Nudge

Nudge: improving decisions about health, wealth and happiness” (Tradução livre: “Empurrãozinho: melhorando decisões sobre saúde, riqueza e felicidade“), de Richard h. Thaler e Cass R. Sunstein, foi lançado em 2007 e desde então recebeu várias reedições; acabou se tornando um clássico na área de economia comportamental. 

Seus autores são ambos autoridades em suas áreas (direito, economia e administração), professores universitários e pesquisadores; Cass Sunstein, inclusive, trabalhou como conselheiro de Barak Obama durante a gestão do então presidente dos EUA.

Já na introdução, eles contam a história de Carolyn, diretora de serviços alimentícios de uma rede de escolas, e como ela fez experimentos em centenas de lanchonetes para analisar o comportamento dos estudantes. Ela descobriu que apenas mudando a ordem de apresentação dos itens mudava completamente o perfil de consumo.

ARQUITETURA DA ESCOLHA

Carolyn começou então a trabalhar no que os estudiosos chamam de arquitetura da escolha, que planeja o contexto em que as pessoas tomam decisões. E isso é bem importante em muitas situações. Por exemplo, o design das cédulas de votação pode influenciar diretamente o resultado das eleições, como muitos estudos já mostraram exaustivamente. 

Quando um médico prescreve alternativas para um tratamento, também está fazendo arquitetura de escolha, pois a maneira como ele as apresenta para o paciente, pode fazer diferença na decisão. Vendedores apresentando produtos são arquitetos de escolha também. 

A questão é que se coloca aqui é que não existe um “design neutro” quando se fala em arquitetura da escolha; sempre há um viés, consciente ou não. No fim, é como a arquitetura convencional de prédios; dadas as muitas restrições, decisões sobre tamanho e distribuição dos volumes são tomadas e os detalhes têm impacto sobre o comportamento das pessoas. 

Os autores inclusive citam o clássico exemplo do adesivo em forma de mosca nos mictórios masculinos no aeroporto de Schiphol, em Amsterdam, que fez com que o volume de urina que escapava para fora do vaso diminuísse drasticamente. 

Richard e Cass dizem que esses detalhes da arquitetura, tanto a convencional, como a de decisões, dão uma espécie de empurrãozinho no processo de escolha das pessoas. 

Essa cutucada, esse encorajamento discreto, esse pequeno impulso que faz a pessoa se mover para o lado que se quer, é o que os autores chamam de nudge, a palavra que dá nome ao livro. É tão difícil de traduzir isso, que mesmo na edição em português, os editores optaram deixar no original. 

PATERNALISMO LIBERTÁRIO

Thaler e Sunstein apresentam também o conceito de “paternalismo libertário”, que parece ser uma contradição, mas eles explicam: não é!

Paternalismo parte do princípio de que o arquiteto de decisões sabe o que é melhor para você (lembra do caso dos estudantes nas lanchonetes da escola?) e vai organizar o ambiente de modo a direcionar sua tomada de decisão (por exemplo, fazendo um “nudge“para que a criança coma de maneira mais saudável). 

Pode parecer uma boa coisa de início, mas, se esse ponto de vista paternalista for estendido, você também pode desenhar cédulas eleitorais de forma a beneficiar o candidato que você acredita ser o melhor e assim fortalecer o viés da maneira que for mais conveniente. Daí para influenciar a vida das pessoas segundo critérios pessoais nem sempre muito claros, é um pulinho.

Os libertários, por outro lado, acham que a livre escolha é o melhor caminho, mesmo que esse caminho leve a pessoa para o buraco ou prejudique outras.

Juntando dois termos em princípio antagônicos, os autores acreditam que chegam a um equilíbrio, onde se constrói um contexto onde existe a liberdade de tomar decisões, mesmo que haja uma tendência a estimular comportamentos saudáveis e que levem a uma vida melhor, porém, dando espaço para a própria pessoa escolher o que ela considera saudável e melhor para ela.

Essa ideia parte do princípio de que às vezes as pessoas tomam decisões ruins para elas mesmas simplesmente porque não prestaram a atenção necessária ou não tinham as informações completas sobre a questão quando decidiram por um caminho. Eles defendem que a pessoa, quando escolher, deve estar ciente, completamente no controle de suas decisões e habilidades cognitivas, além de atenta e de posse de todas as informações necessárias.

