O paradoxo de Fermi

Você já pensou que a gente não está sozinho no mundo? E por mundo, quero dizer o universo.

Estima-se que só na Via Láctea existam entre 200 e 400 bilhões de estrelas como o nosso sol (algumas com planetas orbitando, outras não). No universo inteiro seriam mais 70 sextilhões. Como assim seríamos o único especial premium master alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado de toda essa bagaça? Tanta estrela e planeta e só o nosso azulzinho teria vida inteligente? Meio forçado, né?

Por outro lado, ninguém ainda parece ter dado as caras por aqui. Não há evidências científicas que mostrem que haja outras civilizações. É justamente disso que trata o paradoxo de Fermi. É muito improvável que sejamos a única vida inteligente no universo. Mas onde é que está o povo?

Na verdade, o físico Enrico Fermi, que dá nome ao paradoxo, fez justamente essa pergunta enquanto conversava com colegas.

Eis que um artigo publicado na Arstechnica há algumas semanas dá conta de que um estudo de pesquisadores astrofísicos britânicos chegou, depois de complicadas e cuidadosas considerações, num número fortemente provável: na via Láctea são 36 planetas com possibilidade de se comunicar conosco.

Mas, a pergunta continua: por que esse povo continua quieto?

A minha resposta pouco científica é na linha de parar com essa carência infinita por atenção; talvez a gente não seja tão interessante assim e está tudo bem…rs

Mas os astrônomos e astrofísicos não se conformam. Muitos se ocupam até hoje em responder a pergunta. 

Para além do fato de que as civilizações estão muito distantes tanto no tempo como no espaço (é anos luz pra lá; anos-luz pra cá), a comunicação é difícil e complicada. Além disso, é muito caro em termos de energia, espalhar-se pela galáxia. Outra ideia é que talvez a gente não tenha esperado tempo suficiente. Há também quem pense que as evidências estão por aí, a gente é que não consegue vê-las.

No meio disso tudo, há duas teorias especialmente interessantes que tentam explicar o fenômeno. 

Civilizações inteligentes se autodestroem

Os autores do paper citado pela Arstechnica, que se apoiam em gente respeitada como Carl Sagan e Iosif Shklovskii, defendem a ideia (na minha opinião, muito plausível), de que as civilizações inteligentes tendem se autodestruir. Aí o problema é que não dá tempo delas se comunicarem com as outras.

Acompanhe. 

O astrônomo planetário Frank Drake, e um dos fundadores do projeto SETI (Search for Extraterrestrial Inteligence), e cuja famosa equação é usada até hoje para calcular as probabilidades nessa área, diz que o número de civilizações existentes hoje na Galáxia é igual ao tempo de vida dessas civilizações. 

É que a vida leva muito tempo até se desenvolver e se tornar inteligente; no planeta Terra foram cerca de 200 mil anos entre os primeiros hominídeos e a invenção do radiotelescópio capaz de emitir e receber sinais de outros planetas.

Isso foi em 1937; de lá para cá,  também foram desenvolvidas armas nucleares e biológicas capazes de destruir tudo. Além disso, a explosão demográfica e a deterioração do meio ambiente não apresentam perspectivas muito duradouras. Então, segundo essa teoria, quando a civilização atinge determinado grau de desenvolvimento tecnológico, fica muito difícil sobreviver. E isso ocorre em apenas um século ou dois; um período de tempo muito curto se considerarmos o panorama todo da vida na Terra até chegar nesse ponto.

Para mim faz muito sentido.

Civilizações inteligentes destroem outras

A segunda teoria é a da singularidade tecnológica (a tecnologia, sempre ela!). No segundo livro da Trilogia Remembrance of Earth’s Past  (resenha aqui), o autor desenvolve uma explicação bem detalhada que ele chama de Dark Forest (que também dá o título do volume).

Imagine dois planetas civilizados, separados por muitos anos-luz; somos nós e os outros. É possível detectar que o outro existe, mas sem muitos detalhes. No momento, porém, achamos que estamos sozinhos no universo.

Analisando a questão, há duas possibilidades. O outro planeta pode ser “benevolente”, ou seja, que não beligerante e nem toma a iniciativa de atacar, ou “malicioso”, que é o oposto.

Se eu escolho tentar me comunicar com o outro planeta, tenho que lidar com essas duas opções. Mas uma vez que eu me exponho (ou seja, mando sinais pelo radiotelescópio mostrando que eu existo e qual a minha localização), é preciso estar preparado para as consequências. Se o planeta for benevolente, sorte a minha, pois posso trocar informações e aprender. Mas se não for, ele pode me aniquilar.

É aí que entra o conceito da cadeia de suspeição. Pense: se eu sou benevolente, nada me garante que o outro planeta também seja. Não tenho como saber antes de entrar em contato. Ele, mesmo que também seja benevolente, não tem como saber se eu também sou.

Nesse caso, sendo uma questão de sobrevivência da civilização inteira, melhor não arriscar. Então, não importa se uma das civilizações é benevolente (ou as duas); a cadeia de suspeição não tem como ser quebrada, pois o risco é fatal.

Mesmo que eu considere que a outra civilização não apresente risco para a minha (por exemplo, porque ela é mais atrasada tecnologicamente), a cadeia de suspeição não se extingue por causa do fenômeno da explosão tecnológica.

Mesmo que uma civilização seja muito atrasada, se ela já tem condições de se comunicar, então está também na beirada de explodir tecnologicamente. O universo tem bilhões de anos e em apenas 200 anos uma civilização vai do nada aos computadores quânticos. É muito rápido. Se outras civilizações existem, não há nenhum motivo para essa rapidez ser exceção. 

Então, se eu recebo a informação da existência de uma outra civilização, mais importante do que saber se ela é benevolente ou não, é saber o quão desenvolvida tecnologicamente ela está. De qualquer maneira, o risco continua enorme.

Assim, mesmo que eu resolva ficar quieto porque descubro que a outra civilização é muito desenvolvida, ela vai dar um jeito de me achar (e me aniquilar, por garantia; temos que lembrar que o que está em jogo é a própria existência). Se ela deixar minha civilização sobreviver, pode ser muito perigoso.

Dessa maneira, o único jeito de sobreviver é se fingir de morto. O autor compara o universo com uma floresta escura, onde cada civilização fica quietinha escondida atrás das sombras das árvores; se alguém se expõe, precisa ser imediatamente eliminado.

Conclusões

Aí se a gente for pensar, os seres humanos são meio como crianças; vão lá e criam o SETI, que nada mais é do que sair tocando xilofone no meio da floresta. Dá até uma certa preocupação, né? O que vale é que até a mensagem chegar a algum lugar se vão séculos (é tudo muito longe).

Não sei você, mas achei isso tudo muito interessante. Aliás, sobre a trilogia, recomendo fortemente a leitura, principalmente se você é professor de física (em qualquer nível). Na minha opinião, poderia ser até usado como livro texto!

2 Responses

  1. Camila
    Responder
    28 julho 2020 at 11:36 am

    Lembrei da série Netflix – Snowpiecer, no último capítulo, há o encontro de “duas civilizações” e mostra exatamente isso, a apreensão de ambas.

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