Sexo alemão

Ilustração: Anna Elena Balbusso

Ultimamente uma coisa tem me obcecado, dormindo ou acordada: sexo.

Só penso nisso o dia inteiro e fico ainda mais agitada quando olho ao redor com mais atenção. Todo mundo sabe que sexo é importante, mas nunca pensei que fosse depender disso para estudar e ganhar a vida no futuro.

Calma, eu explico.

Preciso saber desesperadamente o sexo, ou melhor, o gênero, de todos os substantivos da língua alemã (pelo menos os mais comuns, no começo) para poder falar o idioma decentemente. Além dos básicos mesa, cadeira, livro, me pego esperando o metrô e pensando: qual seria a orientação sexual da unha do dedão do pé (seja lá que nome isso tenha em alemão, mas há de ter, pois eles têm palavras para tudo)? E do piercing no nariz da menina ao meu lado? Mostarda tem sexo? E fivela de cinto? Caspa em alemão é feminino, masculino ou neutro? Ah, sim, o neutro, mais esse complicador…

Como singela amostra, saiba que moça é neutro (das Mädchen), sol é feminino (die Sonne) e dúvida é masculino (der Zweifel). Agora, reflita comigo sobre a complexidade da vida em geral e desse idioma em particular.

Tudo bem, em português o gênero das coisas também foi escolhido aparentemente de maneira aleatória (deve ser o mesmo gerador randômico dos portões de embarque em Congonhas) e não tem mesmo como explicar para um gringo porque se fala A pereba, mas O furúnculo. Só que a gente teve a vida inteira para aprender; não foi aos 2 aninhos de idade que passamos a dominar o assunto só de ouvir a mamãe falar A tetéia e O bichinho.

Se ao menos as línguas fizessem benchmarking e adotassem as melhores práticas, tudo seria simples como no inglês: feminino é só para mulher; masculino é só para homem e todo o resto (grampos de roupa, nenúfares, filmes dinarmarqueses, porquinhos da índia, piolhos e baton perolizado, entre outras coisas) é neutro. E ponto. Pra que complicar? Aliás, cada vez tenho mais provas de que o inglês é o esperanto moderno, pois que outra saída a professora alemã teria ao ver a cara de desespero de uma grega, uma vietnamita, uma australiana, uma japonesa, duas espanholas, uma russa, uma tcheca, uma canadense e uma brasileira? (É, a sala só tem mulher, parece que os homens não estão muito interessados no chucrute)

A preocupação se justifica: é que em alemão, o sexo das coisas define praticamente tudo. Não só todas as raças de pronomes, todas as categorias de artigos, como também todas as declinações (que dependem do verbo ser genitivo, dativo, nominativo ou acusativo, isto é, se o objeto é passivo ou ativo – não falei que tudo acaba em sexo nessa terra de bárbaros?). No caso dos pronomes possessivos, ainda tem que combinar o sexo do objeto com o sexo do proprietário (feminino, masculino ou neutro, uma suruba sem fim).

Ah, e tem também o lance do plural.

Gente, por que alemão tem essa peculiar mania de complicar as coisas? Na maior parte das línguas, até onde sei, tudo se resolve com uma ou duas letras. Ou você tasca um “s” no final ou faz intercâmbio, sei lá, de duas vogais, como em inglês e italiano, por exemplo. Mas não: aqui tem, até onde pude contar, 9 (eu disse NOVE!) maneiras diferentes de se fazer o plural de uma palavra. A probabilidade de você escolher a resposta errada é praticamente 100%. Batata. Ou, no caso, Kartoffel.

Sim, porque também é preciso ressaltar que, da mesma forma que o gênero das palavras, para saber como é o plural delas também não há regras. Cada qual tem lá suas taras e fantasias, suas preferências; há que se respeitar a individualidade e os caprichos de cada vocábulo, fazer o quê? O jeito é relaxar e virar amiga de infância desse bando de letrinhas mancomunadas, já que vou ter que achar uma maneira de hospedá-las indefinidamente dentro do meu pobre cérebro, para o bem ou para o mal.

