Olhe para esse muro da imagem: ele está pintado ou não? Cabem as duas respostas, dependendo de como se encara o conceito de pintado.
Coisa parecida acontece com o impasse sobre a questão da maioridade penal (na aurora dos 18 anos a pessoa passa a ser responsável por tudo o que não era até a noite anterior?) me fez refletir sobre como as coisas poderiam ser mais simples se os nossos legisladores e juristas conhecessem um pouco mais de matemática do que as quatro operações.
Estou falando sobre a lógica difusa ou nebulosa (fuzzy logic, do original em inglês). A questão é a seguinte: desde que o homem começou a ensaiar seu raciocínio lógico, um problema clássico rouba o sono dos pensadores – uma coisa pode ser mais ou menos verdadeira ou falsa? Em outras palavras: uma pessoa pode ser mais ou menos menor de idade?
Muito antes dos nossos assassinos juvenis contemporâneos, Platão já se ocupava com o problema. Noites insones fizeram-no contestar Parmênides em sua lógica binária (sim ou não) e defender a tese de que deveria haver uma terceira opção.
Em meados de 1900, o matemático polonês Lukasiewicz apresentou a formalização de uma lógica trinária, que admitia um valor entre o verdadeiro e falso, traduzida como “possível”. Mas isso não resolvia tudo, e vieram lógicas quaternárias, quintuárias e outras tais onde nem mesmo sei que “árias” poderiam ser. Estavam os matemáticos a se debater com soluções complicadíssimas quando em 1973, veio o genial professor azerbaijão Lofti Zadeh, da Universidade de Berkeley (EUA), com uma solução realmente revolucionária e inovadora: a lógica difusa.
Zadeh usou o seu pensamento lateral para abordar o problema de uma forma que ninguém tinha pensado antes (pelo menos não com um enunciado de regras tão simples e claro). No sistema lógico convencional, ao qual chamamos crisp (não consigo achar uma tradução adequada), quando precisamos classificar uma casa de grande ou pequena, usamos regras simplórias – se ela tem até 100 m2, é pequena. Se tem mais, é grande. Mas e se ela tiver 99 m2? É pequena? É a mesma questão do adolescente – se ele tiver até 17 anos e 364 dias é menor de idade. Horas depois, ele já é maior. Uma coisa meio simplista, para não dizer estúpida, não parece?
Com a lógica difusa, a pergunta muda: não se trata mais de saber se uma pessoa é maior de idade, mas o quanto essa pessoa pertence ao conjunto dos maiores de idade! Assim, basta definir a função matemática que vai descrever o conjunto difuso dos adultos e aplicar a idade atual do meliante à equação para saber o quão adulto ele é. A definição da função matemática é um ponto importante, que se chama calibração. O conjunto difuso pode ter qualquer forma geométrica que se queira – basta estudar a mais adequada à aplicação em questão. Então, dependendo da função matemática, poderíamos inferir que uma pessoa de 16 anos pertence 80% ao conjunto dos adultos – poderia, então, receber 80% da pena. Já uma criança de 10 anos pertenceria 6%, e por aí vai.
Claro está que isso não resolve a causa, apenas o efeito, mas já é alguma coisa para começar a prover essa discussão de pé e cabeça. A lógica difusa foi uma febre nos anos 80 e 90 do século passado, sendo amplamente usada em sistemas de automação e controle industrial, principalmente em robótica. As aplicações vão desde pesquisas em ciências naturais e sociais, engenharia, medicina, sistemas de tomada de decisão, computação, até a construção de eletrodomésticos inteligentes, como aparelhos de ar condiconado e máquinas de lavar roupa, que podem analisar o quão suja está a roupa para escolher o melhor programa para lavá-la. Na minha tese de doutorado, usei conjuntos difusos para traduzir a linguagem natural em uma pesquisa sobre imagem corporativa.
Se a lógica difusa já serviu para tanta coisa, por que não poderia ser mais uma ferramenta para nossos legisladores, designers, jornalistas, publicitários, e quem mais topar? Chamam-na de lógica difusa, mas, na minha opinião ela é muito clara. A nossa lógica atual é que é confusa.
Olá lígia,
Meu nome é Natan e sou aluno do curso de matemática na Universidade Católica de Brasília. Estou pesquisando algumas aplicações práticas sobre a teoria do conjunto difuso e adorei seu artigo.Gostaria de saber se vc possui alguma bibliografia que fala a respeito desse tema? Espero poder trocar muios emails com vc a respeito deste assunto.
Abraços.
Oi, Natan!
Estudei lógica difusa na graduação e no doutorado, e isso já faz muito tempo. Não creio que tenha bibliografia atualizada para lhe recomendar, mas penso que a Amazon tem muita coisa publicada a respeito disponível lá.
Abraços e boa sorte!
Parabéns! Excelente artigo. Na “falta” de outros fatores objetivos para se definir o que seja “menor de idade”, que não a contagem simplista de dias absolutos, ou – o que dá no mesmo – na priorização e manutenção do critério evidenciado, que – ao menos – se aplique o raciocínio acima apresentado. Mais do que a lógica difusa, poderíamos apoiados na “lógica modal” (que lida com possibilidades), inferirmos outros critérios que ajudariam a incluir não só o corpo biológico do meliante em um critério raso de aplicação de justiça mas, sim, poder-se-ia, então, contextualizar seu comportamento frente ao conjunto que define o “ser (verbo) adulto” e ao sujeito correspondente fazer a – bem lembrada – aplicação proporcional de “justiça”.
Lígia, querida.
Só agora (abril de 2013) leio esse seu artigo de 2007, que eu não conhecia.
Perfeito. Parabéns. Você (mais uma vez) conseguiu verbalizar exatamente o que eu gostaria de dizer mais nunca tive argumentos inteligentes para fazê-lo.
Agora, quando esse tema entrar em alguma conversa, sacarei a lógica difusa e o artigo da Lígia Fascioni e tááááá… liquido o assunto. Com base científica! Que tal?
Beijo. Parabéns. Adorei o artigo.
Aahahahahaha…. obrigada! Tomara que isso chegue até alguém que decida, né?
Beijos!