Olha, preciso começar revelando uma coisa que carrego comigo desde que comecei a escrever e publicar resenhas no meu blog e no podcast Minha Estante Colorida: eu evito ao máximo, mas ao máximo mesmo, resenhar livros de pessoas conhecidas ou amigas.
É que eu só me sinto totalmente à vontade de falar sobre um livro, emitir a minha opinião, minhas críticas e observações se eu não tiver nenhuma relação afetiva com a pessoa — é que se o autor não me conhecer, nem souber que eu existo, não vai criar expectativas. É claro que não saio jogando pedras em desconhecidos (vai que um dia a gente se encontre…rs). Mas sabe aquele nervoso que dá “e seu eu não gostar de alguma coisa?”. Ou se eu gostar, mas não tiver mais que um parágrafo para falar a respeito?
Nesse caso eu não publico e a pessoa fica: “ah, mas você falou do livro do Fulano e não do meu…estou aguardando ansiosamente” — e eu quero falecer. Então, mesmo que eu adore o livro de Fulano, não resenho nenhum para escapar dessas situações (desculpaí, Fulano…rs) — e olha que recebo pelo menos um pedido por semana de gente querendo me mandar livros…
Em minha defesa, posso dizer que só dois dos meus 9 livros estão resenhados no podcast, e mesmo assim, de maneira meio burocrática. Minha mãe é escritora, já publicou 4 ou 5 romances espíritas e também nunca resenhei nada dela. Tenho vários amigos escritores e suo frio quando alguém fala que gostaria de ver seu livro resenhado aqui (fico realmente sem jeito).
Pois é, falei tudo isso só para tentar explicar: eis que acabo de receber o “Não enrole: um guia para falar bem em público e na Internet”, da Sheylli Caleffi e não consegui desgrudar o olho dele.
Não apenas porque o assunto muito me interessa, mas também porque sou grande fã dessa moça. E fico feliz em escrever de boa sobre o tema porque nunca encontrei a Sheylli pessoalmente e só conheço essa linda das redes sociais, então distorci totalmente o conceito de amizade para conseguir resenhar o livro dela aqui (dá para ver que meus critérios são totalmente aleatórios e não se sustentam…rsrsrs).
Gente, mas a questão é que esse livro está demais! Sério, vocês não têm noção! Para mim ela está no mesmo nível de excelência dos dois livros do guru do Steve Jobs, o também ótimo Carmine Gallo (resenhas aqui e aqui).
Sendo palestrante há pelo mais de 15 anos, achei que já tinha lido de tudo sobre como dar palestras e fazer apresentações. Mas não é que ela conseguiu bagunçar e depois reorganizar tudo o que eu sabia sobre o assunto?
INGREDIENTES
A Sheylli trabalha há mais de 20 anos ajudando pessoas a se prepararem para falar em público, seja numa entrevista de emprego, seja num programa de televisão, seja num vídeo para o tiktok. Ela acabou desenvolvendo um método e diz que a gente devia pensar em comunicação como uma receita: ingredientes (conteúdo) + preparo (formato) + servir (performance).
Pense no ingrediente batata (que pode, sei lá, ser seu conhecimento sobre macroeconomia). Dá para preparar de muitas formas diferentes (assada, cozida, recheada, purê, enfim, vários formatos).
Na hora de servir, também varia: pode ser direto da panela, num prato, num canudinho de papel, numa mesa bem decorada — em cada caso, a experiência vai ser totalmente diferente (apesar da base da apresentação ter o mesmo ingrediente).
Todas as etapas são importantes e podem estragar o resultado final se a gente der menos atenção a qualquer uma das partes.
O conteúdo é o coração da mensagem, a ideia central (argumentos, exemplos, experiências, ou seja, o repertório de quem está apresentando).