Aiaiai. Que venham os verbos…

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

32 Responses

  1. Daniela Carette
    Responder
    19 agosto 2011 at 1:01 pm

    Oi Ligia,

    Tudo bem com você? Tenho me divertido muito lendo seu blog. Também apanhei muito quando comecei a aprender o francês. Como entender que carro é feminino (la voiture) e nao masculino? Como sobreviver sabendo que ter entendido as regras ortográficas nao é garantia de aprender tudo ja que as exceções existem em maior numero e que a gente ainda tem que aprender as exceções das exceções? Coragem minha amiga, você ainda vai se divertir muito por ai. Grande beijo

  2. 19 agosto 2011 at 2:07 pm

    Gênio!!!
    Quando eu crescer quero aprender a escrever assim.

    Agora dá licença que tenho de ir ali, recomendar este texto para os meus 9 seguidores do Twitter.

  3. Fatima
    Responder
    19 agosto 2011 at 4:05 pm

    Aahahahahhah adorei o phodasexo aiás o fodafone . e adorei o artigo mas estou ansiosa por andar pelaí (virtualmente) com o Lígia e a Conrado. Credo me atrapalhei com a gênero das nomes próprios. Ligia cadê filminho da semana? Hj é sexta feira! Abraço daqui do sul do Brasil. Fatima/Laguna/ SC / Brasil

    • ligiafascioni
      Responder
      19 agosto 2011 at 4:08 pm

      Menina, já está pronto, mas não dá para fazer upload de vídeo pelo celular. Vai levar a semana toda. Um pouquinho mais de paciência com o fritz – o Conrado vai tentar mandar um e-mail lá do Brasil mesmo…
      Smacks 🙂

  4. Joel Rhenius - bigode
    Responder
    19 agosto 2011 at 5:14 pm

    Oi Ligia, tudo certo por ai??? ontem o Conrado nos presenteou com sua visita e degustamos um costelaço com aipim, shou de buela mas voltando a tua cronica e traduzindo para o portugues, esse negocio de sexo realmente é phoda..forte abs e tudo de bom…

  5. Renan
    Responder
    20 agosto 2011 at 1:37 am

    Já estudo o idioma a um ano e meio mais ou menos e em algumas semanas com certeza estarei tendo as mesmas obcessões! Ô linguinha difícil!!

  6. 21 agosto 2011 at 8:00 pm

    Que legal! não sabia que estavas na Alemanha! Hoje ainda troquei uns tuíts com a colegas jornalista Francis França, que está morando em Bonn.
    Deve estar sendo ótimo… mas e os gatinhos? Ficaram com quem?
    Beijo!

    • ligiafascioni
      Responder
      23 agosto 2011 at 1:20 pm

      Oi, Aline! Como vou continuar trabalhando no Brasil até poder trabalhar em Berlin, vamos continuar mantendo o apartamento em Florianópolis (de vez em quando venho e fico um mês fazendo palestras e dando cursos).

      Minha mãe está morando lá em casa com os netos e mimando-os bastante. Meu marido também está sempre voltando por causa do trabalho (ele assumiu responsabilidades aqui mas não largou as daí). Com o tempo vamos ver como trazer os rapazes (nossa, estou morrendo de saudades dos fofos…).
      Beijocas e sucesso 🙂

  7. 22 agosto 2011 at 11:24 pm

    Hahahahaha, está ficando cada vez mais divertido ….Beijinhos e ronronssssssss

  8. Freddy Van Camp
    Responder
    24 agosto 2011 at 1:14 pm

    Ligia, o melhor é treinar o ouvido. Foi assim que fiz e deu certo.
    Se tentar se lembrar/entender tudo fica mais complicado. Memória e bom senso, ajudam um bocado. Sempre vão perdoar suas falhas, já que eles ficam muito orgulhosos de alguem tentar aprender a lingua deles. Eles sabem que é complicada!
    Bôa sorte e antes de mais nada divirta-se, sem se preocupar muito!

    • ligiafascioni
      Responder
      24 agosto 2011 at 3:09 pm

      Puxa, obrigadão pela dica, professor!! Vou tentar, mas ainda estou numa fase muito racional de querer entender os princípios e estruturas (é esse meu lado engenheira que precisa ser domado…eheheeh).
      Abraços 🙂

  9. 24 agosto 2011 at 6:22 pm

    Olá, Lígia!

    Te achei no blog do Zeca Camargo e adorei teu blog!
    beijo

    • ligiafascioni
      Responder
      25 agosto 2011 at 3:39 pm

      Uuhuuu!! Que bacana! Adoro ler o que ele escreve, o cara é super antenado. Obrigada pela visita volte sempre 🙂

  10. 15 setembro 2011 at 5:08 pm

    Eu ri!!
    da proxima vez q meu aluno de portugues q eh de Taiwan fizer cara feia quando errar os generos das coisas eu vou falar.. “Podia ser pior, podia ser Alemao.”

