Gente, como é que a pessoa vai numa livraria e passa por esse livro sem levá-lo para casa? Se alguém descobrir, me conta!
Quando vi “Emotional Ignorance: lost and found in the science of emotion” (tradução livre: “Ignorância emocional: achados e perdidos na ciência da emoção“), de Dean Burnett, nem pensei duas vezes. Só depois é que me dei conta que ele também é autor de outro livro que eu amo e está resenhado aqui: “O cérebro idiota”.
Dean Burnett é um neurocientista britânico que também é escritor, colunista do jornal “Guardian”, pesquisador da Universidade de Cardiff e comediante.
O autor começa explicando o título inusitado; incialmente, e editora encomendou a ele um livro sobre inteligência emocional e o título iria ser algo assim.
Mas aconteceram duas coisas: primeiro, esse pesquisador e autor experiente percebeu que para cada estudo que ele lia e achava que era um fato estabelecido sobre emoções, existiam pelo menos outros cinco contradizendo e negando a tese. Aí ele afirma que, mesmo sendo um neurocientista, os conhecimentos que conseguiu reunir sobre inteligência emocional não eram suficientes para escrever um livro (é claro que ele exagera bastante; não vamos esquecer que o moço é comediante!).
A segunda coisa não foi tão divertida; durante a pandemia, Dean achou que estava tudo sob controle: ele tinha espaço em casa, já havia trabalhado remotamente antes e sua família era harmoniosa. Mas eis que o pai dele morre aos 58 anos de Covid sem que ninguém pudesse vê-lo e nem se despedir.
Aí, é como Dean descreve muito bem: tudo o que sabia sobre emoções foi desmoronando e ele não deu conta do peso que foi esse luto. E, por mais estudo que tivesse, não conseguia se definir como emocionalmente inteligente. Então, como ele mesmo diz, o livro acabou sendo em parte uma pesquisa científica, parte um diário de luto, parte uma jornada de autodescobrimento.
Ele conta que o compromisso com a editora, a rotina de pesquisar exaustivamente a literatura científica e a necessidade de traduzir tudo numa linguagem amigável e atraente acabou ajudando demais a passar pelo período mais difícil e pesado da vida dele. Sorte a nossa, que vamos ter acesso a todo esse aprendizado sem ter que sofrer.
Então vamos ao conteúdo.
O básico sobre emoções
Aqui ele explica que a tristeza e um profundo luto o acompanharam quando ele se sentou para escrever as primeiras páginas. O objetivo era compreender o que ele estava sentindo, porque ele estava reagindo assim, o que isso estava causando no seu corpo e muito mais.
Os problemas começaram quando ele tentou definir a palavra emoção e descobriu que não havia um consenso. Aí ele narra os primeiros estudos, os filósofos, as religiões, passando por Charles Darwin e indo até os estudos mais recentes.
Uma das teorias mais aceitas (porém, ainda com questionamentos) é que as emoções são respostas que o corpo dá a um conjunto de sinais que o cérebro consegue perceber. Por exemplo, você vê um carro chegando em velocidade muito acelerada e se assusta com o ruído; esse conjunto de sinais (movimento, som, etc) provoca no cérebro uma resposta que faz o corpo reagir: o coração pode disparar, você pode começar a suar, enfim, mudanças físicas.
Esse conjunto de sinais que o cérebro percebe pelos sentidos são chamados marcadores somáticos. Então, ele recebe esse estímulo e gera uma resposta.
A teoria não é redondinha porque às vezes o corpo gera reações sem nenhum marcador somático aparente, como, por exemplo, quando a pessoa tem uma crise de pânico. Ou, em algumas situações, como no caso dele, a pessoa sente que precisa chorar, mas não consegue.
Há também um debate sobre as emoções básicas, que seriam universais em todas as culturas, como felicidade, tristeza, raiva, medo, desgosto e surpresa, mas a ideia já foi desmontada em vários estudos recentes.
Ele também mostra evidências de que as teorias dos lados do cérebro (emocional e racional), assim como o cérebro límbico (emoções seriam basicamente instintivas, uma coisa animal), não se sustentam.
A teoria mais aceita é que, assim como o cérebro cria a nossa visão e a nossa memória usando dados do ambiente atual e alguns registros que já estão no córtex (e por isso, tanto a visão como a memória são extremamente frágeis e fáceis de enganar), acontece o mesmo com as nossas emoções. Para cada situação, ele constrói as reações que o corpo vai apresentar e que ele acha mais úteis e adequadas para a sua proteção.
Emoções versus Pensamento
Tanto a ficção científica como a filosofia, e até mesmo os budistas concordam: nossas emoções são a nossa fraqueza, nossa deficiência, um obstáculo para o pensamento racional.
A questão é que as nossas motivações (inclusive para tomar decisões racionais), estão diretamente conectadas com as nossas emoções. Dean usa a metáfora em que o hipotálamo (produtor de motivação) é como se fosse o motor de um carro e as nossas emoções e o sistema cognitivo estão nos assentos dianteiros: uma dirige enquanto o outro indica a direção.
Quando a gente decide fazer alguma coisa, muitas variáveis são consideradas, como o esforço requerido, o custo, a potencial recompensa, os riscos — e o peso de cada atributo varia fortemente com as nossas emoções.
