Fim

Estava super curiosa para conhecer a Fernanda Torres como escritora; já era fã da atriz há décadas; ela é uma das mais brilhantes artistas da sua geração. Sabia também que há alguns anos a moça é colunista do jornal A Folha de São Paulo; mas como não sou assinante, ainda não tinha lido nada que pudesse servir de referência.

Assim, foi com muita expectativa que abri “Fim”, seu primeiro romance, que trouxe da minha última viagem ao Brasil. E já posso adiantar: eita que mulher talentosa!

O romance conta a história de 5 amigos que usufruíram de seus tempos áureos entre os anos 1980 e 1990 no Rio de Janeiro. Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro são todos uns canalhas machistas e idiotas, mas cada um com seu jeito particular de ferrar a vida das mulheres à sua volta.

A história começa sendo contada em primeira pessoa por Álvaro, narrando o dia de sua morte. Aliás, o título do livro é “Fim” imagino porque justamente narra o fim de cada um dos amigos.

Álvaro é mal-humorado e teve uma vida bem medíocre; foi o último dos cinco a falecer. Ele fala um pouco dele e de cada um dos amigos; dá uma geral sobre o destino de cada um e acaba num acidente besta que o leva embora.

O próximo capítulo é narrado por sua ex-mulher, um poço de mágoa e amargura, que teve que reconhecer o corpo dele no Instituto Médico Legal, pois não havia mais ninguém para fazer o papel.

E o livro vai nessa batida: cada parte começa com a narrativa de um deles, até o momento de sua morte. Fala um pouco em primeira pessoa, narrando os acontecimentos e a teia que liga os amigos. Os mal-entendidos, as aventuras, as cumplicidades, as atrocidades.

Depois, na mesma parte, algum outro personagem secundário, mostra a sua perspectiva sobre o sujeito.

O resumo é um retrato do Brasil, mais especificamente o Rio de Janeiro entre os anos 1960 a 2000, com todo o seu machismo, homofobia, preconceito e privilégio de homens brancos de classe média (exceto um dos personagens, que é negro e acaba sendo o mais “comportado”, talvez justamente porque sua condição não lhe permita tanta liberdade de ser mau caráter com tudo e com todos.

Fiquei muito impressionada com a empatia da Fernanda. Como se sabe, empatia não é concordar com o outro, mas ver o mundo pelas lentes dele, com o repertório dele. O trabalho da atriz consiste basicamente em ser empática, já que ela vai viver uma vida que não é a dela, vai tomar decisões que não tomaria, vai sentir o que não sentiria. O que é uma bela intersecção com o trabalho de um escritor.

Fernanda consegue um nível de realismo que parece que a gente está sentada numa mesa de bar ouvindo a conversa desses homens escrotos, tão comuns na nossa sociedade. Ela é perfeita nos argumentos e na maneira como eles justificam suas escolhas e ações. 

Que bela escritora essa bela atriz está se apresentando. Já vou colocar o próximo livro dela na minha lista.

Recomendo demais.

3 Responses

  1. Marcia Rocha Schöne
    Responder
    2 abril 2023 at 4:49 am

    Ligia, ja tinha começado a ler O Fim, mas não dei continuidade. Sua resenha no Spotify me animou muito a voltar a ler. Assim que terminar O Lugar, voltarei ao Fim ;-). Também sou fã das duas Fernandas, mãe e filha!
    Um abraço da chuvosa Münster. Bom domingo!

    • 2 abril 2023 at 7:43 am

      Que bom, Márcia! A gente fica mesmo com muita raiva dos personagens, mas a história vale a pena!

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