Mesmo não sendo especialista em carreiras, é muito comum receber e-mails de pessoas pedindo uma luz. Como sou adepta da “regra de ouro”, sempre respondo da melhor maneira que posso, até para compensar o tanto de gente bacana que me ajudou ao longo da vida nessas dúvidas existenciais tão incômodas.
Recebi semana passada a mensagem da Vera (mudei o nome para preservar a identidade). Ela é bióloga, mas está muito insatisfeita com o salário de menos de R$ 1 mil. A Vera mora num pólo petroleiro e começou agora a cursar engenharia nessa área, pois quer muito melhorar sua situação financeira. Por sorte, a moça conta com o apoio da família, mas está bem perdida, pois o curso é bem longo e ela queria uma solução mais rápida para o problema. A Vera acredita que, de alguma maneira, posso ajudá-la. Olha, vou tentar, mas não sei se ela vai gostar do que vou dizer. Estou publicando o caso aqui porque penso que tem muita gente em situação parecida; vira e mexe alguém pergunta como está o mercado para a profissão X; se ganha bem e tals. Vamos lá, então.
A primeira coisa a se analisar é que há biólogas ganhando muito bem. São poucas, é verdade, mas existem (eu mesma conheço algumas). Sabe por que elas têm tanto sucesso? Porque estão oferecendo ao mercado algo que as outras biólogas não oferecem – essas profissionais de sucesso fizeram cursos e especializações, desenvolveram métodos e criaram valor. Além disso, investiram em uma rede de contatos e na comunicação de sua competência. Publicam artigos, compartilham conhecimentos, desenvolvem habilidades. E são referências na sua área.
Em qualquer profissão é assim: existe uma massa enorme que vive de salário e faz o que os outros mandam fazer; essas pessoas são facilmente substituíveis e são aquelas focadas no salário base e no dissídio da categoria. Morrem de medo de perder o emprego, com toda razão, pois são profissionais commodities. Sabe o que é commodity? É arroz, feijão, açúcar. Aquelas coisas que chamamos pelo nome genérico, pois não importa muito de que marca sejam; cumprem a função de maneira muito parecida. Então, quando uma empresa diz que precisa contratar 15 biólogas ou 23 engenheiros, serão, na maior parte, commodities. Vão ganhar um salário padrão e os tais tickets e vales.
Mas há também os profissionais de marca, aqueles que custam mais caro. Eles têm um preço maior porque geralmente entregam mais valor. E, não custa lembrar, valor é sempre do ponto de vista de quem está pagando, ou seja, do cliente. Uma pós-graduação só é valor para o cliente se realmente o conhecimento for aplicado para fazer alguma diferença perceptível. Se a pessoa é cheia de diplomas mas faz exatamente o mesmo trabalho do que quem tem apenas a graduação, pra que pagar mais caro, não é mesmo? Você quer um encanador com MBA custando 10 vezes mais? Não, a gente quer alguém que conserte a torneira. Se tem um monte de gente que conserta torneiras, vou escolher pagar o mínimo. Agora, se o encanador com MBA bolou um sistema revolucionário para economizar 90% de água sem ter que mexer nos canos que já existem, ele pode custar mais caro sim, e muita gente vai contratá-lo.
Pense nas coisas que você consome: algumas você escolhe pelo preço, outras, você paga mais caro porque faz questão daquela marca. Não importa se o objeto vale de fato realmente mais, pois valor é um conceito subjetivo. Tem que valer mais para quem está pagando e ponto final. Pode ser que eu me sinta mais confiante, pode ser que todo mundo do mundinho fashion use ou pode ser que eu pague o triplo do preço em um sabonete só por causa da embalagem. Isso não vem ao caso; o que importa é que o cliente percebe valor, e por isso ele paga mais. Não custa lembrar que comunicação, nesse caso, é essencial. Tem todo um trabalho de marketing pessoal e construção da marca que precisa ser feito para que os clientes saibam que você existe e desejem o que você tem para oferecer.
O que será que é valor para quem contrata uma bióloga? Quais as oportunidades que existem de criar algo que ninguém pensou ainda? Sei lá, pode ser que você goste de desenhar e monte um curso de biologia avançado em quadrinhos. Ou se especialize no desenvolvimento de jogos para celular envolvendo conteúdo de zoologia para vestibulandos. Sua cabeça, sua paixão, sua coragem e criatividade são o limite. O foco precisa ser criar valor, não o que será escrito no contracheque (que, nesses casos, muitas vezes sequer existe).
