
Estava, para variar, visitando um sebo (essa cidade é o paraíso!), quando me deparei com “Troll: a love story“, de Johanna Sinisalo. A capa era instigante e não batia com “uma história de amor” do título (ainda bem, pois não tenho paciência com mocinhos e mocinhas apaixonados).
Lendo a quarta capa, a coisa ficou mais interessante. A autora, uma finlandesa, tem outros livros publicados e já ganhou vários prêmios, e o resumo da história prometia. Resolvi levar. Que bom!
A história começa em Tampere, uma cidade da Finlândia (fui até olhar no mapa). Angel e Martes estão num bar. É inverno. Angel está levando um belo pé na bunda de Martes, que diz que ele não está preparado para um relacionamento, que foi bom as vezes que ficaram juntos, mas é melhor deixar por isso. Inclusive porque são parceiros de trabalho.
Angel vai para casa segurando o choro e observa adolescentes bêbados fazendo uma algazarra perto de umas latas de lixo. Lembre-se que é inverno, então está tudo sempre muito escuro. Angel vai até lá acaba descobrindo um filhote de Troll, uma figura mitológica finlandesa, mistura de primata e felino que pode chegar a 2 metros de altura. O bicho parece um bebezinho peludo, meio como um macaquinho. Angel se compadece e leva o monstrinho para casa.
Até aqui, eu achava que Angel era uma moça (você também?) e a língua inglesa colabora muito para a confusão com seus artigos neutros. Mas é um rapaz, de menos de 30 anos, designer e fotógrafo freelancer muito talentoso. Angel é loiro, de cabelos cacheados e grandes olhos azuis; por isso o apelido. O nome mesmo é Mikael (Michael, Michel, Michelangelo; Angel!), mas ele parece mesmo um anjo. É doce, sensível e apaixonado.
E agora adotou secretamente um filhote de Troll.
O livro tem vários narradores; Angel é o principal, mas a gente vê os acontecimentos do ponto de vista de Martes, um publicitário ambicioso com quem ele faz alguns trabalhos e por quem literalmente ainda “arrasta uma asa”, mesmo depois de ter levado um fora.
Tem também Ecke (achei o nome engraçado, pois Ecke é esquina em alemão…rs), um programador apaixonado por Angel e vai fazer de tudo para conquistá-lo. Alguns capítulos são narrados por Dr. Spiderman, um ex-namorado de Angel que é veterinário e para quem ele pede ajuda para cuidar do Troll (sem revelar exatamente que espécie de animal se trata) e, finalmente, a vizinha do andar de baixo.
Palomita é uma filipina que foi comprada por um finlandês para ser esposa-escrava (pode parecer bizarro, mas uma amiga minha teve contato com uma tailandesa na mesma situação — ela tinha sido escolhida num catálogo, como se fosse um produto, e “comprada” por um alemão escroto). A mulher é mantida em cárcere privado, não fala finlandês e nem inglês (ela fala dois idiomas nativos, mas ninguém conhece). O sujeito bebe, bate nela, a usa como escrava sexual, e vive ameaçando de entregá-la para a polícia — se isso acontecer, a família terá que devolver o dinheiro que ele pagou por ela — que seria humilhação demais. Gente, pensa numa pessoa vulnerável…
Bom, Angel leva o bicho selvagem para casa em absoluto segredo, pois sabe que é proibido. O correto seria chamar as autoridades — mas o troll provavelmente seria morto e empalhado, como seu colega na biblioteca que ele visitou em busca de mais informações. E tem mais uma questão: de alguma forma, Angel se sente ligado a Pessi (o nome que ele deu para o troll). Ele não imagina mais a vida sem esse estranho companheiro. E o mais estranho: Angel percebe que seu comportamento é influenciado pelo cheiro que o troll exala.
No início, o animal selvagem não se adapta e bate um desespero em saber o que Pessi come, como fazer quando ele fica doente, etc.
Os capítulos do livro são entremeados com os resultados das pesquisas que ele faz sobre o animal mitológico. Fui conferir algumas e descobri que é tudo inventado — a autora é realmente muito criativa. Para Angel, tudo é fonte de informação: trechos de músicas infantis, fábulas, contos, poemas, verbetes em livros — tudo.
Depois de muita luta, Angel descobre que ele pode se alimentar com uma combinação de ração de gato com alguns bichinhos vivos, que ele gosta de caçar, como hamsters e ratinhos. Agora imagina o horror. E sempre fico pensando que Pessi vai crescer até quase 2 metros de altura. O que pode dar errado, não é mesmo?
Palomita ajuda como pode (ela roubou trocados para poder comprar uma lata de ração de gato para se aproximar de Angel, que é a única pessoa na Finlândia que ela viu até hoje que a trata como uma pessoa, não como um ser inferior ou objeto sexual). Quando ele pediu ajuda pela primeira vez, imaginou que ela tivesse um gato e foi pedir comida, sem revelar o que tinha dentro de casa. Aos poucos os dois vão se aproximando, mas não o suficiente para ele se dar conta da condição dela.
Enfim, o relacionamento de Angel como os personagens, incluindo o troll, é complexo — o irmão mais novo dele era fotógrafo da vida selvagem e morreu enquanto trabalhava, vítima uma bala perdida de caçadores, o que deixou um trauma.
É tudo muito estranho, algumas vezes grotesco, misterioso e sinistro. É diferente de tudo o que eu já tinha lido antes (e posso dizer que não foi pouca coisa).
Esse livro realmente renovou a forma como eu via romances — tanto a história como a maneira de narrar é totalmente inédita para mim. É perturbador, de certa forma? Sim. Gostei? Sim, achei a experiência muito válida.
Vou prestar atenção em outros livros da autora (ainda mais porque as histórias se passam na Finlândia e esse lugar está muito bem cotado na minha lista viagens). Ela já foi traduzida para 19 idiomas e infelizmente, nenhum deles é o português.
Mas eu achei a versão em inglês (que foi a que li) na Amazon do Brasil. É só clicar nesse link.
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