Então, sob esse ponto de vista, a principal ferramenta da paternalismo libertário é o nudge. Um “empurrãozinho”, mas não uma obrigação ou uma coerção. 

Ele trata do aspecto da arquitetura de escolhas que altera o comportamento das pessoas para um caminho previsível, mas mas não impede outras alternativas.  Para contar como nudge, tem que ser fácil para as pessoas se desviarem do design proposital e seguirem outro caminho; escolher uma opção diferente do que a recomendada não deve ser um problema. 

Nudge não é uma instrução, um comando ou uma regra a seguir. Colocar uma fruta de aparência atraente no nível dos olhos é nudge; banir junk food das lanchonetes, não.

O livro todo, daqui por diante, é sobre como praticar o nudge sem cair na esparrela do paternalismo tradicional.

HUMANS X ECONS

Na primeira parte, os autores falam sobre os Humans (maioria da espécie, mais intuitivos) e os Econs (os mais racionais e reflexivos; o nome vem da abreviação do homo economicus, que é como os economistas geralmente consideram que os seres humanos são — perfeitamente capazes de sempre tomar as melhores e mais sábias decisões).

Isso tem a ver com o funcionamento do sistema cognitivo. Temos duas estruturas que funcionam em paralelo: o sistema automático e o sistema reflexivo.

O sistema automático é rápido, associativo, inconsciente, não exige esforço e é baseado em habilidades adquiridas.

Já o sistema reflexivo exige mais esforço, é um pouco mais lento, dedutivo, consciente e é orientado a regras. 

Mas há outros vieses cognitivos e enganos que ajudam a gente a entender porque decidimos mal, muitos deles relatados “A ilusão do conhecimento”, de Steve Slogan e Philip Fernbach que está resenhado aqui. Lá ele chama o sistema automático (Humans) de intuitivo e o sistema reflexivo (Econs) de deliberativo.

Os autores também falam nas tentações e das escolhas sem pensar e sobre como as empresas acabam se aproveitando dessa nossa “falha no sistema”. Por exemplo: se você dá um balde de pipoca para uma pessoa, ela tende a comer tudo sem refletir muito se está mesmo saciando a fome ou só repetindo o movimento de levar a pipoca até a boca automaticamente.

As pessoas têm consciência dessas falhas, mesmo que parcialmente, e é por isso que existe o botão snooze (ou soneca) nos despertadores. Ou que os governos estipulam um horário de verão para economizar energia (se deixasse o mercado decidir sozinho, não ia rolar).

Os autores também falam do efeito manada. Muitas das decisões que tomamos são apenas porque todo mundo também está fazendo, não porque a gente realmente analisou e concluiu que era a melhor escolha.

QUANDO UM NUDGE É NECESSÁRIO?

A resposta curta, segundo os autores, é “ofereça nudges que mais ajudem do que inflijam prejuízo”, que é a regra de ouro do paternalismo libertário.

Uma resposta mais longa e elaborada seria: “as pessoas precisarão de nudges para decisões que são difíceis e raras, para aquelas que elas não tenham um feedback imediato e quando elas têm problemas traduzindo aspectos de uma situação em termos que elas possam entender com facilidade”. 

CUSTO X BENEFÍCIO

As questões mais difíceis são aquelas em que as decisões e suas consequências estão separadas por um intervalo de tempo e exigem bastante autocontrole.

Há casos em que os custos são imediatos e os benefícios vêm muito depois, como por exemplo, fazer exercícios ou dieta. O outro oposto é quando os benefícios são imediatos e as custos demoram mais a aparecer, como, por exemplo comer doces, fumar ou beber demais.

No primeiro caso, os nudges são necessários e podem ajudar. No segundo, totalmente inútil; ou alguém aí precisa de um empurrãozinho para comer mais chocolate ou beber? Olha, se bem que semana passada vi uma notícia de que o governo do Japão estava fazendo um concurso para fomentar estratégias para fazer os jovens beberem mais, pois bebidas geram muito imposto — olha o absurdo; nem lá os políticos pensam no bem do cidadão — duvida? Olha aqui

OUTRAS RAZÕES

Quando uma coisa é difícil ou complicada, um nudge para ajudar na análise da escolha vai muito bem. Declarar imposto de renda ou escolher o melhor seguro; ganha o que facilitar a vida do cliente no processo de escolha.