Mas repare que é preciso que a pessoa tenha paixão pelo que escolheu estudar. O bom é que, em se tratando de vida profissional, fidelidade não é qualidade. Seja promíscua, misture áreas de conhecimento diferentes, explore novas possibilidades. Talvez você nem goste tanto de biologia, mas pode aproveitar o conhecimento que já tem para misturar algo que você adore e fazer algo novo que tenha valor para as pessoas.
Investir em outra profissão mirando no contracheque é o caminho certo para repetir a situação atual: você se forma e vira commodity, cujo principal objetivo é ficar prestando atenção em quanto foi o dissídio da categoria esse ano. Desperdiça todo o conhecimento de acumulou e vive uma vida de risco (apesar de parecer o contrário); viverá com medo da empresa demiti-la por causa da crise e reclamará do governo até se aposentar miseravelmente pelo INSS.
Ah, e vale lembrar: não quer investir, não quer ousar, prefere simplesmente aplicar as regras burocraticamente e viver entediada, porém, com o contracheque gordinho, faça um concurso público daqueles que pagam bem. Você até pode entregar bastante valor (conheço funcionários públicos excelentes), mas a acomodação não representará um risco sério para sua carreira.
Mas se você quer mais que dinheiro, quer se realizar profissionalmente e pretende fazer realmente diferença na vida das pessoas destacando-se no meio da multidão, ponha a cabeça para ferver. Crie alguma coisa nova, descubra que conhecimentos você precisa adquirir para colocar isso em prática (pode ser que uma pós-graduação resolva). Isso pode se refletir no contracheque obeso ou num contrato sensacional; ou pode dar tudo errado. É um risco, claro.
Mas acredito que risco mesmo, daqueles de morte, é passar a vida como commodity.
Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br
larissa
valeu lígia, eu precisava ouvir isso! sabia q eu não estava errada! heh
EDYANA
LIGIA MUITO BOA A SUA MATERIA , PARABENS , VC É DEMAIS
ABRAÇOS
Mayco
Parabéns, até pareci mentira, risos…só que o mercado é assim e sempre vai ser.
MARCELA
VOCÊ DESCREVEU A ANGUSTIA QUE VIVO NO MOMENTO.. FORMANDO EM PUBLICIDADE E AINDA NÃO CONSEGUI EMPREGO FIXO NA ÁREA ..TÃO COMPETITIVA E CHEIA DE MENTES CRIATIVAS.
Mateus Mello
Infelizmente (ou felizmente) é isso aí mesmo. O problema são as faculdades com aqueles anúncios de pessoas extremamente felizes segurando um canudo. Vendem a idéia que simplesmente após a noite da formatura (da noite pro dia), pronto, agora você é outra pessoa, um profissional e que mercado tem que absorver e pagar um ótimo salário, apenas porque você é bacharel em algo. Infelizmente o mundo não é tão doce assim, nem médico mais fica rico quando se forma…
Rafael Valentini
Vejo muito disso diariamente. As pessoas se acomodam e ficam exercendo seu trabalho sem se arriscar e tentar fazer algo além e se contentam com isso. Tem até aqueles que conseguem um trabalho relativamente bom e estacionam a sua capacidade de melhorar porque acham que está tudo alcançado e não precisam mudar nada, acabam se tornando pessoas que podem até ter talento, mas, que logo logo vão ser atropeladas por outras pessoas com sede de inovar e mostrar seu trabalho sempre.
Carla
Olá!
Para ganhar diferencial uma boa dica é fazer algum trabalho voluntário. Consegui meu primeiro emprego graças a um estágio que realizei, gratuitamente. Meu chefe na época disse que foi meu diferencial na hora da seleção. Agora estou envolvida em outro projeto, também voluntário, e estou conhecendo pessoas maravilhosas, uma ótima experiência!
Adoro esse blog, sempre que posso passo por aqui!
Abraço!
Carla.
ligiafascioni
Oi, Carla!
Você tem toda razão! Inclusive, eu já tinha colocado essa dica na coluna Currículo Vazio, cujo texto está no livro “Atitude Profissional: dicas para quem está começando“. Esperta você que sacou logo o caminho. Parabéns e muito sucesso!!!
