Mais uma coluna requentada para não deixar a peteca cair nesse blog em estado de semi-abandono…
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O mundo está cada vez mais lotado de gente. Falta água, comida, educação, cultura e justiça para a maior parte dos viventes, e se as pessoas continuarem a se reproduzir com essa desenvoltura, a tendência é só piorar. Mas penso que, a despeito dessas mazelas todas, as coisas que mais fazem falta mesmo são a gentileza, a delicadeza e a sensibilidade.
Imagino que esses traços de civilidade podem ser incutidos na formação, mas algumas almas os assimilam com mais naturalidade do que outras. Pessoalmente, invejo e admiro aquelas pessoas que nunca se envolvem em “barracos”, que têm total domínio sobre o volume da sua voz, que usam com freqüência as palavrinhas mágicas (por favor, obrigado, desculpe, com licença), que genuinamente se preocupam com o bem-estar de quem está junto e não diferenciam o tratamento de acordo com a faixa de renda ou cultura do interlocutor.
Lembro-me de uma vez em que participei de um seminário na Inglaterra, quando o Chairman e sua esposa, ao me desejarem um bom dia, perguntaram-me se eu havia dormido bem. De quantos eventos você já participou onde alguém da organização olha nos seus olhos e pergunta como passou a noite? Ou melhor, qual foi a última pessoa com quem você conversou que lhe fez essa pergunta?
Pode-se dizer que essas cortesias vêm da cultura, e os ingleses são famosos pela polidez. Mas já presenciei uma senhora bastante humilde dar lugar no ônibus a uma grávida em estado adiantado quando viu que todos os jovens presentes passaram a se interessar obsessivamente pela paisagem ou iniciaram uma meditação profunda de olhos fechados. Outras sutilezas, como abrir a porta do passageiro antes da do motorista ao dar carona para alguém (independente do sexo), permanecer atento quando uma pessoa está revelando algo pessoal (e depois não comentar com outros), sempre responder a e-mails, cumprir as promessas feitas, ser pontual, levar flores quando você vai jantar na casa de um amigo, deixar a passagem livre em lugares de tráfego (de pessoas ou carros), elogiar com sinceridade alguém que está merecendo, preocupar-se com o conforto de quem trabalha com (ou para) você.
De tudo isso, pode-se concluir que a arte da gentileza se resume em fazer o possível para tornar a vida do outro mais fácil, agradável e confortável em detrimento do seu próprio umbigo. Às vezes, isso dá algum trabalho, mas a maioria do gestos não configura nenhum sacrifício, ainda mais se “o outro” em questão também for adepto da prática. E o que é que o design tem a ver com esse papo?
O bom design leva em consideração o conforto, o bem-estar, a facilidade de uso, a sensibilidade e as limitações do usuário. O bom design é tão nobre e atencioso que até com o planeta ele se preocupa, já que todo projeto deve levar também em consideração o ciclo de vida e o descarte do produto.
Na prestação de serviços, o design entra nas interfaces de comunicação com as pessoas, tornando o entendimento claro e economizando o precioso tempo do cliente. A diagramação e estrutura dos documentos e manuais, a ambientação dos locais, a organização das informações, tudo deve colaborar para tornar a vida das pessoas mais fácil. Se o foco é o bem-estar do usuário, o design é uma contribuição não apenas luxuosa, mas necessária.
Mas conforto e atenção são apenas o básico – em uma era onde o consumidor deve usufruir de experiências sensoriais gratificantes quando em contato com a marca, só mesmo o bom design pode ajudar.
Quem me conhece sabe que estou muito longe ainda de ser uma dama, mas o bom design é um gentleman desde o berço….
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Coluna publicada originalmente em janeiro de 2007.
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