O formato é a maneira como a gente estrutura a nossa fala. A apresentação vai começar com um exemplo ou um conceito? Vai fazer alguma promessa no começo? Vai realmente entregar o valor prometido no final? O roteiro vai ser linear? Vai usar metáforas, dados, argumentos? Quanto tempo para cada parte?
A performance é o seu jeito de servir ou apresentar tudo isso; depende se suas características pessoais, sua postura, seus gestos, seu corpo e sua voz.
A Sheylli diz que a maioria do povo que a procura já se comunica razoavelmente bem; ela apenas aprimora e fornece mais recursos para que fiquem ainda melhores.
E o primeiro exercício é analisar em qual das etapas a pessoa tem alguma dificuldade. E ela dá exemplos (talvez você se identifique com algum).
Se sua maior queixa é “Acabei de ser promovido; cheguei ao patamar de pessoas que admiro e não me sinto apto”, provavelmente você precisará investir mais no conteúdo.
Se você é do tipo “As pessoas não prestam atenção no que eu falo, não consigo manter a audiência interessada, mesmo dominando o assunto”, então talvez o problema seja o seu formato.
Mas se à sua cabeça vem algo como “queria ser uma pessoa mais comunicativa; meu sonho é ser o centro das atenções, mas sou introvertida e não consigo”, bora prestar mais atenção na performance.
No livro, a Sheylli vai usando uma linguagem bem informal e direta, como se ela estivesse dando uma consultoria para você. Ela recomenda a pessoa definir um desafio, uma apresentação, mesmo que seja fictícia; é só para alinhar os seus objetivos.
CONTEÚDO
Nessa parte do livro que ela fala apenas sobre a ideia ou o conhecimento que você quer transmitir. Aí, a chave é conhecer a sua audiência e, dentre as infinitas possibilidades de variação sobre o tema (por exemplo, nutrição), você escolher uma mais específica.
A ideia é, se após a sua apresentação você perguntar para alguém que assistiu um resumo do que ela se lembra, o que você gostaria que ela respondesse? Aqui alguns exemplos:
“Nossa, não tinha pensado nisso!” — Nesse caso, você precisa ter argumentos inusitados ou inovadores.
“Preciso mudar tal hábito urgente!” — exemplos do tipo antes e depois podem ajudar a conseguir esse resultado.
“Esse palestrante é incrível; vou procurar mais sobre ele” — aqui o desafio é surpreender a audiência, citar outros projetos que você participa e se mostrar acessível, por exemplo.
Sheylli também fala sobre como construir bons argumentos e testá-los se eles são suficientemente sólidos, interessantes, inovadores e se funcionam para essa audiência. Ela cita Aristóteles ao mostrar que podemos fundamentar os argumentos na autoridade, na lógica ou na emoção, dependendo da situação.
Nessa parte, ela também mostra a importância de se ter um briefing e ajudar a construi-lo. Lá deve ter as informações mais fundamentais como público, objetivo, motivação, data, tempo, recursos (dinheiro, equipamentos, equipe, parceiros, local, etc). Também deve conter a “grande ideia”, que vai nortear a apresentação.
FORMATO
O formato é a maneira como você vai contar a história; pode ser um roteiro clássico. Para mim, essa parte foi uma descoberta, porque a Sheylli não recomenda, mesmo numa apresentação clássica, que a gente se apresente no início (“Eu sou fulana” e depois dar uma resumida no currículo). A minha ideia sempre foi mostrar que eu tinha qualificação e algum conhecimento para estar ali no palco, falando.
Pois a moça quebrou minhas duas pernas quando falou que ninguém quer saber quem você é. Aceite que dói menos…hahahaha… amei isso!
Todas as suas informações já estão na divulgação do evento; se as pessoas estão lá sentadas, ouvindo, essa parte já foi resolvida. Ela diz que primeiro a gente precisa deixar as pessoas curiosas e interessadas; nos primeiros momentos da palestra, elas ainda não sabem o quão interessante você pode ser.
