Com certeza você já ouviu a famosa expressão “tem que pensar fora da caixa”. Virou quase uma lei, né? Quem não pensa fora da caixa, não consegue ser criativo e nem inovador. Pois, é, só que essa é a maior balela dos últimos tempos.
Com a ajuda do Drew Boyd e do Jacob Goldenberg, autores do ótimo “Inside the Box: a proven system of creativity for breakthrough results” (tradução livre: “Dentro da Caixa: um sistema comprovado de criatividade para resultados revolucionários”), vou explicar por quê.
Primeiro vamos descobrir de onde surgiu essa história de caixa. Segundo os autores, tudo começou com um estudo sobre criatividade liderado pelo prof. J.P. Guilford, baseado no jogo dos nove pontos. Você já deve conhecer, mas lá vai: o desafio é unir os 9 pontos usando apenas quatro linhas e sem tirar o lápis do papel. As pessoas tendem a achar que a solução tem que estar dentro do quadrado imaginário onde estão inseridos os pontos, e a solução (são várias, aliás) está justamente em “sair desse quadrado”.
O estudo descobriu que 80% dos participantes não conseguiam achar uma saída porque ficavam presos no limite imaginário. A equipe que fez o estudo, não hesitou em criar essa espécie de “lei” que dizia que, para ser criativo, era preciso pensar “fora da caixa”.
Foi aí que os gurus da criatividade começaram a usar a expressão (apesar do início ter sido nos anos 70, dá para dizer que a ideia “viralizou”). Todos iam repetindo o mantra até que pesquisadores resolveram tirar a história a limpo e fazer outro experimento usando o mesmo jogo dos nove pontos. Para o primeiro grupo, o teste foi apresentado exatamente da mesma maneira usada pelo prof. Guilford. Para o segundo grupo, foi dito que a solução estava em pensar fora do quadrado imaginário, ou seja, deram a dica que quase matava a charada.
Conclusão? No primeiro grupo, como esperado, apenas 20 % dos participantes resolveram o problema. A surpresa foi no segundo grupo: somente decepcionantes 25% conseguiram achar o caminho.
Ou seja, repetir o mantra “tenho que pensar fora da caixa” ou mesmo tentar “pensar fora da caixa” não faz diferença nenhuma. É que a caixa somos nós, não há como sair dela. A caixa é o nosso repertório, nosso conjunto de conhecimentos e experiências.
A solução não está em sair da caixa, mas ampliá-la, fazê-la mais rica, equipá-la com mais ferramentas. E o melhor, conectá-la a outras caixas, formando uma rede.
Os autores defendem que se é mais criativo quando se explora mais o mundo familiar. E vão além; eles desenvolveram um método e aplicaram em várias empresas pelo mundo.
Essa ideia de pensar dentro da caixa vem de um outro livro chamado “The Closed World” (o mundo fechado), publicado em 2000 por Roni Horowitz. Esse autor defende que se há uma solução para um problema, ela será mais criativa se usar elementos do “mundo fechado” do problema. O que está perfeitamente sintonizado com o conceito usado em design thinking, onde a solução e o problema estão dentro do mesmo espaço; basta identificar quem é quem (saiba mais aqui).
E faz sentido; a pesquisadora de inteligência artificial, Dra. Margaret Boden, afirma que “as restrições, ao contrário de se opor à criatividade, fazem a criatividade possível”. Tirar todas as restrições tira a capacidade criativa (eu já tinha escrito sobre isso aqui há dez anos, veja!).
Outro mito derrubado no livro é sobre o brainstorming; depois de virar moda e ser usado até em escolas secundárias (o conceito nasceu em 1953 pelas mãos do publicitário Alex Osborn, em sua agência de propaganda), estudos demonstraram que o método não traz vantagens em relação à geração individual de propostas; além disso, as ideias geradas com o auxílio desse método são menos numerosas e de baixa qualidade se comparadas com o trabalho individual ou em grupos reduzidos.
Mas voltando ao método desenvolvido pelos pesquisadores, eles criaram cinco técnicas bem interessantes dentro do que chamam de Template para a Criatividade:
1. Subtração: consiste em retirar um componente essencial do produto ou conceito e identificar quem veria valor no resultado. Como exemplos, eles citam o amaciante, que foi criado num execício onde se tirava o elemento essencial do sabão, responsável pela limpeza da roupa. Ou a IKEA, onde a montagem dos móveis (item essencial na maioria das lojas) também foi retirado. Ou o Walkman da Sony, que não tinha a função de gravar. Ou os terminais eletrônicos dos bancos, que retiraram os caixas humanos do processo de atendimento. Eles não falam no livro, mas o que é o Uber senão uma empresa de transporte sem veículos? E o AirBnb?
2. Divisão: consiste em dividir o objeto ou processo em múltiplas partes e rearranjá-las de uma maneira diferente e nova. Como exemplos, eles citam as autoridades de trânsito na Ucrânia que dividiram em partes as funções do carro estacionado e chegaram à conclusão que, se o motorista parasse em local proibido, bastava isolar uma das partes (no caso, a placa do carro), levando-a para uma central. A placa (e a função total) só seria restabelecida com o pagamento da multa. Ou o condicionador de ar tipo split, cujo compressor foi isolado e instalado em local onde incomodasse menos. Ou o telefone celular pré-pago, em que a pessoa paga antes de usar (ao contrário dos métodos anteriores).
3. Multiplicação: consiste em multiplicar algum componente do processo ou função, mesmo que aparentemente de uma maneira desnecessária. É a técnica que leva a multiplicar o número de rodas de uma bicicleta temporariamente enquanto alguém está aprendendo; ou aquelas subtelas de vídeos que permitem a uma pessoa zapear outros canais e ver um programa ao mesmo tempo na TV, por exemplo.
4. Unificação de tarefas: consiste em reunir dois ou mais elementos diferentes de processos ou objetos fazendo com que a combinação tenha uma nova função. Como exemplo, maquiagem que agrega filtro solar, publicidade móvel em veículos ou telefones celulares com função de geolocalização.
5. Dependência de atributos: consiste em relacionar dois ou mais elementos de produtos ou processos inovadores que aparentemente não têm relação entre si. Por exemplo, limpadores de parabrisas que mudam de velocidade de acordo com a quantidade de chuva, aplicativos que provêm informações sobre restaurantes e lojas quando o usuário se aproxima de uma região; ou seja, uma função depende da informação da outra. O aplicativo depende da geolocalização; o limpador de parabrisas depende do sensor de chuva.
Cada técnica é detalhada com muitos exemplos reais. De minha parte, achei bem útil o exercício de desmontar um processo ou produto em elementos e depois fazer combinações diversas. Já deu para ver que a prática rende muita coisa interessante. Quem sabe não é seu caso?
De resto, só me resta convidar: vem pra caixa você também….rs
NOTA: Só fiquei sabendo desse livro graças ao excelente artigo “Não existe nada fora da caixa: o segredo da co-criação” do sempre enriquecedor Maurício Manhães, que também me indicou a bibliografia. Obrigada, amigo!
ÊNIO PADILHA
Mais um daqueles artigos que fazem a internet valer a pena. Obrigado pela aula.
Ligia Fascioni
Obrigada eu pela leitura e pelo incentivo, amigo! 🙂