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Porque a sexta é melhor que o sábado

Foto: Ligia Fascioni

A maioria das pessoas que conheço (e me incluo também) se auto-descreve como otimista. Pois é, pelo que acabei de ler, parece que o povo está falando sério mesmo.

Se tivesse que resumir o livro “The optimism bias: why we’re wired to look on the bright side” do neurocientista Tali Sharot em um frase, diria que ele explica porque as pessoas tendem a ver sempre o lado positivo das coisas. Não tem mistério: somos programados assim por uma questão de sobrevivência, olha só.

Tali começa mostrando como a nossa percepção vive nos pregando peças. As ilusões visuais são velhas conhecidas (ele mostra algumas clássicas no livro), mas podemos nos autoenganar com todos os outros sentidos. Além disso, geralmente a gente acha que é mais competente, inteligente, interessante, lógico e bonito do que realmente é, entre outras coisas.

Não adianta você dizer que não e sair desfilando sua modéstia; isso é estatisticamente verificado; o autor apresenta pesquisas feitas no mundo todo. O entrevistador pede para a pessoa se auto-avaliar e dizer se está abaixo, na média, ou acima da média em vários quesitos (ex: honestidade, beleza, liderança, bom senso, inteligência, relacionamentos, etc) .

Só para se ter uma ideia, 93% das pessoas consideram que dirigem melhor que a média. Ótimo, então como é que apenas 7% podem estar na média ou abaixo dela?  A conta não fecha. Conclusão: tem muita gente (a maioria) se achando melhor do que é de fato.

O engraçado é que a gente consegue ver claramente esse desvio nos outros, mas dificilmente em nós mesmos. Nossa percepção da realidade é subjetiva e não raro é diferente da realidade objetiva.

A explicação é que de fora fica mais fácil de ver a diferença entre a realidade e o que o outro está percebendo. Como a gente não consegue ver a nossa, automaticamente conclui que somos menos sucetíveis a esse tipo de distorção de julgamento, por isso se acha melhor que os demais. Sei que dói ouvir, mas isso é verdade para mim, para você e para toda a torcida do Flamengo.

Uma outra coisa importantíssima é a nossa habilidade de viajar mentalmente no tempo e no espaço; podemos voltar ao passado ou projetar o futuro num piscar de olhos, sem nenhuma preparação especial; é só querer. Nosso cérebro foi desenvolvido com essa capacidade e quanto mais a gente usa, mais consegue fazer isso bem.

Pois é, agora é que vem o fato curioso: em última instância, é justamente essa capacidade de viajar mentalmente que nos faz ser tão otimistas. O desvio para ver as coisas de maneira positiva (inclusive em nós mesmos) simplesmente não existe sem a capacidade elementar de considerar o futuro.

A nossa percepção da realidade, aliás, é afetada por muitos fatores. Um dos mais importantes é imaginar o que os outros esperam de nós. O livro apresenta mais uma batelada de pesquisas onde o desempenho das pessoas varia absurdamente por causa de uma palavra citada antes de um teste (a simples menção da palavra “estúpido” no cabeçalho de uma prova pode alterar completamente a média geral para baixo, para se ter uma ideia).

Ele fala também o fenômeno da profecia auto-realizável: você ou outra pessoa projeta expectativas que acabam acontencendo porque você  se esforça para fazê-las acontecerem. Por exemplo: diga aleatoriamente para 5 alunos em uma sala de aula que eles são mais inteligentes que os outros e veja quem tirará as melhores notas. Batata, não tem erro.

Tali fala também que, por causa dessa nossa capacidade de projetar o futuro, adoramos esperar um pouco para receber a recompensa. Se a comida for deliciosa, aguardar por ela faz parte do prazer da refeição; se o carro é customizado, você não se incomoda de ficar um mês inteiro sonhando até o dia de seu tesouro chegar. É aquele ditado que diz que preparar a festa é tão ou mais gostoso que a festa em si; é a ciência abalizando o que sua avó sempre disse. Quanto maior a expectativa do prazer, mais as pessoas curtem a espera e até se decepcionam um pouco quando a coisa acontece rápido demais.

O livro, que recomendo bastante, fala ainda sobre a relação entre o otimismo e a depressão; sobre como o cérebro aumenta de tamanho as áreas que são mais trabalhadas da mesma maneira que os músculos crescem quando exercitados; enfim, tem muita coisa boa para se aprender.

Como conclusão, as pesquisas só mostram o que todo mundo já sabia faz tempo: porque a sexta-feira (e não o sábado) é o dia mais adorado da semana (e não o domingo, quando ninguém trabalha).

Pois é, então só posso desejar pra todo mundo o óbvio depois de ler isso tudo: uma longa e deliciosa espera até um final de semana cheio de surpresas ótimas!

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4 comentários

  1. Luiz Andreto diz:

    Poxa Lígia, estava justamente falando sobre essas questões com meu terapeuta e achei sua indicação. Excelente. Pena que não achei tem ainda versão em português da Tali Sharot. Mas, como sou muito otimista e como a Tali (e minha vó) disse: fico aqui criando expectativas e esperando para receber minha recompensa. (Gente, será que isso funciona para um rapaz mimado como eu? Quero a versão em português. AGORA! hehehe.

    1. ligiafascioni diz:

      Vai aprender inglês, moço….eheheheh… ser só otimista não adianta, tem que trabalhar para a coisa acontecer 🙂
      Abraços e sucesso!

  2. […] As expectativas da sociedade também são projetadas nas pessoas. Existem inúmeros experimentos que mostram que se você falar para um grupo de alunos que eles são mais inteligentes, eles vão se sair melhor (infelizmente, o contrário também funciona). Os experimentos comprovaram o mesmo comportamento para cor de pele, gêneros, orientação sexual, qualquer coisa. Se a pressão explícita é forte, acontece o fenômeno conhecido como profecia auto-realizável (já falei sobre isso aqui). […]

  3. […] As expectativas da sociedade também são projetadas nas pessoas. Existem inúmeros experimentos que mostram que se você falar para um grupo de alunos que eles são mais inteligentes, eles vão se sair melhor (infelizmente, o contrário também funciona). Os experimentos comprovaram o mesmo comportamento para cor de pele, gêneros, orientação sexual, qualquer coisa. Se a pressão explícita é forte, acontece o fenômeno conhecido como profecia auto-realizável (já falei sobre isso aqui). […]

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