Faz tempo ando namorando a desvairada ideia de escrever uma Graphic Novel, que é o nome mais fashion que se dá para histórias em quadrinhos para adultos. Aí comprei e li algumas para ter uma ideia do tamanho da encrenca (gigante) e, nas minhas pesquisas, achei esse livro que é um verdadeiro curso sobre o tema.
Mesmo que você não seja tão sem noção como eu e se contente em apenas ler esse formato muito bacana (ou então tenha talento mesmo), vale demais conhecer a obra.
Pois “Understanding comics: the invisible art” (tradução livre: “Entendendo quadrinhos: a arte invisível”), de Scott McCloud, apresenta desde a história dessa expressão artística, até conceitos mais filosóficos sobre a natureza da arte, passando pelos elementos gráficos e estilos propriamente ditos.
McCloud fala sobre como, quando criança, ele achava que quadrinhos eram revistas coloridas preenchidas com arte ruim, histórias estúpidas e caras usando roupas justas. Ele gostava mesmo era de ler livros de verdade, pois era muito velho para essas revistinhas.
Mas na adolescência, um amigo orgulhosamente apresentou a ele sua coleção de quadrinhos; eis que o moço ficou absolutamente obcecado a ponto de decidir o que queria fazer na vida: ser quadrinista. Ele se deu conta que havia muitos quadrinhos ruins sim, mas não precisava ser assim; a mídia era cheia de possibilidades. Ele queria que as pessoas entendessem que essa era uma forma de expressão artística tão válida como as outras.
Então, o primeiro passo era definir claramente do que se tratava, já que quadrinhos podia ser muitas coisas diferentes. Quadrinhos, como ele diz, é um tipo de mídia, não um objeto (a revistinha).
Segundo o artista gráfico Will Eisner, quadrinhos são arte sequencial. Se a gente pegar as imagens individualmente, são apenas imagens. Mas uma vez que elas são parte de uma sequência, mas se transformam em quadrinhos.Observe que ele não faz nenhuma restrição quanto ao estilo, forma, qualidade ou temática.
Os quadrinhos são um meio, uma embalagem para colocar dentro ideias e imagens que contam uma história. Outras embalagens poderiam ser: a escrita, a música, o vídeo, o teatro, etc.
Ele começa então a contar a história sobre como tudo começou e se desenvolveu. Voltando aos egípcios, por exemplo, dá para ver que eles já contavam histórias usando imagens sequenciais (mesmo que não separadas por quadros). Há inúmeros registros de diferentes culturas que se utilizam imagens organizadas numa ordem tal que seja possível acompanhar a história que está sendo narrada.
Em 1731, o artista William Hogarth iniciou a sequência de quadrinhos como se conhece hoje. Ele fez uma exposição em que uma história era contada através de uma sequência de quadros pintados a óleo. Depois, a sequência foi vendida em conjunto, reproduzida em forma de gravuras.
Mas pode-se dizer que o pai dos quadrinhos modernos foi Rodolphe Töpffer, que fazia desenhos interdependentes de textos, em sequência, por volta de 1800. Depois vieram as revistas britânicas com cartuns. O quadrinhos foram se desenvolvendo em forma de gravuras sequenciais encadernadas (com ou sem texto), mas sempre sendo considerada uma arte menor.
Vieram ainda muitas variações, com fotografias e textos misturados, os diagramas informativos (aqueles que são usados até hoje nos aviões, explicando como usar as máscaras).
McCloud fala também do vocabulário dos quadrinhos, estilos de desenho que vão do hiper-realismo ao estilizado em forma de ícones, dos níveis de abstração, de como se consegue criar um clima por meio das imagens, das formas arredondadas e infantis até as mais agressivas e geométricas.
Os quadros que separam os desenhos também são tema, pois o espaço entre eles é um recuso visual e semiótico que só os quadrinhos têm. As imagens podem não ter moldura, ter molduras em vários formatos e os desenhos podem ser encerrados dentro delas ou fugir completamente. Além disso, nos quadrinhos é possível usar a metalinguagem de uma maneira muito original e divertida.
A tipografia é outro recurso visual importantíssimo nos quadrinhos; é possível representar onomatopéias, ruídos diversos e até tons de voz usando símbolos e textos. Aliás, ele fala de como foi difícil, no início, integrar os textos às imagens, já que o texto era considerado mais nobre e não deveria se misturar.
Ainda há o recurso das cores, amplamente acessível nos últimos tempos por causa da tecnologia.
Enfim, tem um mundo inteiro de informações sobre quadrinhos para se prestar atenção. Desde revistinhas da Mônica e do Pato Donald, que acompanharam a minha infância, até os heróis da Marvel e DC Comics (que eu nunca curti). Hoje em dia temos muitas e espetaculares Graphic Novels, que são romances (biográficos ou não) cujas histórias são contadas usando recursos diversos, que vão desde ilustrações simples até colagens digitais.
Em Berlim há dezenas de livrarias especializadas em quadrinhos e é sempre um prazer enorme visitar uma delas. Algumas obras são tão maravilhosas (tenho algumas em casa) que são um belo presente para os olhos.
Já resenhei algumas (tem uma categoria especial chamada Comics no podcast Minha Estante Colorida) e tenho uma pilha de outras tantas maravilhosidades esperando a vez.
Por ora, recomendo dar mais atenção quando vir uma revistinha por aí. Tem muito mais riqueza dentro dela do que a gente imagina!
A notícia ótima da vez é que essa obra já foi publicada no Brasil com o título “Desvendando os quadrinhos” (não tinha como ser diferente, pois é um clássico para todo mundo que se interessa pelo tema). Para comprar na Amazon do Brasil, é só clicar aqui.
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