Que delícia quando acontecem coincidências literárias felizes, né? Esbarrar com um livro ótimo, sem nenhuma indicação ou pista; totalmente por acaso.
Pois foi o que aconteceu com “Black Matter” (Tradução livre: “Matéria Escura”), de Blake Crouch. Estava numa livraria especializada em ficção científica (que fica ao lado de outra especializada em romances policiais; como não amar essa cidade?) quando encontrei uma estante só com livros usados em inglês. Eis que simpatizei com a capa, o título e com o resumo na quarta capa. Levei.
E não é que me dei muito bem?
A história, muito bem bolada (e contada) começa com um homem, Jason Dessen, passando uma noite feliz em família, até que comenta com sua esposa, Daniela, e com seu filho adolescente, Charlie, que seu colega de quarto da faculdade ganhou um importante prêmio científico e está comemorando num bar no mesmo bairro.
Daniela lembra que Jason sempre foi um gênio e poderia ter ganho um Nobel em Física. Ela era uma artista plástica promissora em início de carreira quando os dois se conheceram. Daniela ficou grávida inesperadamente, o bebê nasceu com problemas, e foram seis meses de hospital, enquanto ela sofria uma severa depressão pós-parto. Jason meio que abandonou suas pesquisas e por causa disso acabou perdendo o financiamento do laboratório.
Jason é feliz e ama demais a esposa e o filho, mas acabou virando um professor de colégio. Sua esposa que dá aulas particulares de arte além de ser dona de casa, acaba se perguntando como seria sua vida se tivesse se dedicado à sua carreira. Teria sido ela uma artista famosa?
Ele acaba indo prestigiar o antigo colega e, na festa de premiação, perguntas surgem na mente de Jason: será que não poderia ter sido ele a ganhar o tal prêmio?
Voltando a pé para casa, eis que o moço é sequestrado por um estranho mascarado, que lhe administra uma droga e o coloca dentro de uma construção em forma de cubo.
Ele acorda num lugar que mais parece um laboratório onde as pessoas festejam sua presença. Parece que todos o conhecem e estão felizes por vê-lo.
Olha que louco: num universo paralelo, Jason não se casou com Daniela, que não teve o filho. Ele preferiu dedicar-se totalmente às suas pesquisas em física de partículas, ganhou prêmios e acabou construindo um cubo que torna possível a pessoa acessar universos paralelos.
É que para cada decisão que a gente toma na vida, por menor que seja, há um impacto na nossa história. Decisões que outras pessoas tomam, também têm consequências na nossa vida. Assim, num universo, Jason não se casou com Daniela e resolveu estudar. Em outro, acaba sendo vítima de uma pandemia (causada pelo encadeamento de decisões de outra pessoas que ele nem conhece), em outro, mora numa cidade futurista, em outro, trabalha num projeto semelhante, mas não constrói o cubo; enfim. As possibilidades são literalmente infinitas.
O cubo guarda todas as variações estatísticas em forma de quantum, como naquela metáfora do gato de Schrödinger. A partir do momento em que o observador entra em ação, as infinitas possibilidades colapsam e se definem num estado só (ou seja, se decidem por um universo, com uma narrativa). Dentro do cubo, todas as variações são possíveis.
No universo em que Jason é um cientista insano, o tal colega de quarto desenvolve uma droga que anula o efeito do observador, de forma que é como se não tivesse ninguém dentro da caixa. Quando o efeito dela termina, é só abrir a porta escolhida para acessar um dos universos (tem uma manha para escolher a versão, mas ele só descobre no final).
Às vezes, a mudança em relação ao mundo de referência é muito sutil, como uma restaurante que não existe, a decoração da casa diferente, o carro de outro modelo, a Daniela é designer gráfico em vez de artista. Mas outras vezes, a mudança é brutal. Importante ressaltar que não é uma máquina do tempo, pois sempre se está na data atual; os universos é que têm realidades distintas.
Uma coisa muito boa para desgraçar a cabeça do leitor, mas ainda piora, pois existem versões diferentes do mundo, mas também existem versões diferentes do Jason (e da Daniela e de todos os envolvidos). E eles podem se encontrar.
Olha, só digo uma coisa: vai lá e experimenta. Você vai repensar toda a sua vida, suas relações, suas decisões, tudo. De minha parte, fico feliz acreditando que estou na melhor versão que poderia ter escolhido.
Fiquei sabendo que os mesmos produtores do Breaking Bad vão fazer um filme para Sony Pictures e que o autor já está trabalhando no roteiro. Corre que dá tempo de ler antes do filme sair!
Você pode comprar o livro clicando aqui e também pode ler a resenha de outra obra dele, Recursion, clicando aqui.
Comentários