Por causa da demanda de palestras online, principalmente de empresas da área de educação, venho me dedicando a estudar o assunto com mais cuidado e interesse.
A questão é que estamos às portas da quarta revolução industrial, e o modelo educacional continua estagnado na segunda.
Veja se não é: a primeira revolução industrial aconteceu com a invenção da máquina a vapor e as primeiras fábricas; a segunda revolução implementou a linha de produção e o fordismo; a terceira tratou de automatizar essas linhas com robôs e máquinas.
A quarta está trazendo a inteligência artificial como um assistente poderoso para trabalhos complexos (e se educação não é um trabalho complexo, o que seria?) permitindo a customização em escala. Mas o que é isso?
Significa que, se você quiser comprar um carro, você pode praticamente desenhá-lo no aplicativo da loja (mudar a cor de bancos, retirar ou colocar opcionais, etc) e recebê-lo de acordo com seus desejos. As lojas virtuais fazem sugestões de produtos de acordo com seu histórico de compra. Uma academia de ginástica pode construir uma série de exercícios especialmente para você e suas necessidades. Um aplicativo de entrega de comida pode selecionar só as opções que respeitam a sua dieta. As redes sociais escolhem as propagandas que vão aparecer para você, de acordo com o seu perfil. Enfim, você pegou a ideia: a inteligência artificial permite que milhões de pessoas sintam-se especiais e tenham atendimento exclusivo e customizado, sem perda de tempo e a um preço acessível.
Mas por que com a educação ainda estamos como nas linhas de produção antigas da segunda revolução? Observe: os alunos ainda são formados em escala, como se fossem produtos fabricados em série. Nenhum tipo de customização acontece: o professor vai lá na frente recitar a matéria padronizada dos currículos independente do interesse, capacidade e desejo de cada um.
A avaliação também é em escala industrial, sem considerar as especificidades próprias de cada indivíduo. Todos têm que decorar os mesmos textos, ler os mesmos livros, fazer provas iguais, ficar sentados em silêncio por horas durante uma das fases mais instigantes da vida.
E não, simplesmente fazer a mesma coisa usando o Zoom não é revolucionar a educação e trazê-la para a revolução 4.0. Reproduzir o modelo tradicional é só mais do mesmo, só que de um jeito mais desconfortável e cansativo para todos os envolvidos.
Segundo Joel Rose, co-fundador do projeto New Classrooms, o que costuma acontecer numa sala padrão de 30 alunos é que os três mais brilhantes ficarão entediados, os 10 com perfil menos acadêmico ficarão completamente perdidos (e talvez optem por se distrair fazendo travessuras) e o restante tentará se adaptar de alguma maneira, com a ajuda dos pais ou algum tipo de incentivo. Vários se perderão irremediavelmente no processo. E olha que eles estão falando de uma turma média, em uma escola sem muitos problemas estruturais ou sociais.
O mais dramático disso é que, quando essas crianças saírem da escola, terão que lidar não apenas com a inteligência artificial, mas a customização de praticamente tudo, num mundo que absolutamente nada tem a ver com a rotina da ultrapassada à que eles foram forçados a se adaptar.
A sugestão dos autores de “What to do when machines do everything”* é justamente customizar a educação conforme a necessidade dos estudantes com a ajuda da tecnologia e a participação preciosíssima e indispensável dos professores, mas num modelo completamente diferente.
No modelo New Classrooms, lançado em 2011, as escolas têm ambientes parecidos com os que a gente vê em salas de leitura de bibliotecas; um local onde os jovens possam ler, assistir vídeos, conversar, trabalhar em equipe, testar ideias, enfim, construir conhecimento.
Numa turma com tamanho variando entre 60 e 80 crianças, haveria algo entre 2 e 6 professores sempre acompanhando o trabalho delas simultaneamente, além de uma equipe de apoio.
Os estudantes usam tablets ou laptops e dividem-se em grupos entre 5 e 20, dependendo do tema e da atividade. Eles trabalham em diferentes modalidades e vão se deslocando entre as “estações” de ensino. Em algumas os estudantes colaboram em times, em outras conversam com o professor. Nas estações, os professores interagem com os grupos, respondem questões, lançam desafios ou colocam novas perguntas. Depois de cada interação, o grupo se desloca para a próxima estação.
Todas as lições são online e corrigidas e analisadas por um programa de inteligência artificial. No dia seguinte, de acordo com o resultado de cada aluno, tanto ele como seu professor recebem a lista de atividades necessárias para que sejam reforçadas as partes que ainda não estão claras e as outras tarefas que vão encaminhar seu progresso. Todo dia um programa de aula novo e customizado é construído para cada aluno.
O bom é que fica claro que o professor jamais poderá ser substituído, pois ele continua sendo a principal referência no processo. Mas deixando as tarefas rotineiras para as máquinas, ele consegue ser o que realmente deveria: um mentor e um curador de conteúdos, alguém que orienta de verdade o aluno no caminho do aprendizado.
É uma primeira tentativa que com certeza ainda pode evoluir bastante, e há vários experimentos testando modelos semelhantes ou com variações.
É claro que a tecnologia não está disponível para todos, principalmente nos países em desenvolvimento (e nem vou comentar o tanto que a educação no Brasil, que já sofria de problemas estruturais seríssimos, está sendo destruída sem nenhum projeto plausível para colocar no lugar), mas já passou do tempo de começar a mudança.
O futuro não espera e pobres dos países que não estão se preparando para ele tendo a educação como prioridade máxima.
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* Livro citado: FRANK, Malcolm; ROEHRIG, Paul e PRING Ben. “What to do when machines do everything”. New Jersey: Weley. 2017.
Valdelucia Grinevicius
Lígia você mostrou claramente como a escola se tornou um lugar de tortura! Meu sonho é ver todas as crianças e jovens (de todas as idades!!) tendo a chance de manter a alegria da descoberta ao longo de todas as etapas da vida! Parabéns pela resenha! Maravilhosa! Bisous
Ligia Fascioni
Incrível esse projeto, né? Na verdade eu sempre adorei ir à escola, mas realmente, no contexto atual não tem mais como persistir nesse modelo. Beijos <3