Nemesis

No final da minha adolescência eu era viciada em ficção científica e, claro, um dos meus autores favoritos era Isaac Asimov. A questão é que esse gênio publicou mais de 500 livros, de maneira que, depois de muitos anos sem ler nada sobre ele, caiu na minha mão o livro Nemesis. Como pode alguém ser tão assombrosamente criativo e inteligente? 

Nascido na Rússia em 1920, ele foi morar em New York aos 3 anos de idade, o moço tinha que trabalhar na lojinha dos pais e ficou viciado em ler os livros de ficção científica que eram vendidos lá. Ele morreu em 1992, e Nemesis foi publicado em 1989, já no final de sua vida (ele foi contaminado com HIV através uma transfusão de sangue, após uma cirurgia).

Isso explica porque o livro é tão brilhante; depois de tanto criar e escrever, ele já era muito experiente. Se bem que “Eu robô” (resenhado aqui), publicado em 1950, já era uma peça antológica. Mas vamos à história.

Estamos em 2200 e a situação no planeta Terra continua caótica, com 8 bilhões de habitantes. O que acontece é que agora existem algumas colônias no sistema solar em forma de estações espaciais. Elas são autônomas (inclusive politicamente) e auto-sustentáveis; algumas já estão na terceira geração de pessoas nascidas nessas naves e que nunca vieram à Terra. 

Em geral, essas colônias são tratadas como se fossem outros planetas dentro do sistema solar. Cada colônia tem um nome e um governo; a maioria de seus habitantes acredita que a Terra é um lugar horrível para se viver. As colônias são todas uniformes, com pessoas da mesma etnia, mesma cultura, mesma formação escolar, enfim, pensa o que seria viver dentro de uma nave, por maior que seja: um ambiente totalmente controlado, sem crimes, previsível, plano. É claro que são lugares onde a xenofobia impera (a maior crítica com relação à Terra é que lá é tudo “misturado”) e há uma rivalidade entre as colônias e também com a Terra.

A história começa na colônia chamada Rotor, que abriga 60 mil pessoas e a astrônoma Eugenia Insigna (amei esse nome!) observa que, atrás de uma nuvem de meteoritos, tem uma estrela vermelha (ou seja, quase morrendo). Até então, a estrela mais próxima conhecida é a Alpha Centauri, com seus respectivos planetas, mas ela fica a mais de 4 anos luz de distância da Terra.

Eugenia reporta essa descoberta ao chefe da estação Rotor, Janus Pitt, e ele fica encantado. Uma vez que eles também recém desenvolveram um sistema de propulsão que chamam de Hyper-assistência, capaz de fazer a estação viajar à velocidade da luz, trata-se de uma grande descoberta, pois essa estrela fica na metade do caminho.

Eugenia fica feliz porque vai publicar o estudo, mas é logo cortada por Pitt, que tem outros planos. Em troca do seu silêncio, ela ganha o direito de dar o nome à estrela. Estranhamente ela escolhe Nemesis, que é a deusa da vingança e da punição (Insignia não pensou muito para escolher).

Assim, em apenas 2 anos o Rotor conseguiria chegar lá e encontrar algum planeta para se instalar, livrando-se de vez desse monte de colônias que orbitam no sistema Solar, e, principalmente, dos terráqueos, esses seres imprevisíveis. A ideia é desaparecer sem aviso prévio para ninguém vir atrás (o que seria mesmo pouco provável, pois só o rotor detém a tecnologia Hyper-assistência).

A preparação para a viagem leva alguns anos. Só que um anos antes da descoberta de Nemesis, Insignia foi fazer parte de seu doutorado na Terra (ainda havia trocas de conhecimentos entre as universidades) e conhece um terráqueo, por quem se apaixona. Esse sujeito é Crile Fisher, na verdade um agente secreto que tem a missão de saber mais sobre a tecnologia da Hyper-assistência. 

Eles se casam, têm uma filha, vão morar no Rotor, mas nunca conversam sobre o trabalho de Eugenia (ele não pergunta muito para não despertar suspeitas). Até que um belo dia, quando a bebê está com um ano de idade e eles já estão juntos há 5 anos, Eugenia conta que o Rotor vai sair do sistema Solar e talvez não volte. Crile diz que não vai junto e quer voltar para a Terra com sua filha. Acontece uma briga e ele vai embora da estação, abandonando as duas.

Agora a história se desdobra em duas partes: Eugenia Insignia e sua filha Marlene vão com o Rotor até o sistema Nemesar (ele não usa essa expressão; acabei de inventar…rsrs). Lá eles descobrem que essa estrela vermelha só tem um planeta orbitando Nemesis, que se chama Megas, mas ela é como Saturno ou Urano, não tem partes sólidas, apenas gases.

Porém, Megas tem uma lua chamada Erythro que é quase do tamanho do Terra, e tem partes sólidas. Só que, porque a estrela Nemesis é muito velha e está morrendo, sua luz é bem fraca, fazendo com que a irradiação não seja suficiente para manter vegetação (apesar de ter água e alguns organismos simples que produzem oxigênio). A luz avermelhada faz o planeta parecer um deserto vermelho, porém, com lagos, rios e oceanos.