    SEmpre q da leio seu blog, ou melhor.. te sigo no TT. Comecei a te seguir durante a minha pos graduacao em design estrategico na ESPM-RJ.. nao sei pq vc apareceu em varias buscas de referencias… =)

    Como to passando uma temporada nos EUA, tenho questionado muito (positivamente) o nosso portugues..rs
    eh isso,
    bjos e boa estadia ai na Europa

    • ligiafascioni
      Responder
      16 setembro 2011 at 10:11 am

      Aahahah, que legal, Andrea! Conta aí suas aventuras! Ah, esses dias aprendi que “estadia” é de navio (ou carro, enfim, veículo). Gente tem “estada” (eu sempre achei que fosse só estadia mesmo). Pois é, menina, a nossa linguinha (agora sem trema) tambem não é fácil não. A gente não repara porque aprendeu desde pequena…(coitado do seu aluno, sei exatamente como ele está se sentindo….eheheh). Beijocas 🙂

  11. Paula
    Responder
    9 dezembro 2011 at 4:38 pm

    Ligia,

    Sei que a intenção foi atiçar a curiosidade dos leitores, mas não seria “sexo” o nome e sim “gênero” (feminino, masculino e neutro).

    Abraços, Paula

    • ligiafascioni
      Responder
      9 dezembro 2011 at 6:47 pm

      Oi, Paula!

      Você tem razão e, de fato, essa era a ideia. Tentei esclarecer quando falo, no segundo parágrafo “Preciso saber desesperadamente o sexo, ou melhor, o gênero, de todos os substantivos da língua alemã”…

      Abraços e obrigada pela visita 🙂

  12. Rafael
    Responder
    14 fevereiro 2012 at 7:12 am

    Olá, Ligia,

    sou brasileiro e também moro na Alemanha, sou professor de Linguística em uma universidade. Embora pareçam ser escolhidos aleatoriamente, os gêneros de todas as palavras de uma língua são determinados conforme critérios primordiais. Estudando mais a fundo a história e a estrutura de uma língua, é possível entender por que “Sonne” é feminino e “Mond” é masculino, por que “Mädchen” é neutro e por que certas línguas possuem três gêneros em vez de dois.

    Aliás, não se assuste muito com o alemão, porque tem coisa muito, mas muito mais complexa bem perto de nós, logo ali no Leste Europeu.

    Abraço,
    Rafael

    • ligiafascioni
      Responder
      14 fevereiro 2012 at 2:09 pm

      Oi, Rafael!
      Obrigada pela dica, penso que o que me falta mesmo é cultura geral. Se eu conhecesse história a fundo, teria mais ideia de onde vêm os gêneros. O bom é que ainda tem muita coisa divertida para aprender, né?

      Ah, sei que há línguas piores como o russo, ou até mesmo o búlgaro (dizem que é a única língua que o diabo respeita…eheheh).

      Um grande abraço e obrigada pela visita!

  13. Marcos Zattar
    Responder
    14 fevereiro 2012 at 12:33 pm

    Que delícia de post, Lígia! Virei fã! Agradeço à Bete Köninger pela dica.

    Só pra apimentar um pouco: em inglês “ship” é feminino…. legal né? 😉

    • ligiafascioni
      Responder
      14 fevereiro 2012 at 2:24 pm

      Uau! Essa eu não sabia mesmo, adorei! Mas será que isso é bom ou ruim, se a gente considerar o tamanho que tem um navio? Eheheheh…

      Abraços 🙂

  14. Mário Nunes Júnior
    Responder
    14 fevereiro 2012 at 4:35 pm

    Cara Lígia, como falantes do português não temos o direito de reclamar do plural dos alemães já que há umas 9 formas diferentes de se construi-lo. Será que deixei escapar alguma? Veja bem:

    1- mesa – mesas (só um s)
    2- final em r, s e z = mares, japoneses, rapazes (es)
    3- final em l se transforma em is – hotel – hoteis
    4- exceção: fácil – fáceis, difícil – difíceis
    final ão com 3 posibilidades
    5- aviões (ões)
    6- irmãos (ãos)
    7- alemães (ães)
    8- finam em m, se transforma em ns – homens, jardins.
    9- determinadas palavras terminadas em S são imutáveis: ônibus, oásis, lápis

    E agora?

