Selfies, como se sabe, são aquelas fotos que as pessoas tiram delas mesmas e compartilham nas redes sociais. O objetivo de um selfie é se exibir, mais nada. Mostrar aos outros que a pessoa está num lugar bacana, numa situação desejada, num dia de cabelo bom ou se sentindo bonita. O foco não é o outro, mas o adorado umbigo, a manutenção da própria auto-estima. Em princípio, não há mal nenhum nisso; é natural do ser humano querer ser amado, querido e desejado.
O problema é quando isso acontece com empresas que pregam a preocupação com o cliente, com as pessoas, com o social, com o mundo, com o planeta, e acabam perdendo a coerência pela vaidade de um selfie.
Acompanhe.
Nos objetivos estratégicos, a empresa diz que sua missão é cuidar, respeitar e entregar valor para seus clientes e colaboradores, além da sociedade em geral. Com variações não tão amplas, é o que mais se vê por aí.
Só que a prática não bate, e é fácil perceber por que. É que no objetivo seguinte, a visão, a frase começa com: “ser referência em….” ou “ser líder em….” ou ainda “aumentar a participação no mercado x e y…”. E o pior: divulgam isso em quadrinhos espalhados por toda a empresa e no site, para os clientes admirarem.
Vamos relembrar os conceitos dos objetivos estratégicos para descobrir onde está o problema.
A missão deve descrever o motivo pelo qual a empresa existe (e não é só ganhar dinheiro, senão ela poderia ser uma organização de tráfico de drogas muito lucrativa, por exemplo). Dinheiro é a geração de riqueza, o resultado e a recompensa pelo valor que a empresa entrega à sociedade. Então, a missão é o que a empresa oferece de valor, e para quem. Para que a empresa existe, seu propósito, a razão de sua existência.
Os valores e princípios, são os pilares, os limites, o que a empresa considera relevante; o que ela usa como base para a tomada de decisão. A partir daí, a gente pode inferir o que a empresa é capaz de fazer, e o que ela não faz de maneira alguma.
Mas o grande problema que tenho visto é o entendimento do que vem a ser a visão.
A visão é o resultado direto da missão. Se a empresa sabe qual é o seu propósito e o valor que entrega, com certeza é porque consegue enxergar um cenário futuro desejado que reflita o resultado do seu trabalho. Então, se minha missão é educar crianças, minha visão tem que descrever um mundo onde as crianças sejam educadas como resultado de meu trabalho.
A visão é o que a empresa enxerga, a descrição do cenário que ela vê no seu futuro; é o resultado direto do trabalho que ela faz e do impacto que causa no mundo.
Assim, fica fácil entender que a visão descreve um panorama, uma cena externa, o mundo afetado pelo trabalho que a empresa faz. “Ser referência”, “Aumentar vendas”, não são impactos causados pelo valor que a empresa entrega, não são descrição de cenários que traduzam valor para os outros, principalmente para seus clientes.
Eu, como cliente de uma empresa, pouco me importo se ela é referência, se está vendendo mais ou menos. Quero saber do valor que ela entrega para mim e a diferença que faz no mundo. “Ser referência” é ego, espelho; nunca valor. Em última análise, selfie.
É o mesmo que eu, como profissional, começar minha visão com “ser rica e famosa”. Pode até ser um desejo particular da pessoa (de minha parte, quero ser só rica…rsrs), mas jamais deve ser projetada e divulgada como o cenário resultante de minha participação profissional no mercado.
Não é valor para ninguém o fato de eu me tornar rica e/ou famosa, ser referência ou aumentar minha participação no mercado. Isso não interessa para os outros, não é descrição de cenário ideal de um mundo melhor por causa do meu trabalho nem aqui e nem em qualquer outro planeta do sistema solar, garanto.
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Em tempo: descobri que minha missão é aprender para compartilhar; entregar valor em forma de informação e inspiração.
Minha visão é um mundo com mais pessoas inspiradas, críticas e curiosas; quero trabalhar para ver isso.
Olha, mas se ficar rica com isso, juro não não vou reclamar…rsrsrs
Ana Possas
Oi Lígia! Ótimo texto. Fiquei pensando no quanto muitas organizações ainda estão despreparadas ou mal orientadas a respeito de sua visão. Enquanto lia, fiquei pensando sobre quais seriam minhas missão e visão. Bem similares às suas. A palavra inspiração estava no meio. Tive uma aula com o Tio Flávio e ele citou você, disse que estaria em BH. Uma pena o tempo estar tão corrido. Queria muito conhecê-la pessoalmente. Um abraço!