A frequência com a qual a pessoa precisa tomar a decisão também; decisões que a gente tem que tomar poucas vezes na vida (com quem casar, que curso fazer na faculdade, etc) são mais suscetíveis de erros, inclusive pela falta de prática.

Outro fator importante é o feedback. Mesmo que a pessoa tenha várias oportunidades de praticar a decisão, se ela não tiver feedbacks, não consegue aprender (e analisar o que poderia ter melhorado). Em geral, a gente só recebe feedbacks pelas opções que escolhe, não das outras que deixamos de optar. 

Por exemplo: a pessoa vai comendo gordura como se não houvesse amanhã porque não sente nada, nenhuma pista que vai ter um ataque cardíaco, até o belo dia que acontece. Se ela tivesse tido feedbacks sobre sua saúde antes, talvez pudesse ser evitado. Enfim, decisões que não costumam vir acompanhadas de feedbacks são boas candidatas para um nudge.

É fácil decidir qual prato comer, que música ouvir, quando todas as opções oferecidas são conhecidas. E mesmo essas decisões, às vezes as pessoas terceirizam (acolhe a sugestão do chef para o prato do dia, ouve a playlist de outra pessoa). O problema é quando as alternativas não são claras, como, por exemplo, um menu escrito num idioma que você não domina ou escolher um plano de investimentos em ações, sendo que o máximo que você ousou até hoje foi depositar na poupança. Essas são situações em que um nudge bem feito pode ajudar demais.

A ARQUITETURA DA ESCOLHA

Aqui os autores falam sobre como os humanos escolhem e citam, inclusive, o clássico “O design dos objetos do dia-a-dia”, de Don Norman (desse autor eu tenho a resenha do “Design emocional: porque amamos e odiamos os objetos do dia-a-dia”; leia aqui — o outro li há mais de 20 anos, vou ter que ler novamente para resenhar), para falar como o design influencia a tomada de decisão.

Eles reiteram que o caminho mais fácil em geral é o escolhido porque o sistema cognitivo intuitivo é dominante na maior parte do tempo, mesmo nas pessoas mais deliberativas. Então, temos que assumir que as pessoas cometem erros; então, não custa avisar que alguém esqueceu o cinto de segurança ou a porta do carro aberta.

Depois de muitos erros, os postos nos EUA colocaram os bicos de dispensers de combustível com formatos diferentes, de maneira que não posso abastecer com gasolina um carro que é a diesel.

As faixas de pedestres em Londres (essa eu me lembro!) têm sempre escrito “olha para a direita”, porque eles sabem que há muitos turistas e a maioria de nós está acostumado a carros vindos da esquerda.

O projeto da arquitetura da escolha tem que levar em conta vários fatores. Os autores até fizeram um acrônimo com a palavra nudge, onde:

NiNcentive (essa foi bem forçadinha)

UUnderstand mappings (entender mapas, no caso, de comportamento — poderíamos considerar jornada)

DDefaults (aquilo que é assumido como a decisão padrão, se a pessoa não escolher nada)

GGive feedback (dar feedback; outra forçada na amizade)

EExpected error (erros esperados)

SStructure complex choices (estrutura de escolhas complexas)

Os próximos capítulos mostram as diferenças entre os Humans e os Econs no que diz respeito às decisões relacionadas a dinheiro (investimentos, aposentadoria, educação, etc) e à sociedade (medicamentos, donativos, sustentabilidade ambiental, casamentos, entre outras coisas) com algumas dicas bem interessantes.

OBJEÇÕES E CONCLUSÕES

Os autores também dedicam um capítulo inteiro às objeções, ou críticas que receberam por defender o modelo do paternalismo libertário. Essa parte é bem interessante, principalmente, porque eles reconhecem que nem todos os nudges são bons para as pessoas e que essa subjetividade precisa fazer com que nos mantenhamos bem atentos. 

Eles também apresentam esse sistema como uma “terceira via” entre o paternalismo que acha que sabe o que é melhor para o outro e o liberalismo que não se preocupa com o bem estar e com o fato de que nem sempre as pessoas têm condições de tomar as melhores decisões para si mesmas. O nudge, como eles reforçam, é só uma ajudinha. Não é uma obrigação, mas também não deixam as pessoas perdidas e desassistidas em situações complexas.

As pessoas continuam podendo errar, mas de maneira consciente e intencional — não por engano ou distração. E essa é a real liberdade (no que concordo demais).

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