Acabei de ler “Diebe der Schöneheit“, de Pascal Bruckner e, olha, posso dizer que gostei. Não foi tão fácil de ler porque não é um livro de ação (aqui os personagens pensam e filosofam) e as limitações com o alemão certamente me fizeram perder algumas sutilezas da escrita. Mas a história é fascinante, a ponto de me deixar impressionada. A boa notícia é que andei pesquisando e a obra já existe em português, com o título “Ladrões de beleza“.
Benjamin é um sujeito meio sem escrúpulos, preocupado basicamente com sua sobrevivência e bem-estar. Não é um mau caráter, mas digamos que lhe falta um pouco de empatia. Por conta de um romance que ele escreve na forma de um mosaico de frases roubadas de autores célebres, acaba conhecendo Helène, uma parisiense jovem, rica e entusiasmada com o melhor que a vida pode oferecer. Ela praticamente adota Benjamin: compra-lhe roupas caras, ensina-o a apreciar bons vinhos e comidas, enfim, mima até não poder mais o moço, que está sempre entediado.
Eis que os dois estão voltando de um fim de semana nos Alpes e ficam presos na estrada por causa de uma tempestade de neve, perto de um vilarejo ermo. São socorridos pelo mordomo de um casarão próximo e aí começa o conto de horror.
*** Atenção: daqui em diante tem spoiler. Se quiser ler o livro pare aqui ***
O casal de proprietários é louco de pedra, ajudado pelo mordomo corcunda, fiel serviçal. A mulher, professora de filosofia, que teve uma juventude devassa e promíscua em busca de um sentido para a vida, é a chefe da quadrilha. Ela domina o marido, um advogado aposentado bem sucedido, e o mordomo. Juntos, eles constroem porões onde mantêm presas as jovens mais belas que conseguem encontrar.
A ideia é que gente bonita (serve para homens também, mas eles são mais difíceis de capturar) é culpada pelas outras pessoas se sentirem feias. Eles investigam a vida das eleitas e escolhem aquelas que usam a própria beleza para, de alguma forma, usar as outras pessoas. Fazem um tribunal próprio, sem que as “culpadas” tenham a menor chance de se defender, escolhem as vítimas, sequestram e as trancam por um ou dois anos, até que a beleza murche completamente e dela não sobre mais nada. As moças ficam no escuro, sozinhas, sem nenhuma informação, referência de tempo e nem o motivo pelo qual estão presas. Um belo dia, quando estão feias o suficiente, são devolvidas ao mundo completamente destruídas (e, na maioria dos casos, desequilibradas mentalmente também). Fiquei especialmente impressionada com a crueldade dessa descrição, cheguei até a sonhar com isso.
O casal acaba sendo vítima do trio e não consegue fugir. Não porque sejam modelos de beleza, mas porque acabam conhecendo o segredo. O acordo para que sobrevivam é que Helène seja mantida presa e que Benjamin viaje até Paris com o mordomo para capturar três exemplares de beldades.
Passam-se meses, e a coisa só piora. No final, Benjamin ainda descobre que os malucos são tão bem conservados porque o cheiro das moças é rejuvenescedor (achei um pouco desnecessária essa alusão sutil ao “O perfume” de Patrick Suskind).
Benjamin conta a história toda para uma jovem médica psiquiatra que está fazendo plantão num hospital em Paris que fica intrigada com tudo. Ela consegue conferir e confirmar algumas pistas; o que ele conta parece ser verdade, mas não há muito como ajudar. Quando ela visita o casarão, tudo parece abandonado.
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Vou abrir aqui um parênteses sobre uma experiência pessoal que me aconteceu, enquanto lia o livro. A Bee Rosa, que acompanho no Facebook, faz colares lindos a partir de flores naturais colocadas dentro de bolinhas de vidro. Ela me ofereceu um presente: faria um colar com minha flor preferida, bastaria colhê-la e enviar a ela pelo correio. Fiquei toda empolgada com a ideia, e coloquei uma caixinha pequena dentro da bolsa para ir recolhendo florzinhas lindas por onde passasse.
Mas na primeira, levei um choque quando abri a mochila: a caixinha era um quarto escuro. A flor estava toda feliz pegando um sol com as amigas e curtindo a vida. Eu fui lá, tirei-a do seu ambiente e ia trancá-la dentro de um porão sem nenhum motivo por um longo tempo, até que ela murchasse. Exatamente como na história. Não consegui fazê-lo (contei para a Bee e ela deve ter me achado louca).
Mas não deixa de ser um pouco assustador reproduzir, mesmo que em escala, comportamentos que a gente acredita serem tão cruéis. É triste ver que, às vezes, mesmo sem perceber, a gente busca acabar com a beleza e a alegria assim que as vê; como tantos se incomodam em ver os outros felizes e livres. A Bee me salvou dizendo que posso deixar as flores no sol depois de colhê-las; é um dos métodos de conservação que posso usar sem deixá-las no escuro, vou tentar.
Eu ainda estou digerindo o livro.
Coloquei uma flor dentro dele.
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