Desobediência

Achei “Disobedience”, de Naomi Alderman, num sebo em Londres (desculpa, mas sou chique! Hahaha…). Eu já tinha lido “The Power”e “The Lessons” (esse eu nem me lembrava, vi agora que nem fiz a resenha). 

O livro foi publicado em 2006 (foi o primeiro dela) e ganhou vários prêmios, além de críticas elogiosas. De fato, é muito bem escrito.

A obra conta a história de uma moça chamada Ronit que nasceu e cresceu numa comunidade judaica ortodoxa. Para mim é a parte mais interessante do livro, que é mergulhar numa bolha que sequer chegou perto da minha, uma vez que nunca conheci um judeu ortodoxo pessoalmente.

A comunidade fica num bairro de Londres e o pai de Ronit é o Rav, que, pelo que entendi, é o rabino mais graduado de todos; o líder do lugar.  A estrutura é patriarcal e machista até o limite possível (como penso ser todos os grupos religiosos radicais). 

A liderança da comunidade é meio que hereditária, mas como Ronit é filha única, o cargo meio que foi passado para seu primo Dovid, que veio morar na casa dela quando eram pré-adolescentes.

Dovid não tem vontade, vocação ou interesse em ser o Rav, mas também não tem coragem de sair dessa armadilha na qual ele foi colocado ainda muito jovem. Nessa comunidade, as meninas se casam com 17 anos e os meninos, com 20, com cônjuges escolhidos pela família após cuidadosa pesquisa. Quando os pais são legais, eles dão mais de uma opção para o rapaz. Pensa.

Ronit é inteligente, curiosa e se descobre bissexual, comportamento inaceitável na comunidade. Esperta, ela consegue perceber o que estava por vir (um casamento de conveniência com muitos filhos e zero vida própria para ela) e consegue se mudar para New York assim que a mãe morre. No livro não fica muito claro como ela conseguiu isso, mas talvez o pai já visualizasse que ela não era fácil de ser controlada e ele teria mesmo problemas em arrumar um marido para a moça.

Na época de escola, ela namorava escondida uma moça da comunidade chamada Esti; elas terminam e Ronit não dá nenhuma esperança a ela, que também não está feliz, mas não é tão corajosa.

Ronit se muda, estuda, torna-se uma profissional de finanças com sucesso, vive uma vida independente. Sua vida amorosa é complicada, pois ela tem um caso em vias de acabar com o chefe de sua chefe, que é casado e tem dois filhos.

Estamos nesse pé quando o pai de Ronit morre e ela precisa voltar para casa e resolver questões burocráticas, além de desmontar a casa que o pai morava e onde passou sua infância e parte da juventude.

É uma questão sensível, pois ela não usa mais as roupas fechadas e compridas das ortodoxas, não segue mais os rituais, enfim, não participa mais da religião. Mas vai ficar hospedada na casa do primo, Dovid.

Eis que quando ela chega, descobre que Esti se casou com ele.

Esti é uma personagem instigante; introspectiva, inteligente, observadora, sabe que a comunidade não a admira — ela não é jovial, carismática ou sociável como deveria ser a mulher de um Rav. E pior: ela não tem filhos.

Dovid a admira justamente pelas suas características; ele admira a calma dela, o mistério, o fato dela ser diferente das outras. Ele também não tem as características que se espera de um Rav: não é eloquente, nem sábio, nem respeitado como uma referência pela comunidade.

Na sua insegurança, ele ainda tem a esperança de escapar do destino — tudo o que ele quer é que encontrem outra pessoa para assumir o cargo (talvez ele tenha escolhido uma mulher que não se encaixe, mesmo que inconscientemente, justamente para diminuir as chances de ser escolhido).

Esti ainda é apaixonada por Ronit; ela nutre uma esperança de as duas ainda voltarem a ter alguma coisa, mas Ronit é realista e não vai se meter nessa enrascada. 

A dinâmica dos três na casa é complexa; mesmo que Ronit só vá ficar por poucas semanas, tem muita coisa acontecendo na comunidade onde ela é hostilizada de maneira como só os cínicos e religiosos convictos sabem fazer.

Ronit, Esti e Dovid são personagens complexos, bem construídos e, de certa forma, atraentes. Os outros figurantes são apenas vilões.

Ronit é a mais interessante por estar com a terapia em dia; então ela consegue superar algumas dificuldades que poderiam cair no lugar comum do vitimismo com segurança e até deboche (adoro!). Já os outros dois personagens estão presos e não têm força para sair — eles nem mesmo sabem se querem — mas não deixam de simpatizar com a coragem de Ronit.

Fui pesquisar e descobri já tem filme (que, para variar, não assisti). Mas, também pra variar, mudaram a história no filme (eu vi pelo trailer que Ronit agora é uma fotógrafa — tomara que tenha sido a única mudança).

Olha, não vou dar spoiler, mas achei o final bem bacana. Se quiser seu exemplar em português na Amazon do Brasil, é só clicar aqui.

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