A natureza da mordida

Esse livro estava na pilha de espera há mais de um ano, coitado. Sou muito fã da Carla Madeira (para mim, uma das maiores escritoras brasileiras vivas), mas, sei lá por que, estava deixando esse para depois; acho que é porque não queria esgotar a leitura do que ela já publicou. Enfim, chegou a hora. E, sinceramente, espero que a Carla já esteja escrevendo outro livro depois dos sucessos Véspera e Tudo é Rio.

Como sempre, a moça não decepciona. Uma história instigante, bem contada e cheia de sensibilidade. Uma coisa que gosto muito é que a história se passa em Belo Horizonte, cidade que eu amo e mora no meu coração.

Mas vamos à história.

É domingo e Biá vai caminhando devagar até seu sebo preferido em Belo Horizonte. Na verdade, é uma banca de revistas com uma prateleira de livros usados (sugestão da própria Biá ao dono do estabelecimento). Nos finais de semana, ele coloca mesinhas e cadeiras na calçada para que as pessoas possam folhear e escolher os livros com mais conforto, enquanto tomam café e saboreiam um pão de queijo (nossa, deu até para sentir o cheirinho). 

A senhora fica chocada quando percebe que a “mesa dela” (como frequentadora assídua e co-autora da ideia) está ocupada por uma jovem concentradíssima em escrever num caderno, aos prantos.

A moça, que depois ela fica sabendo que se chama Olívia, tem cabelos ruivos, olhos verdes e está vestida de verde oliva, o que lhe cai muito bem. Biá deseja, do fundo do coração, se chamar celeste e estar vestida de azul, só para combinar, de tanto que ela se identifica com a moça e gosta dela.

Aos poucos, pelas anotações de Olívia e de Biá, a gente fica sabendo um pouco da história de cada uma. Biá (cujo nome real não é esse; ela simplesmente inventou um personagem com o qual pudesse enfrentar o mundo), era professora universitária e psicanalista renomada, até que uma grande perda a deixa tão desorientada que ela começa a se autodestruir com lapsos de memória e comportamentos inesperados.

Olívia é uma jornalista e também sofreu perdas importantes (ficou órfã de um pai adorado com 4 anos), mas naquele dia estava sofrendo pela perda de sua melhor amiga, praticamente uma irmã que, 15 anos antes tinha mandado Olívia embora de sua casa sem nenhuma explicação. Apenas um “Vá e não volte nunca mais”. 

Em choque, a então adolescente viveu seu segundo luto, tão surpreendente e sem explicação que essa perda, essa dúvida, a pergunta sobre o que aconteceu para Rita agir assim, a perseguiu até sua fase adulta. No dia que as duas se encontraram, Rita tinha acabado de morrer. Será que um dia Olívia saberia finalmente o motivo desse ato tão radical que separou as duas melhores amigas?

Biá mandou o marido amado e idolatrado por ela e pela filha, que a atormentava, até hoje, com perguntas que ela não queria responder. O marido dela simplesmente foi embora e a filha, na época adolescente, não se conformou com a falta de explicação e até mesmo de uma despedida.

Com as anotações das duas sobre os encontros a gente vai descobrindo um pouquinho da história de cada uma, suas dores, suas experiências, do amor insano de Biá por livros, a parceria de Olívia com Rita, os problemas de sua mãe e da filha de Biá, enfim, muita coisa se desenrolando devagarzinho, como uma papel sendo cuidadosamente desdobrado.

Olha, confesso que, apesar de ótimo, meu livro preferido da Carla continua sendo Tudo é Rio, mas é sempre um prazer ler as histórias bem construídas que essa linda conta.

O final não me surpreendeu, mas pode ter sido inesperado para algumas pessoas. De qualquer forma, recomendo a leitura com estrelinhas. Ler Carla Madeira sempre é uma viagem que vale a pena.

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NOTA: Essa foto que ilustra o texto eu tirei de um mural do artista mineiro Rogério Fernandes; acredito que ela traduz perfeitamente Biá e Olívia conversando. Saudades!

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