Passeando em uma livraria com meu amigo Ricardo Beggiato, vi uma banca com vários livros em oferta. Foi aí que encontrei, no meio de outros, “Die Anomalie”, de Hervé Le Tellier. Lendo o resumo da história na quarta capa, não resisti.
O começo foi um pouco complicado porque fazia tempo que eu não lia em alemão (mas não se preocupe; já pesquisei e existe a edição em português) e os primeiros capítulos contam a vida de diversos personagens. O que eles têm em comum?
Todos, por motivos diversos, pegaram um avião em Paris para ir até New York em março de 2021. Durante a viagem rolou uma turbulência sinistra, onde todo mundo achou que ia morrer, até o piloto. Eis que depois de alguns minutos de puro terror, o negócio simplesmente acaba e tudo volta ao normal. O avião pousa e todo mundo retoma as suas vidinhas.
Um cantor nigeriano muito famoso, vai encontrar sua banda para um show. Um arquiteto vai tratar dos detalhes de uma concorrência para um projeto. Uma mãe com seus dois filhos pequenos que foi visitar o marido militar na Europa e está voltando para casa. Uma cineasta que deixou seu filho em casa para tratar de um projeto. Uma jovem advogada idealista. Um escritor em crise existencial e até um assassino de aluguel indo dar conta de uma “encomenda”. É muita gente mesmo; 243 vidas diferentes com suas respectivas histórias, incluindo piloto e tripulação.
Em paralelo, tem a história de dois colegas, fazendo doutorado em matemática, que resolvem calcular probabilidades de coisas atípicas acontecerem: contatos imediatos com alienígenas, pandemias, revoluções, etc. Eis que o governo americano os contrata para considerar mais aberrações na lista. Até que um belo dia em junho de 2021, o rapaz e a moça são chamados (eles nem se falavam mais) para dar conta do protocolo 42 (deve ser alguma piada com o mochileiro das Galáxias, que eu não resenhei aqui porque já li há muito tempo e não lembro dos detalhes).
Eles ficam surpresos: como assim, o protocolo 42? Isso realmente aconteceu? Sim. Olha só o babado.
Eis que pouco mais de 3 meses depois daquele vôo Paris-New York, o mesmíssimo avião aparece no radar do aeroporto americano pedindo para pousar. O pessoal da torre fica em choque, pois aquele voo já tinha pousado. Eles pedem para o comandante se identificar, dar seu endereço, fazem perguntas básicas e acionam o FBI, que desvia o pouso para um aeroporto militar próximo.
E aí começa uma operação de guerra, pois o que aconteceu é que o avião inteiro, com tudo dentro, foi simplesmente duplicado por alguma força inexplicável. Ele pousou normalmente em março e depois, um clone perfeito pousa novamente em junho, sendo que todos a bordo imaginam que ainda estão em março.
Sem saber muito o que fazer, eles retiram todos os meios de comunicação dos passageiros e prendem todo mundo no avião até pensar numa solução. O assassino consegue escapar, sem entender direito o que está acontecendo e, com documentos falsos, retorna para Paris, onde mata o seu duplo (ninguém vai perceber mesmo…).
Os militares fazem uma força-tarefa, interrogam todos os passageiros, fazem acompanhamento psicológico e ninguém entende o que está acontecendo. Nesse meio tempo eles convocam cientistas para tentar explicar o fenômeno e líderes religiosos (juro que não entendi essa parte).
Bom, há basicamente três possíveis explicações: um buraco de minhoca que faz uma dobra no tempo (tipo aquele que aparece no seriado Dark da Netflix); a clonagem ou impressão 3D do objeto inteiro com tudo dentro ou, a terceira e mais plausível teoria, a de que sobrou pouca gente na humanidade com muita capacidade técnica e pouca diversão e estamos dentro de um game. Nesse caso, ou houve um erro, ou é algum desafio do game para nos testar.
Na verdade, essa teoria já foi pensada e levada a sério por muitos estudiosos, e ficou muito popular depois do filme Matrix. A melhor explicação até hoje para refutar essa teoria é que, se fosse um game, ele seria muito chato, porque se passam enormes períodos onde não acontece nada de interessante (nem no mundo e nem na nossa vida pessoal). Enfim.
O próximo passo, inevitável, já que tem outros governos envolvidos (os passageiros são de várias nacionalidades), é liberar esse povo para o mundo. Os psicólogos americanos acompanham cada caso e cada encontro e tem as dificuldades práticas, mesmo que os governos ofereçam os documentos e identidades adicionais necessárias.
Alguns conseguem achar uma solução viável, como o músico nigeriano, que acaba formando uma dupla consigo próprio; outras pessoas, como a cineasta, não conseguem lidar tão bem com a novidade. Ela fica irada com o protagonismo dividido, assim como a atenção do filho. O escritor que descobre que em junho ele já estaria morto porque tinha se suicidado (e ganha uma segunda chance) e que seu livro, publicado nesse meio tempo, chamado de “A anomalia” é um grande sucesso. O piloto e mais alguns personagens têm seus encontros com seus outros “eus” acompanhados e documentados.
Aí começam as discussões (bem superficiais, na minha opinião), sobre a origem e a evolução do fenômeno com entrevistas sensacionalistas em programas de TV e talk shows com convidados duplicados e piadinhas óbvias.
A segunda metade trata de dar um destino para cada personagem apresentado na segunda parte, com seus dramas pessoais, tragédias e crises existenciais. No final, tem até uma surpresinha (que achei meio óbvia, mas, enfim).
O que posso dizer? Gostei dessa ficção especulativa (não sei se está corretamente classificada, mas entendo por ficção especulativa o gênero de história que se desenrola a partir de um fato absurdo aleatório), mas sinceramente esperava mais.
Está longe de ser ruim, mas, sei lá. Para mim, ficou faltando alguma coisa.
Se quiser formar sua própria opinião, tem uma versão em português disponível. É só clicar aqui.
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