16-04-2007 Você certamente já reparou: o mundo está mais quente, mais bagunçado, mais sujo, mais seco, e mais preocupado também. A autodestruição deve se completar em algumas centenas de anos. E tem uma notícia ainda pior: boa parte da culpa é do design!
É isso mesmo, a disciplina da minha paixão tem culpa no cartório, e muita. Nascido com a revolução industrial, o design foi concebido para trazer conforto e beleza para a plebe, que sempre foi maioria no mundo. O que antes era produzido por talentosos artesãos para uso exclusivo da nobreza, passou a ser comum nas casas da numerosa categoria dos sem-brasão. E dá-lhe bugigangas. Praticamente tudo passou a ser produzido em escala industrial a preços sedutoramente acessíveis, para deleite dos consumistas de plantão. A conseqüência disso foi a produção de lixo e desperdício de energia também no atacado, em dimensões nunca antes vistas neste planetinha cada vez mais azul (de icebergs derretidos).
E agora? Bom, o povo do design também já notou o tamanho do estrago, e corre para apagar esse incêndio nem tão metafórico assim. Hoje, os projetos já contemplam estudos mais aprofundados sobre o ciclo de vida do produto e registra-se até o nascimento da logística reversa, que trata do retorno dos produtos, das embalagens e dos materiais ao local onde foram produzidos.
Outra área em crescente expansão (inclusive em prestígio e popularidade) é o ecodesign. Essa atualíssima área, antes relegada aos bicho-grilos e agora defendida por cosmopolitas engajados, preocupa-se em elaborar projetos que reduzam o impacto ambiental de várias maneiras: usar materiais não tóxicos e menos poluentes, privilegiando a reciclagem; pensar em processos produtivos que enfatizem a eficiência energética; elaborar produtos com mais qualidade e que durem mais, gerando menos lixo; projetar de maneira modular, onde a parte com problema pode ser substituída, sem que seja preciso jogar fora o objeto inteiro; e, finalmente, a reutilização e o reaproveitamento.
Estamos ainda muito longe de colher os frutos do ecodesign em uma escala que faça diferença, mas os designers, mesmo aqueles mais desligados dos problemas ambientais, deveriam prestar atenção em detalhes que não doem nada.
Vejamos: reutilizar é melhor que reciclar, já que usar de novo não implica, na maioria das vezes, em gasto de energia. Na reciclagem você desconstrói o objeto para construir outro depois, o que dá um trabalho danado e gasta muita energia. No reuso, você simplesmente tira o rótulo e usa a embalagem para outra coisa, por exemplo. Mas então, por que os fabricantes teimam em usar essas colas nojentas? A nova embalagem do Nescafé é uma graça, serve para guardar uma miríade de coisinhas, mas torna-se praticamente inútil porque a retirada do rótulo gera cicatrizes horrorosas e permanentes no vidro. Onde estão os designers que não vêem isso?
Outra prática infelizmente muito comum é o uso combinado de materiais recicláveis que necessitam de tratamentos diferentes, mas que não se desgrudam nem por decreto. Pegue-se, por exemplo, uma escova de dentes. A embalagem pode indicar que ela é toda feita de materiais recicláveis, mas, na hora de executar o processo, não dá para separar os dois materiais do cabo e as cerdas. Como cada tipo de polímero exige um tratamento diferente, acaba que a escova vai direto para o lixo, por melhores que tenham sido as intenções de quem a projetou. Isso é pseudo-ecodesign, e denota incompetência, quando não má-fé mesmo.
É isso, gente, o bicho está pegando e vale a pena pensar a respeito. O mesmo design que ajudou a destruir é agora uma das armas mais poderosas para a salvação. É só o pessoal do design acordar!
Lígia Fascioni
www.ligiafascioni.com.br
Comentários