Para a primeira coluna desse ano, escolhi um tema relacionado ao mercado. Estou cansada de ouvir as pessoas dizerem que fazem propaganda de tal jeito porque é o que “o mercado quer“. E a identidade, onde é que fica?
A ESFINGE DO MERCADO
21-01-2008 “Mas o mercado quer!” Nas minhas consultorias em identidade corporativa, ouço essa frase o tempo todo, principalmente quando o resultado do diagnóstico diz que a empresa possui um atributo essencial que contradiz o que está na moda.
Sempre digo que é mais fácil a gente parecer o que é de verdade. Mais fácil, mais seguro, mais barato, mais honesto e mais lucrativo, por estranho que possa parecer. O problema é que os gestores andam intoxicados por revistas, livros e consultores que não páram de repetir mantras como “inove ou o mercado te mata”, “mercado quer isso ou aquilo”. Assim, é compreensível o susto que um empresário leva quando preciso dizer a ele que a sua empresa é conservadora na sua essência (esmagadora maioria), ou que ela não tem uma preocupação ambiental que se destaque da média. É aí que eu ouço: “Mas o mercado quer o contrário! Preciso passar uma imagem de inovação e preocupação ambiental! A identidade é importante, mas tenho que dar o que os clientes querem para sobreviver no meu negócio!!”.
Sobreviver fazendo teatro? Na minha opinião, até uma companhia de teatro precisa ser fiel à sua identidade. A tentação de ignorar o que se é e divulgar o que você acha que o mercado quer ouvir é quase irresistível. Mas fuja dela se quiser sobreviver, e, principalmente, se quiser se destacar.
O que o mercado quer mesmo é verdade. É melhor você assumir suas características e torná-las um diferencial positivo, do que investir muito tempo, muito dinheiro e muito desgaste para mudar a sua essência (sem garantias de conseguir) e ficar igualzinho ao que todo mundo diz que é (inovador, ético, valorizador de pessoas, respeitador do meio ambiente, blá,blá,blá…).
Essas frases marketeiras sobre as querências do mercado se parecem muito com as daqueles livros bobinhos de auto-ajuda que ensinam “o que as mulheres querem”, “o que os homens desejam”, “o que fazer para agarrar um solteiro” e outras bobagens afins. “O que o mercado quer” é uma afirmação muito genérica. O tal do mercado é uma entidade complexa e cheinha de nichos. Cabe a cada empresa encontrar um para chamar de seu, justamente aquele que gosta dela tal como é.
A menina é gordinha? Em vez de ficar violentando a sua natureza e passar uma vida rejeitada, plena de sacrifícios e sofrimentos, mais valeria investir seu tempo procurando rapazes que gostem justamente de gordinhas (há muitos). O fulano é narigudo? Em vez de fazer plástica e ficar com a cara de todo mundo, por que não identificar uma moça com uma tara secreta por essa parte anatômica? Repare que há modelos com sinais de nascença, levemente estrábicas e até narigudas, que se destacaram justamente por não ser o que “o mercado” esperava.
Essa mania de se espelhar nas líderes é muito boa referência, mas há que se ter comedimento. Quando você se espelha em um ícone, corre o risco sério de perder a própria personalidade e se tornar um clone mal acabado de alguém famoso.
Na literatura especializada chovem contradições. Consultores dizem que você tem que se diferenciar, mas aconselham a fazer o que todo mundo faz. Aí fica tudo igualzinho. Não é um paradoxo?
Aceitar e assumir a própria identidade é o primeiro passo para fazer diferença. E, principalmente para descobrir, afinal de contas, o que é que esse tal de mercado tanto quer.
Thiago Valenti
Ligia, falando em mercado, e como ele sempre recebe as dores de cada “idéia inovadora” que não deu certo, o Manifesto Anti Design fala um pouco disso. Você já leu?
Não sei quem escreveu, mas serve pra gente repensar o que a gente faz todos os dias, para o “mercado”.
http://www.manifestoantidesign.com/
ligiafascioni
Caro Thiago!
Não conhecia o “Manifesto”. Li e achei-o interessante, apesar de discordar de boa parte. Sou daquelas que acha que quebrar regras deve ser exceção, e é preciso conhecê-las muito bem e dominá-las para fazer isso com propriedade. Muita gente sai por aí fazendo coisas da própria cabeça sem nenhum embasamento técnico ou conceito por pura falta de conhecimento e diz que está fazendo inovação. Desculpe, mas sou totalmente a favor do design, não do anti-design, como prega o manifesto. De qualquer forma, a discussão é bastante válida! Obrigada pela dica.
Thiago Valenti
Lígia,
Quando eu li o manifesto achei, no mínimo, interessante, e despertou a minha atenção. Principalmente por que é uma crítica ao design, e à sua atuação na sociedade, e acho que as vezes falta questionamento em relação ao que estamos fazendo para a sociedade.
Sem dúvida, o manifesto é altamente empírico, muita coisa eu nem entendi o porque de constar no mesmo, e também não entendi o tal termo “anti-design”. Não acho que é o contra que melhora o atual estado, porém, acredito que o design se morfou para uma ferramenta de mercado para expremer um pouco mais de dinheiro dos tais consumidores (agora, pelo jeito, a moda é chamar de shopper).
É uma visão utópica achar que design não é relacionado ao mercado, com certeza é, mas as atuações do design estão sendo mediadas apenas para se tornar uma ferramenta mais lucrativa. Isso, eu acredito, é que é ruim (onde está o tal benefício à sociedade através do design?).
PS: claro que nós (pessoas comuns) também precisamos do lucro (salário), pois vivemos no meio do dinheiro, e por ele investimos horas da nossa vida, para (sobre)viver.
PS2: nossa, desculpa o tamanho do comentário, não era pra ser tão grande assim.. =]