Agora Marlene, a filha de Insignia, já tem 15 anos de idade. O Rotor orbita Erythro e a menina tem uma atração inexplicável pelo satélite. Lá só tem um domo com alguns cientistas, além de sistemas de abastecimento de água para a colônia. Eles já estão construindo outras naves e há várias bases avançadas em meteoros próximos também.

Marlene tem um tipo de superpoder, que é uma inteligência muito refinada para identificar as intenções das pessoas por trás das palavras ditas (ou não). Não se trata de telepatia, mas de pura observação. O fato é que ninguém consegue mentir para Marlene e isso, obviamente, traz problemas, pois ela enfrenta até mesmo Pitt, que envia ela e a mãe para Erythro por um tempo.

A questão é que, refazendo seus cálculos, Eugenia descobre que Nemesis está se movendo em direção ao sistema solar; ela não vai esbarrar no sol, mas a passagem próxima vai causar um deslocamento da estrela amarela que pode mudar todo o clima na Terra, causando uma extinção em massa, dali a pouco mais de 5 mil anos. 

A astrônoma fica desesperada para avisar aos terráqueos sobre mais essa descoberta, mas é impedida por Pitt (na verdade, eles não têm como fazer contato sem revelar seu paradeiro, tudo o que ele não quer). 

Mãe e filha aportam em Erythro (sob a desculpa que Insignia precisa fazer medições de um lugar fixo) e descobrem que o satélite tem lá seus mistérios também. 

Em paralelo, na Terra, Crile meio que leva uma bronca por não ter conseguido descobrir para onde foi o Rotor além de nenhuma informação útil sobre a Hyper-Assistência, mas recebe outra missão que poderá redimi-lo.

Na colônia Adelia, existe uma cientista que acredita na possibilidade de viagens superiores à da luz (que eles chamam superluminal), chamada Dra. Tessa Wendel. A tarefa de Crile é seduzi-la e levá-la para a Terra, onde terá todos os recursos possíveis para explorar mais essa ideia.

Essa parte é muito legal, pois nenhum dos personagens é bobinho e simples, especialmente as mulheres. Tessa é muito inteligente emocionalmente também; ela sabe que Crisler quer algo dela e pergunta diretamente. De uma forma bem honesta e transparente, eles fazem um acordo, porém, também se apaixonam. Crisler precisa do desenvolvimento da tecnologia Superluminal para reencontrar sua filha (com a mulher ele não parece muito preocupado), além de ter sucesso no trabalho. Dra. Wendel pode colocar suas ideias em prática e entrar para a história do Cosmos.

Bom, para resumir, ela consegue desenvolver a tecnologia; os terráqueos também descobrem Nemesis e o perigo que ela traz para a civilização. Eis que uma nave superluminal com apenas 6 tripulantes (entre eles, Tessa e Crisle) vai atrás do Rotor. Imagine, o pior pesadelo de Janus Pitt.

O melhor dessa história são os diálogos; você não fica com aquela sensação de que se dois personagens tivessem sentado para conversar como adultos não teria nem a necessidade de escrever o livro. Pelo contrário; todo mundo é sincero, usa argumentos factíveis e com alguma lógica (mesmo os vilões). 

Tem uma parte que eu achei divertida; Tessa só está na Terra porque é o único lugar que apoia o seu trabalho, mas ela detesta a complexidade do lugar. Principalmente ela reclama da gravidade, que nas colônias varia bastante. Você pode fazer exercícios sem gravidade, dormir com gravidade baixa, estar numa outra sala com gravidade maior, enfim. A questão é que nas colônias, as pessoas não envelhecem como na Terra. Tessa reclama horrores que nesse planeta a gravidade é igual em todo lugar e por isso ela está ficando caída e cheia de rugas…rsrs… O bom é que Crisler a acalma dizendo que isso não tem o menor problema para ele, que é terráqueo e já está acostumado.

Como disse, adorei o livro também porque as mulheres todas são inteligentíssimas (incluindo a menina de 15 anos); eu amo as cutucadas que o Asimov dá com relação a líderes eugenistas e xenófobos,  e a mensagem que é sempre a diversidade que vai fazer o mundo rodar é clara e direta.

Tem também uma explicação importante sobre o uso da inteligência artificial generativa — no livro ele chama somente de “o computador” (a obra é de 1989, não esqueça!) onde os astrônomos explicam o Crile, um leigo, que não basta enviar os mapas para os computadores extraírem os dados — o mais importante é saber fazer as perguntas e analisar as respostas — que são o papel mais importante dos humanos. Mais de 30 anos atrás e ele discutindo a importância de um prompt bem feito.

Tem um plot twist no final que não vou revelar, mas é brilhante. E o autor consegue amarrar todas as pontas, não deixando nada escapar. Sensacional.

Leia. Apenas leia.

NOTA: Agora descobri porque nunca tinha lido essa joia; simplesmente não foi traduzido para o português até hoje, acredita? Achei versões em inglês, espanhol e alemão na Amazon do Brasil. Se quiser, é só clicar nos links.

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