    • ligiafascioni
      Responder
      14 fevereiro 2012 at 4:56 pm

      Putz, é mesmo! Não é que eu nunca tinha reparado? Bom, mas pelo menos, no nosso caso, há regras….rsrsrsrsrss….

  15. danilo schwarzbold
    Responder
    15 fevereiro 2012 at 1:37 am

    Parabens ao Rafael e Mario, pelo bom nivel cultural.

  16. Rafa
    Responder
    15 fevereiro 2012 at 8:02 am

    Adorei o texto, muito creativo e bem escrito. Parabéns! Sei bem como é isso, pois também escolhi o alemao como língua estrangeira e sofro até hoje, mesmo depois de 5 anos morando aqui 🙂 Mas como alguém comentou lá em cima, com o tempo o nosso ouvido vai pegando.
    Só um comentário: nominativo é a parte da frase onde se encontra o sujeito, acusativo ou dativo, o objeto. Acho que vc trocou nominativo com dativo.

    • ligiafascioni
      Responder
      15 fevereiro 2012 at 2:39 pm

      Oi, Rafa!

      Escrevi esse artigo na primeira semana de aula (e lá se vão seis meses). Com certeza eu confundi mesmo (e deve ter muito mais erros….ehehehehe).
      Abraços e obrigada pela visita 🙂

  17. 15 fevereiro 2012 at 11:06 am

    Olá Lígia!! Encontrei seu blog no Portal Brasilalemanha e delirei com o humor contido no seu artigo. Eu sou professora de alemão no Brasil e li nesse artigo os mesmos questionamentos feitos pelos meus alunos..eu costumo explicar isso de um modo muito sintético..pego um objeto qualquer e pergunto: o que vocês enxergam aqui que defina o sexo desse objeto? ?? Como a resposta é sempre a mesma e não é meu dever destrinchar toda a etmologia da língua nas primeiras aulas e espantar todos os meus alunos, explico q aceitem essa diferença como cultural e que vc não se torna um mostro caso erre vez ou outra um artigo e consequentemente uma declinação no dativo, etc….Isso faz com que a galera relaxe e aprenda a internalizar os artigos a medida em que vão tomando contato com essa miscelânea…Bom, espero que viva intensamente essa muvuca cultural de Berlin que eu amo e que o fodafone (fiz extamente a mesma atribuição linguística Vodafone..hehe) sirva sempre que a internet não reponder aos apelos..he. Grande abraço!!!!

    • ligiafascioni
      Responder
      15 fevereiro 2012 at 2:38 pm

      Oi, Anelise!

      Que bom que gostou; estou sofrendo com a língua (faz parte), mas me divertindo horrores. Realmente, o começo é assustador, mas agora já consigo me comunicar (alemão nível indígena – existe? Eeheheheh…).

      Um grande abraço e apareça sempre aqui!

  18. Ana Raspini
    Responder
    15 fevereiro 2012 at 11:20 am

    Lígia, muito espirituosa tua crônica! Recomendo ler “The awful German language” do Mark Twain, ele passa o livro inteiro fazendo, mais ou menos, o que tu fizeste aqui. É interessantíssimo. De fato, a única coisa útil que Mark Twain escreveu na vida dele, hehe.

  19. Sebastiáo Vilhena
    Responder
    15 fevereiro 2012 at 11:52 am

    Boa tarde Lígia.
    Você é, de fato, a bloqueira inteligente e explico porque.
    Ao ler o título da matéria “SEXO ALEMÃO”,me interessei, pois pensei que aprenderia algo inusitado, sobre a sexuakidade desse povo que tem a minha simpatia.
    Mas… para surpresa minha, Lígia, faz comentários, em verdade, sobre a complexibidade da língua que falam nada mais, nada menos que Michael Shumaker(?), ou atualizando, o meu xará Sebastian Vettel…
    Valeu garota esperta…
    Abraço.
    Sebastião
    [email protected] VISITE LAMBARI… É BOM.

    • ligiafascioni
      Responder
      15 fevereiro 2012 at 2:32 pm

      Aahahahah… é assim que se pega os curiosos….eehehehe…
      Agora me fale mais sobre Lambari, quem ficou curiosa fui eu.

      Abraços e volte sempre!!

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