Tá bom, você, como eu, não consegue mais ouvir sobre o tal foco no cliente. É um tal de “nossa empresa tem foco no cliente, viu? Nós acordamos, comemos, trabalhamos, dormimos e sonhamos pensando em como fazer nossos clientes felizes” que não é fácil. Claro que na parede, não falta nunca uma declaração de missão e visão, espremendo a palavrinha mágica “cliente” entre previsíveis e entendiantes gerúndios, combinando bem com a moldura de gosto duvidoso.
E se em vez de ficar nesse teatrinho de roteiro ruim, as empresas realmente pensassem no cliente, só de vez em quando, para variar? Não precisa ser nada muito difícil para começar.
Brindes com a marca da empresa estampada de maneira bem discretinha dentro da pasta/sacola/bolsa já contribuiria muito para evitar a sensação de raiva que dá ao ver aquela pasta bacaninha totalmente destruída por uma marca gigantesca bem na frente (algumas tem o desplante de incluir alguma frase idiota com a palavra “cliente”).
Vamos falar sério: alguém que realmente pensa no cliente seria capaz de uma indelicadeza dessas? Estampar sua marca de maneira indiscreta, intrusiva e deselegante pode, em algum planeta, ser encarado como uma gentileza (que, de resto, pelo menos teoricamente, deveria ser o objetivo primeiro dos tais mimos)? Não seria muito mais fino ganhar um porta cartões de visita cuja marca do generoso patrocinador estivesse grafada discretamente do lado de dentro? Você não deixaria nunca de ver a tal marca, mas não nutriria um sentimento de raiva insana cada vez que a olhasse e, melhor, passaria a usar e valorizar de fato o tal brinde.
Outro exemplo bobinho: você visita uma página web porque quer um serviço simples, uma informação qualquer, até mesmo comentar um post em um blog e jogam, bem na sua cara, a tal CAPTCHA*. Você deve estar pensando que nunca foi vítima de um palavrão desses, mas eu explico. O sistema CAPTCHA é materializado em uma imagem contendo palavras graficamente distorcidas e pede para você confirmar o que está escrito em um campo apropriado. Sabe para que serve? Para que o administrador do site/blog tenha certeza de que você é um humano, e não um software tentando se fazer passar por um. É que há muitos softwares (também chamados robôs virtuais) que procuram endereços de e-mail e blogs para gerarem spam.
Ok, mas vamos analisar: você é o cliente, o visitante, ou seja lá quem for, que só quer obter as informações. Se a página está ou não sendo invadida, se o administrador está gastando sua beleza apagando spams, isso é problema dele, não seu; ele que se vire e instale um bom anti-spam. Você é cliente, não tem nada a ver com isso. Você é a razão do negócio, tem que ser bem tratado e poupado dessas chateações que não têm nada a ver com você. Por que o administrador impinge a você a resolução de um problema que é só e absolutamente só dele? E ainda tem empresas, pasmem, querendo fazer propaganda nos captchas. É mole?
Mais um exemplo: a maioria esmagadora dos hoteis estipulam o meio-dia como limite de horário para check-in e check-out. Para que isso? Ora, para resolver um problema de administração deles! De novo, você não tem nada a ver com isso. Você deveria pagar por cada intervalo de 24 horas que ocupa o quarto, sendo contados a partir do horário em que você entra, seja ele qual for. Alguns hoteis no mundo já acordaram para essa aberração administrativa que pune os clientes por causa de incompetências internas e têm horários de check-in e check-out flexíveis (deve ser porque o foco deles realmente está no cliente).
Esses dias fui fazer compras em uma loja e o dono do negócio alugou meus ouvidos um tempão reclamando das operadoras de cartão de crédito e que por isso ele só estava aceitando pagamento em dinheiro ou cheque. Beleza, concordo com tudo que ele falou. Mas isso é um problema dele, sacou? Eu prefiro pagar com cartão – ele que se resolva lá com a operadora. Se ele não resolver, lá vou eu para o concorrente que está mais preocupado comigo do que com as agruras do relacionamento da operadora (que, por sinal, deveria vê-lo e tratá-lo como um cliente; o tal apenas reproduz o comportamento equivocado como num modelo dominó).
E a menina da padaria que declarou, com a maior desenvoltura, que era melhor que eu tivesse troco porque ela estava sem? Melhor para quem, jovem senhorita sem-noção? Para quem mesmo?
