Lembranças

O livro “Lembranças”, de Munir Charruf, veio parar nas minhas mãos porque vi uma resenha no Instagram, de um moço que eu sigo. Ele parecia empolgadíssimo e acabei sendo contagiada. Assim, encomendei meu volume para a Valéria do Clube do Livro de Münster, que traz a papelada para cá (eu só consigo ler em papel, desculpaí…).

Olha, o que posso dizer? Que o livro está longe de ser ruim, mas também não corresponde tanto assim aos comentários do rapaz (as percepções são diferentes, então isso é bem normal).

O autor pegou elementos de Admirável Mundo Novo (a droga Soma), The Handmaid’s Tale (mulheres sendo usadas como reprodutoras contra a sua vontade), 1984 (o Grande Irmão monitorando tudo pelas telas), e Fahrenheit 451 (a ausência de livros e a vida vivida em telas), Matrix (as pílulas azul e vermelha)  e mais algum agora que não estou me lembrando onde as pessoas não têm memória por mais de 24 horas, e fez essa distopia mix — melhores momentos…rs

Vamos ver então como ficou a história.

Rachel acorda num quarto branco e não se lembra de nada. Aí uma tela acende e um homem informa seu nome, profissão (garçonete) e instruções para o dia — horário de trabalho, endereço do local e que ela precisa tomar a pílula azul que está no armário do banheiro bem na frente do espelho para as câmeras captarem.

Rachel tem uma pulseira com todas as suas informações e créditos (que ela usa para pegar um Uber até o trabalho, por exemplo, ou comprar comida nas lojas do governo). Na rua, parece que todo mundo está como ela; ninguém se lembra de nada (inclusive o motorista) e parecem meio perdidos — só seguem as instruções. 

Chegando no restaurante, ela se apresenta aos colegas (tão perdidos quanto ela) e recebe as instruções de uma gerente virtual. O trabalho é duro e cansativo, com apenas um intervalo para o almoço.

Depois do expediente, todos estão liberados até às 3 da manhã para fazerem o que quiserem (são encorajados a se drogarem e fazer sexo com desconhecidos). Até que voltam para casa (ou se registram onde estiverem) para acordar no dia seguinte sem nenhuma lembrança e começar tudo novamente. 

Só que um belo dia, Rachel encontra uma pílula vermelha escondida no armário do banheiro e um bilhete, dizendo para esconder a azul e tomar essa no lugar.  Aos poucos, ela vai se lembrando de coisas.

E se dá conta de que vive num regime totalitário que controla a vida de todos os cidadãos. Mantém todo mundo produzindo e “feliz”, na verdade, meio dopado, para que todos sejam obedientes e sirvam aos propósitos de dominação da cúpula. 

Aparentemente, trabalhos mais simples ganham essa pílula do esquecimento e vivem suas vidinhas sem maiores surpresas. Quando o governo precisa de mais gente (leia-se, mas soldados), realizam implantes nas mulheres enquanto elas dormem. Engravidam e têm filhos sem ao menos se lembrarem. 

Já os trabalhos que não se encerram em um dia e precisam de mais planejamento, aparentemente são dispensados desse esquecimento; porém, todos devem obediência cega ao grande líder, sem exceção. 

Rachel começa a tomar a pílula vermelha e aos poucos se lembrar de sua infância num campo de refugiados, onde foi separada da família ainda com seis anos de idade; lembra-se também de um amiguinho da época. Ela desconfia que esse menino é quem está por trás das pílulas vermelhas. Mas essa consciência vai fazendo a vida ficar insuportável (as patrulhas do governo simplesmente entram na sua casa enquanto você dorme para fazer averiguações; imagina só o tanto de abuso que uma moça de 24 anos está sujeita num cenário assim). Esse é o maior problema das ditaduras: para um grupo privilegiado de pessoas, as leis simplesmente não existem. Elas não devem satisfação a ninguém.

A história é muito bem escrita e a trama parece bem amarradinha. Mas não dá para saber com certeza, porque esse livro simplesmente não acaba. Ele é o primeiro volume de uma trilogia — sem que essa informação esteja em absolutamente nenhum lugar do volume. Eu só soube por causa da resenha do moço.

Se eu gostei? Olha, acho que sim. É bem escrito, mas alguma coisa, que não sei bem o que é, me incomodou um pouco. Talvez seja a diagramação, que soca o texto todo de maneira compactada com margens mínimas, como se tivesse que fazer caber tudo em 140 páginas, seja do jeito que for. Não tem espaço para respirar. Isso, pelo menos do meu ponto de vista, torna a experiência menos agradável do que poderia ser (mas, como eu disse, isso é muito pessoal — livro é um objeto de afeto para mim e eu presto atenção em todos os aspectos da interação).

Enfim. Ainda estou pensando que compro os próximos volumes (os livros de ficção que eu leio por aqui têm todos mais de 500 páginas; por que  separar esse em três volumes se o texto vai ser todo socado mesmo?). 

Pode ser que a experiência ao ler no Kindle seja diferente. Se é seu caso, me conte aí!

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