Carla Algeri
Olá!
Não sei se conta no seu livro, mas algumas vantagens para quem faz trabalho voluntário em OnGs:
– Você aprende a fazer muito com pouco $$$
– Você aprende a negociar e a defender ideias, pois, como tem pouco $$, precisa buscar patrocínios e parceiros
– Vai trabalhar com pessoas motivadas e entusiasmadas
– Para quem está desempregado, é uma forma de manter o nome no mercado de trabalho e fazer contatos
Abs,
ligiafascioni
Ótimas dicas, Carla! A mais pura verdade. E esse povo de currículo vazio reclamando da vida e falta de oportunidade. Me dá um cansaço….eheheh
Parabéns e obrigada!
André Crevilaro
Artigo de estudo, parabéns pelas sábias palavras. As pessoas sensatas devem ter esse tipo de percepção para não se tornar apenas voltadas para um tipo de ganho, o material é apenas uma consequencia de um trabalho realizado com paixão.
João Venuti
Lígia, parabéns e obrigado por mais essa pérola.
Tenho uma nutricionista lá em casa parecida com essa bióloga, quem sabe assim de “mulher pra mulher” agora ela vai entender.
Abs,
ligiafascioni
Oi, João!
Não é tão fácil entender não. A cultura do século XX foi toda moldada em “faça a sua parte e tudo dará certo”; só agora é que estamos nos dando conta de que a nossa parte inclui muito mais do que a gente pensava; inclui até pensar na parte dos outros. Vai levar um tempo até todo mundo se acostumar com a ideia de que diploma não é sinônimo de emprego e salário bom.
Boa sorte para a sua nutricionista (que luxo ter uma nutricionista em casa, heim? Olhaí um nicho a ser explorado…eheheh).
Júlia
Oi Lígia!
Que texto fabuloso! Incrível como, apesar da essência ser óbvia, que o diferencial é que agrega valor, as pessoas têm dificuldade em perceber isso!
Fantástico, inteligente, inspirador!
Beijos
Vinicius
Parabéns Ligia, é otimo no meio de uma tarde entediante ler algo que te de motivação e acrescenta algo em nossas vidas.
ligiafascioni
Que bom, Vinícius! Obrigada e sucesso!
Robson Moulin
Olá Ligia!
Me identifiquei totalmente com seu texto pois no exato momento estou em fase de transição e deixando de ser um”commodity”
Aliás me deu mais inspiração para seguir em frente!!!
Parabéns!
ligiafascioni
Que bom, Robson!
Então boa sorte e muito sucesso nessa nova fase 🙂
Robson Moulin
Obrigado!
Hugo Oliveira
Olá Lígia, parabéns pelo texto! Eu sempre fui da ideia de quem faz o seu sucesso é você mesmo (claro que podemos ter alguns obstáculos maiores, além do nosso alcance), mas somos nós mesmos quem fazemos as escolhas: ser um profissional commodity ou não.
Aqui na empresa do qual eu trabalho fui encarregado de produzir um logo para um evento institucional e buscava alguns textos de referências para me ajudar na produção e eis que me deparo com o seu artigo. =)
Abraço
ligiafascioni
Que bom, Hugo!
Com certeza você vai achar outras coisas aqui que também podem lhe ser úteis.
Obrigada e volte sempre!
Abraços e sucesso 🙂
Andre Alan
Muito bom o seu texto, terá muita serventia pra mim.
Parabens Ligia Fascioni
Cícero Alex
Sei que o texto foi escrito já a algum tempo, mas agora que o encontrei e não poderia deixar de comentá-lo. Apesar da autora dizer inicialmente que não é especialista em carreiras, possui uma clareza sobre o assunto que é bem perceptível. Adorei quando falou sobre o leque de possibilidades que a pessoa pode explorar, incluindo mesclando com outras áreas, o que é algo extremamente necessário, principalmente nos dias de hoje, enxergar o conhecimento de maneira sistêmica. Fiquei bem interessado nos seus textos e vou acompanhar seu blog Lígia. Tudo de bom e continue assim, compartilhando suas ideias.
ligiafascioni
Que bom, Cícero!
Obrigada e seja bem-vindo!
Abraços