Papyrus

Primeiramente queria agradecer à querida Tania Ziert Baião do Instagram que vive indicando livros bacanas. A Tânia recomendou a versão em português do livro da espanhola Irene Vallejo, cujo título ficou “O infinito em um junco: A invenção dos livros no mundo antigo” com uma ilustração de capa belíssima, muito mais que a versão em inglês, resumida para “Papyrus”, que foi a que eu li (e dei uma super mancada; depois me toquei que podia ter comprado o original em espanhol).

Bom, demorei mais para ler porque não queria que acabasse. Preciso dizer que, por ignorância em história antiga, tive que parar algumas vezes para me localizar na linha do tempo; nesse ponto ela não é muito didática. Mas a narrativa é tão deliciosa que a gente não quer mesmo que acabe.

Irene mistura suas experiências pessoais e faz metáforas com o nosso dia-a-dia para explicar melhor o contexto daquela época. 

O livro começa falando de Alexandre, o Grande, filho do rei da Macedônia, um Estado grego sem o brilho e o glamour de Atenas ou Esparta. Educado por Aristóteles, Alexandre tinha como modelo o herói Aquiles (li recentemente um livro sobre ele, veja aqui) e levava a obra Ilíada em todas as suas viagens (pense que naquela época os livros não eram blocos de cadernos de papel como conhecemos hoje; eram delicados rolos de papiro, uma espécie de junco nativa do Egito). 

Alexandre talvez tenha sido um dos primeiros imperialistas, esse povo que sai invadindo meio mundo e se adonando dos lugares. Pois ele passou deixando um rastro de sangue pela Anatolia, Persia, Egito, toda a Ásia Central e parte da Índia (estima-se em 750 mil mortos). O seu ego fez com que ele fundasse nada menos que 70 cidades com seu nome, segundo o historiador Plutarco.

Pois uma das Alexandrias ficava no Egito, próxima do Delta do Nilo. Ele deixou seu mentor e amigo Ptolomeu “cuidando” do lugar, enquanto ele avançada com seu exército.

Acontece que, depois de tanto aprontar, o moço morreu inesperadamente atacado por uma febre fatal, aos 32 anos de idade, na Babilônia. A confusão que sucedeu a sua morte foi grande, pois ele só tinha um meio-irmão considerado incapaz e um bebê ainda na barriga de uma de suas três mulheres. No final, morreram todos assassinados (inclusive o bebê e as outras duas esposas). 

O negócio foi sinistro, a ponto do corpo de Alexandre, enquanto seguia para sua tumba oficial, na Macedônia, ter sido roubado por Ptolomeu e levado para Alexandria, onde ficou exposto por anos.

Pois o grego Ptolomeu assumiu o Egito sem falar o idioma local e tentou, a qualquer custo, levar a cultura grega para o lugar. Para isso, mudou a capital do Egito, que era o Cairo, para Alexandria e montou uma espécie de universidade. 

O Museu de Alexandria chegou a ocupar um terço da cidade e que incluía a famosa biblioteca. A ideia era montar um centro de conhecimento que fosse referência no mundo (e ele conseguiu).

Alguns dos precursores da ciência que conhecemos hoje, moraram no museu para desenvolver seus trabalhos: Erastótenes, que calculou com surpreendente precisão a circunferência da Terra quase 200 anos A.C.; Euclides, o pai da geometria; Herófilo, pioneiro da anatomia; Arquimedes, físico, matemático e inventor; e mais um monte de sábios.

Há coisas realmente inacreditáveis, como a descrição de uma máquina a vapor para movimentar brinquedos 1700 anos antes de James Watt! E documentos que mostram o modelo heliocêntrico muitos séculos antes de Copérnico ou Galileu pensarem a respeito.

Ptolomeu contratou as pessoas mais inteligentes da época para morar no palácio e ficar só estudando e debatendo, com livre acesso à biblioteca. De vez em quando davam palestras. O rei não mediu esforços para aumentar o acervo; qualquer navio que aportasse na cidade com um rolo a bordo (naquela época os livros ainda eram escritos em pergaminho e enrolados), tinha suas preciosidades confiscadas. Os rolos eram recolhidos, copiados minuciosamente pro funcionários e depois o navio ganhava a cópia (a biblioteca ficava com o original).

Antes da biblioteca de Alexandria, onde qualquer pessoa podia entrar, houve outra muito famosa, a do Rei Assurbanipal, na cidade de Nínive, mas essa só o monarca tinha acesso a ela (que casquinha!). 

Arquitetonicamente, a biblioteca de Alexandria parecia um labirinto de corredores infinitos forrados com rolos, que tinham mais ou menos 30 cm de largura e chegavam a 3.6 metros. No museu Britânico tem o rolo mais longo da história (pelo menos que ainda continua intacto) com 42 metros de comprimento!

Essa era, onde os gregos tentaram dominar o mundo foi chamada de Helenismo, e foi o o protótipo do primeiro grande movimento de globalização. Eles levaram o idioma para todos os lugares conquistados (e eram muitos). Se hoje em dia a gente reconhece uma franquia do MacDonald’s ou a marca da Coca-Cola em lugares isolados nos confins do mundo, naquela época o equivalente eram as colunas gregas, ágoras, teatros, ruas largas, inscrições em grego, templos com fachadas decoradas, etc.

Depois desse Ptolomeu, seguiu-se uma linhagem de 14 reis com o mesmo nome e a biblioteca teve momentos de apogeu e de declínio. Houve um famoso incêndio onde Marco Antônio (aquele da Cleópatra) teve que queimar seus próprios navios numa batalha próxima ao porto e acabou atingindo parte da biblioteca. Ela foi sobrevivendo a intrigas políticas, guerras, batalhas até que, aparentemente, a última pá de cal foi dada pelo papa Teófilo I que instigou os fiéis a vandalizarem o que tinha sobrado das instalações, em 391 DC.

Na verdade, o livro é ótimo e bem escrito, mas como falei, uma tragédia do ponto de vista didático. O tempo todo tive que ficar procurando referências no Google para me situar no tempo e no espaço, pois a narrativa dá pulos para a frente e para trás com a desenvoltura de um coelho. Eu realmente tive muita dificuldade de acompanhar, pois ela insere casos da vida pessoal, curiosidades sobre a escrita, como a invenção das vogais revolucionou a comunicação escrita, como o uso de pele de animais na cidade de Pergamon viabilizou a criação de livros em formato de cadernos (não à toa os pergaminhos, livros escritos sobre peles de animais, têm esse nome) e mais um monte de coisas bacanas.

Tem trechos interessantíssimos sobre mitologia grega, sobre o papel das mulheres no desenvolvimento de tudo isso e como elas foram caladas e violentadas, sobre história antiga, reflexões sobre as nossas relações atuais com os livros, internet e informação de uma maneira geral, e muitas provocações filosóficas.

Então a minha indicação fica mais como um livro daqueles em que você pode abrir em qualquer página, ler um trecho e se deliciar aprendendo ou refletindo sobre alguma coisa, mais do que eu fiz, que foi devorá-lo de cabo a rabo.

Eu, se fosse você, não perdia de jeito nenhum a chance de ter uma jóia dessas em casa.

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