Inclusive a cognição (que é a nossa capacidade de aprender) é fortemente influenciada pelas nossas emoções. Não tem aprendizado, motivação ou tomada de decisão sem emoção. Fato. Sem emoção, uma pessoa não consegue tomar uma decisão simples como qual o sabor de sorvete que ela vai tomar.
Então razão e emoção não são coisas distintas, mas misturadas e fortemente conectadas. O autor, inclusive, faz a mea culpa dos cientistas que não tomam todas as decisões racionalmente; todos são humanos e influenciáveis — às vezes a gente só vê o resultado que quer ver.
Memórias emocionais
Aqui, Burnett explica os diferentes tipos de memória que a gente tem: as memórias implícitas e as explícitas.
As memórias implícitas são aquelas que a gente nem percebe que tem, tipo andar de bicicleta e escovar os dentes. A gente se lembra como se faz isso, mas não é uma coisa que se pense a respeito enquanto se está fazendo. Tipo quando você rejeita uma comida que faz mal ou você tem alergia; vai quase no automático.
Já as memórias explícitas são de dois tipos: semântica e episódica.
A memória semântica é um tipo de informação mais abstrata, tipo, você sabe que a língua falada na Mongólia é Mongol, mas não se lembra onde aprendeu isso. Ou que a sua amiga não gosta de maçãs, mas não sabe como é que essa informação chegou em você.
Já a memória episódica vem com todo o contexto junto, como um pacote de experiências pessoais que você viveu, tipo, você lembra exatamente da cara de seu pai quando comia aquele doce preferido. E, como você já deve saber, quanto mais associadas a emoções poderosas (alegria, dor, medo, contentamento, etc), mais essas memórias são duráveis.
Então, veja só, a gente simplesmente não consegue aprender de verdade sem emoção envolvida!
E veja que interessante: quando as emoções são positivas, as memórias têm mais informações periféricas (não necessariamente relevantes) e mais detalhes. As memórias negativas são mais focadas e concentradas.
Outra coisa: enquanto as emoções intensas amplificam os sensores do hipocampo, o feito reverso também acontece: quando a gente lembra do fato, nossas emoções também se alteram — o que tem impacto sobre a nossa química interna.
Olha que coisa curiosa: o autor tentava se lembrar das coisas boas do pai dele, mas como estava passando por um período de luto, isso acabava trazendo mais dor. Os presentes guardados que antes traziam alegria, agora remetem à tristeza e ao lamento.
E, os estudos mostram, as emoções negativas são mais potentes para preservar a memória do que as positivas (claro, elas nos salvam de situações de risco). Mas, veja só que incrível: com o tempo, as memórias negativas abrandam mais as emoções associadas a elas.
Você ficava muito brava de lembrar do seu ex, por exemplo, mas, como o tempo, vai deixando para lá. A raiva não é tão intensa como no começo.
Já as emoções relacionadas a memórias positivas, apesar de menos intensas, são mais duradouras. Isso explica porque a gente tende a pensar no passado como “antes era melhor”; na verdade, só vão restando as lembranças e emoções boas ao longo do tempo (é claro, a não ser que as lembranças negativas estejam relacionadas a traumas ou coisas mais sérias).
O autor também fala das memórias e emoções associadas aos cheiros e às músicas.
Comunicação emocional, relacionamentos e tecnologia
Dean ainda explica como as emoções são contagiosas e como a gente é consumido pelas emoções dos outros; também fala sobre as emoções no ambiente de trabalho e como elas nos afetam, como a gente consegue empatizar com algumas pessoas e não com outras.
Há um capítulo ainda sobre nossos relacionamentos e as emoções contidas neles, como essa estrutura é formada na infância, se os cérebros dos homens e das mulheres são realmente diferentes (spoiler: não são!), como os relacionamentos românticos acontecem do ponto de vista da ciência e outras coisas interessantíssimas!
Ainda tem estudos falando sobre a relação entre as nossas emoções e a tecnologia, onde as mídias sociais geram uma viciante combinação entre a novidade e a familiaridade, como as fake news são projetadas para manipular nossas emoções.
Conclusões
No final, Dean conclui que tudo o que ele aprendeu sobre emoções escrevendo esse livro, é que as emoções tratam basicamente de mudanças. Não apenas o entendimento e a compreensão dos conceitos mudam o tempo todo, mas as emoções também mudam o nosso sistema neurológico, nossa fisiologia e nossa química interna. Emoções podem mudar a nossa percepção da realidade, e a realidade afeta as nossas emoções.
Dean, que é ótimo em metáforas, ainda diz que ele se deu conta que quando a gente sofre uma grande perda, as nossas emoções são o equivalente do corpo a uma ferida que inflama e infecciona. Depois vai se curando. As infecções seriam como as nossas emoções negativas; é a maneira que o corpo encontra de lidar com esse problema; mas não é o problema em si. Com o tempo, o corpo aprende a se curar e as coisas vão se acomodando.
Olha, não sei se você curte esse tipo de literatura, mas recomendo fortemente a leitura desse livro.
Como ele foi lançado em janeiro nesse ano, ainda não tem tradução em português. Se você ainda não lê nesse idioma, vale aí colocar na sua listinha de desejos e prestar atenção nos próximos lançamentos. Se quiser se arriscar, é só clicar aqui para comprar o original em inglês.
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