gostado, me decepcionei. Hoje não faço mais; fica só a lembrança mesmo.
Então não vou reler ”O peso do pássaro morto”, mas recomendo muito que você o leia. Um pouco de emoção nesse mundo duro, às vezes faz bem, mesmo que doa um pouco.
Vale ficar de olho no que essa moça escreve.
É ruim mas é bom. Aliás, é ótimo. Recomendo.
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