Mais um caso: você vai a uma clínica médica, mas não tem vaga para estacionar. As únicas 3 disponíveis estão ocupadas com os carros dos médicos (o sujeito ainda me explicou que chega cedo porque é difícil de encontrar vaga na região). Tem como falar alguma coisa?
Isso é o que dá ficar chamando os clientes de público-alvo. Alvo é um objeto idiota que só existe com a finalidade de ser espetado. Os concorrentes disputam o alvo, mas nunca perguntam o que ele quer, o que ele sente, o que ele deseja. As empresas ganham sempre; já o alvo, nunca.
Empresas (e profissionais liberais, blogueiros, jornalistas, funcionários e mais todo mundo que tem clientes) parem de se hipnotizar com seu próprio umbigo e olhem com atenção para quem está do outro lado do balcão. Não é por nada não, mas já tem gente olhando, e com intenções bem sérias…
—–
* CAPTCHA: Completely Automated Public Turing Test to tell Computers and Humans Apart ou Teste Público de Turing Completamente Automatizado para Diferenciação de Computadores e Humanos.
Publicado originalmente em setembro de 2010.
Ligia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br
Felipe Genuino
É verdade Lígia, o cliente em primeiro lugar, sempre!
Clotilde ♥ Fascioni
Transmissão de pensamento; eu ia justamente te perguntar para que serviam essas letrinhas tortas insuportáveis. obrigadíssima ♥♥
Marlova
Bem realista teu post. Estou sentindo isto na pele com orçamentos para casamento, acrescentar esta palavra a alguns serviços e produtos parece uma forma de multiplicar os custos. Além de ter todo um modismo em relação á este assunto, o que faz com que algumas empresas queiram nos empurrrar serviços que não tem nada a ver conosco e nem ao menos estão abertas a nos ouvir.Fazer algo diferente, barato e que tenha a nossa cara não é tão simples, estamos nandando contra a correnteza.
Abraço!
Rogerio Fratin
Pois é, Lígia, tudo que você citou realmente faz muita diferença, pena que no sentido negativo.
Aliás, mais chato que o CAPTCHA, inclusive, eu acho os anúncios no meio do texto, posts comprados que você lê e só descobre no final [ou não descobre], aquelas palavras sublinhadas que você pensa que é um link do blog e na real é uma palavra automaticamente linkada pra outro site [e nunca tem a ver com o link] e publicidade aplicada como se o site fosse um jornal de classificados. Nada contra publicidade nos sites/blogs, mas contanto que seja feita de maneira menos agressiva [ok, é publicidade, deve ser meio agressiva, mas sem desrespeitar quem acessa] e declaradamente aplicada como uma publicidade.
E sinceramente eu acho que tudo isso vai piorar.
Bom o texto e a abordagem, adorei.
[ ]s
Fratin
ligiafascioni
Infelizmente, Rogério, acho que você está coberto de razão….
Abraços e obrigada pela visita 🙂
Marina Leal
Lígia! Adoro você, minha musa inspiradora!
Há umas semanas li este artigo, cujo autor também está até o pescoço de CAPTCHAS, mas ele encontrou alguns sites que conseguiram transformar a chatice e incomodação em alguns segundos de diversão! Confira:
http://www.cbsnews.com/8301-505143_162-45340885/the-worst-thing-to-put-on-your-company-website/?tag=contentMain;contentBody.
O que você achou?
Beijo!
João Carlos Teixeira
Oi Lígia. Tem uma forma de desrespeito ao cliente que você não citou, a do XX9,99. Isso é uma forma de tratar o cliente como imbecil (embora muitos o sejam). Outro dia fui ao supermercado aqui ao lado comprar carvão para assar uma carne e o preço era 6,99. Dei sete reais para a moça da caixa (da caixa registradora…rsrs) e ela me deu o tiket e mandou avançar o próximo cliente. Quando eu reclamei meu troco ela sorriu com desdém. Chamei o gerente e perguntei por que eles escreviam um preço na etiqueta e cobravam outro. Passei por sovina, mas todos da fila acabaram concordando que é uma enganação. Tem disso aí na Alemanha?
ligiafascioni
Oi, João!
Tem XX,99 sim, mas eles sempre devolvem os centavos, seja lá quanto for, sem discussão.
Aqui eles não têm esse desdém que os países “ricos” como o Brasil têm por dinheiro (o Brasil joga dinheiro fora de todas as maneiras possíveis e imagináveis – água, comida, recursos, tempo, gente; nada como ser zilionário, né?). Só que não 🙁
Abraços,