A receita então seria fazer uma apresentação geral sobre a “grande ideia”, mostrar alguma transformação ou mudança que essa ideia gerou ou pode gerar, aí então talvez encaixar algum case da sua vida que mostra um pouco da sua história, mas que também tenha a ver com o tema. Por último, no encerramento, seria como uma visualização do futuro — o que pode mudar com o que você apresentou.
A parte opcional, de acordo com a plateia e objetivos, é o que a gente chama de chamada para a ação (CTA em inglês). Pode ser uma provocação para conhecer mais seus cursos, pode ser uma chamada para a pessoa contratar você, pode ser um desconto para um produto, enfim.
Mas além do roteiro clássico, Sheylli nos traz mais algumas alternativas:
- Roteiro “Cabeça da audiência”
- Roteiro “Eu, nós e o mundo”
- Roteiro de Transformação
- Roteiro Piramidal
- Roteiro Rápido
A autora ainda fala sobre a importância de se pensar na história que está sendo contada e seus pontos altos e baixos (para evitar a monotonia). Ela fala ainda sobre criatividade, sobre como chamar atenção e como usar os recursos visuais (com e sem powerpoint).
Também tem ferramentas para ajudar na condução da mensagem como perguntas norteadoras, apresentação do problema e da solução, case de sucesso, uso de personagens, storytelling, história pessoal, erro, provocação, lista, bordão, cenários, e mais um monte de outras possibilidades, cada uma delas detalhadamente explicadas com exemplos (são 30 opções!).
PERFORMANCE
Aqui ela fala sobre como mostrar quem você é de verdade e se tornar único. Para isso, temos a comunicação verbal (entonação, modulação, velocidade, dicção, sotaque, respiração, opções de linguagem, erros de português) e a comunicação não verbal (postura de palco, gestos, expressões faciais e corporais, emoção, nervosismo, presença).
Ela tem sugestões maravilhosas para combater a timidez, nervosismo e ansiedade, como usar bem o microfone, como colaborar com a equipe técnica.
Outra dica utilíssima: evite anunciar o que vai dizer ou concluir o que já disse. Em vez de dizer “Hoje vou falar sobre o futuro do trabalho”, uma alternativa seria “Você já imaginou como seria o trabalho num mundo sem telas?”.
Tem as questões mais básicas como prestar atenção no tempo, da gestão de expectativas, de como (não) falar sobre si mesmo, como usar frases empáticas, o papel da opinião pessoal, as perguntas retóricas, sobre a leveza, as manias e como usar a distração do público a seu favor (essa é ótima!).
Por último, a linda ainda nos presenteia com um capítulo inteiro sobre apresentações on-line: como fazer um vídeo/live/call/apresentação em casa (plataformas, iluminação, acessórios, enquadramento, o que fazer com os braços (preciso demais treinar essa parte…rs), o olhar e a movimentação, cenário, som, qualidade da imagem e do som, testes, papeis e responsabilidades, como “planejar” improvisos, como interagir com a audiência, acessibilidade, a importância do feedback.
Nessa parte, ainda tem 17 dinâmicas bem explicadinhas que você pode usar, dependendo do contexto e objetivo da apresentação.
E a cereja do bolo é uma lista deliciosa de coisas que podemos aprender sobre conteúdo, formato e performance aí pelas internets da vida.
E falei que isso era a cereja? Errei. Ainda tem mais. O bolo tem dois andares!
Junto com o livro ainda vem um jogo de estratégias narrativas para você exercitar sua comunicação, com cartas de estratégias que você pode usar e cartas de cenário, que simulam uma situação (tem de tudo; desde apresentar uma ideia para alienígenas até você se apresentar num almoço de família para os pais do seu amor).
Bom, então vocês são testemunhas que não tinha como não amar. E dá para comprar o seu exemplar na Amazon do Brasil clicando aqui.
E boas apresentações para todo mundo!
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