Se eu acho um livro do Kazuo Ishiguro num sebo, nem olho o título (mentira; olho para saber se já li…rs); eu levo sem piscar. Foi o que aconteceu com “When we were orphans” (tradução livre: “Quando éramos órfãos”). Como esperado, não me arrependi. É incrível a capacidade desse homem de contar histórias.
Os eventos começam a ser narrados em 1930, pelo jovem Christopher Banks, que mora em Londres e cujo sonho, o de se tornar um grande e famoso detetive, está se tornando realidade. Ele narra o tempo que passou num colégio conceituado e acabou lhe dando o passaporte para frequentar a alta sociedade londrina.
Gente, eu me acabo com a descrição das cenas; dá para imaginar a pompa dos presentes, cada um se achando mais importante que o outro (incluindo aí nosso protagonista). Apesar de andar pelos seus 30 anos, não parece ter interesses sexuais de nenhum tipo — não demonstra atração por homens ou mulheres. Metódico, passa os dias estudando os seus casos na Biblioteca do Museu Britânico (que emoção, a foto que ilustra esse post é de lá!) e as tardes são para passeios e encontros em clubes, além de alguns jantares. Dinheiro não parece ser problema para ninguém, exceto uma conhecida, também órfã, que busca um marido rico.
A questão é que ele quer se tornar detetive para resolver um grande mistério que o atormenta desde a infância: o desaparecimento repentino do seu pai, quando ele tinha 10 anos de idade, e pouco depois, da sua mãe.
Nessa época eles moravam em Shangai, numa parte da cidade reservada aos britânicos, que dominaram a China nesse tempo.
Mesmo depois das duas guerras do ópio, no século XIX, a China não conseguiu se livrar a invasão do ópio no país, promovida pela aliança entre britânicos e franceses. O país continuou a importar ópio forçadamente para equilibrar a balança comercial entre os países.
A mãe de Christopher era uma ativista e não se conformava que o pai trabalhasse numa empresa que promovia essa situação — os britânicos e outros estrangeiros, funcionários das empresas, ficavam numa parte separada da cidade, com casas bonitas e jardins bem cuidados. Os chineses ficavam com a bagunça e cada vez mais viciados em ópio, conforme o plano na Inglaterra.
Christopher tinha um amiguinho japonês chamado Akira, que morava na casa ao lado e também um amigo dos pais que ele chamava de tio e ajudava a sua mãe nas campanhas de resistência (ela sempre dizia que era uma vergonha alguém trabalhar numa empresa que fornecia drogas para pessoas viciadas).
Quando sua mãe desapareceu, o tal “tio” levou-o para Londres e providenciou sua matrícula numa boa escola, onde ele ficou internado até se formar.
Agora, depois de 20 anos, ele quer usar seus conhecimentos e contatos para voltar a Shangai e descobrir o paradeiro dos pais.
Gente, mas daí pra frente a história vira um absurdo tão grande que não sei nem descrever. Ele acaba voltando a Shangai em 1937, em plena Segunda Guerra Mundial e então a gente descobre que o sujeito não era tão inteligente quanto parecia.
Na verdade, ele dá vários ataques de pelanca porque o mundo inteiro não quer parar para procurar os pais dele (é constrangedor como mesmo assim as pessoas param de fazer suas coisas no meio de uma guerra para ajudá-lo) e ele não tem a menor noção de raciocínio lógico. Realmente fica difícil de acreditar que ele tenha tido sucesso como detetive em Londres, pois, além de ingênuo, tem sérias limitações cognitivas. Tudo era só pose da aristocracia mesmo.
Tem vários outros personagens no caminho, como uma moça que vira amiga dele (mas não rola nada entre os dois) e uma menina que ele adota por pura benevolência (imagina um homem de 40 anos levar uma adolescente de 13 anos para morar na sua casa — mesmo que com a governanta). Por sorte o cara não está interessado e nada acontece; mas hoje em dia isso seria muito estranho.
Bom, tem um plot twist sensacional no final onde o tal “tio” revela toda a verdade (e o quanto Christopher foi incompetente como detetive), mas obviamente não vou contar para não dar spoiler.
Enfim; foram dias divertidos e adorei a história. Recomendo muito!
Se quiser, leia as resenhas de O Gigante Enterrado, Clara e o Sol e Não me Abandone Jamais, do mesmo autor.
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