Pensamento liminar

Se você é como eu, ao ver o título desse livro, pensou: “Mas que raios é pensamento liminar?”.

Não fazia nenhum sentido. Até fui olhar no dicionário para ver se a minha tradução estava correta do livro “Liminal thinking: create the change you want by changing the way you think” (tradução livre: “Pensamento liminar: crie a mudança que você quer mudando a maneira como você pensa”), de Dave Gray. 

Achei essa pérola num sebo e o título me chamou muito a atenção, até porque o volume é muito bem diagramado (descobri que o background do autor é em design), estruturado e organizado. Fazer o quê? Levei para casa…

Dave sabe que a palavra não faz parte do nosso dia-a-dia e já nos esclarece logo no prefácio, onde conta a história de como o livro surgiu.

Ele fala de um livro sobre visualização de ideias que leu há alguns anos e acabou ficando amigo do autor, que conheceu por meio do Google, enviando um email sem muita esperança de resposta. A relação se tornou tão próxima que as ideias nascidas das conversas deram origem a essa obra e ao termo que Dave cunhou para descrever Kurt Hanks, o autor amigo: mais do que designer e visual thinker, Kurt é um pensador liminar.

TUDO TEM UM LIMITE!

Mas vamos ao termo propriamente dito (não surpreendentemente, como a origem de toda a ideia foi um livro sobre visualização de ideias, o autor também ilustra e desenha para tornar o conceito mais claro; coisa que não vou fazer aqui, pois esse texto é base para um episódio do podcast Minha Estante Colorida).

Então, resumindo: pensamento liminar é uma maneira de ver o mundo e você mesmo(a) além dos limites. Liminar significa no limite, na fronteira, na margem, ou seja, no espaço que não é dentro nem fora

E a maioria dos nossos limites é apenas ficcional; eles nos dão estrutura, fazem a gente se sentir confortável. Mas, a grande sacada é que esses limites não precisam ser fixos — eles podem ser mudados.

O autor advoga que as verdadeiras mudanças acontecem quando a gente atinge a fronteira; a borda entre o conhecido e o desconhecido, entre o familiar e o diferente, entre o velho e o novo hábito, entre o passado e o futuro.

Alguns papeis são fronteiriços por definição. Por exemplo, um coach é parte do time, mas também não o é. Um consultor é e não é parte da empresa. Um professor é parte da classe, mas também não. Todas essas funções liminares estão associadas à mudança e ao crescimento, envolvem trocas, quebras, choques; transcendem elas mesmas os limites.

A gente tem momentos liminares o tempo todo (quando a gente acorda de manhã, mas a alma ainda não voltou para o corpo…); ou quando está indo dormir. Ou quando está em estado de flow (isso o autor não cita, mas me lembrei desse livro aqui). É quando a gente está relaxado e aberto a possibilidades, quando está no auge do potencial criativo.

A ideia por trás do pensamento liminar é que existem limites, ou portas de oportunidades, ao nosso redor, o tempo todo. Mas basicamente elas são invisíveis porque estamos focados em outras coisas. Então, a ideia do livro é ajudar a nós, leitores, enxergar e destravar essas portas (Uau, e sem o uso de substâncias entorpecentes!!! Vamos?).

Então, para chegar nesse estágio, Dave divide o livro em duas partes principais. A primeira fala sobre como nossas crenças moldam tudo. A segunda fala sobre o que fazer a respeito.

NOSSAS CRENÇAS MOLDAM TUDO

Usando as palavras do autor: “Crenças são modelos. Crenças parecem representações perfeitas do mundo, mas, de fato, são modelos imperfeitos para navegar uma realidade complexa, multidimensional e desconhecida.”

Resumindo: crenças são modelos mentais que a gente constrói para nos ajudar a dar conta de viver. 

Bom, a diferença entre percepção e realidade já foi amplamente discutida em vários livros de neurociência (eu recomendaria especialmente Deviate, do Beau Lotto), e a frase de Alfred Korzybski que abre o capítulo não poderia ser mais certeira: “O mapa não é o território”. 

Então toda essa primeira parte fala das relações entre as nossas experiências/percepção e a realidade, e, principalmente, como as coisas que acreditamos ser óbvias, estão construídas sobre crenças, julgamentos, teorias e nossa atenção sobre alguma experiência individual (isso ninguém tinha desenhado tão claramente; faz todo o sentido).

Ele fala também como as crenças guiam os nossos desejos e moldam as nossas ações. E como as nossas crenças criam um mundo compartilhado com outras pessoas e possibilitam que a gente viva em sociedade, de maneira colaborativa (ou não). 

Nossas crenças são ferramentas de pensamento e provêm regras para as ações, mas elas também criam pontos cegos para outras possibilidades. Isso acontece porque as crenças são auto-defensivas (senão não sobrevivem); elas existem numa bolha lógica que protege a identidade e a autoestima da gente. Proteger nossas crenças acaba se tornando uma questão de sobrevivência; por isso é tão difícil mudá-las.

MAS E AÍ, A GENTE FAZ O QUÊ?

O autor é um sujeito muito prático e didático, então organizou nove práticas que ajudam a gente a minimizar a distorção da realidade causada pela nossa bolha de crenças. 

  1. Assumir que nós não somos tão objetivos quanto gostaríamos. Se você é parte do sistema que quer mudar, então você também é parte do problema.
  2. Esvazie seu copo. Você não pode aprender coisas novas sem deixar para trás coisas antigas. Pare, olhe, ouça. Suspenda o julgamento.
  3. Crie um espaço seguro. Se você não entender as necessidades mais fundamentais e profundas, nada mais vai importar. As pessoas não vão revelar suas urgências mais internas se elas não se sentirem seguras, respeitadas e aceitas.
  4. Triangule e valide: busque situações com o máximo de pontos de vista possíveis. Considere a possibilidade de que crenças aparentemente contraditórias serem válidas. Se algo não faz sentido, é porque tem alguma informação faltando.
  5. Faça perguntas: tente entender os sonhos, esperanças e frustrações das pessoas. Conecte-se com as pessoas para criar novas oportunidades. 
  6. Interrompa rotinas: muitas crenças são parte de rotinas que rodam no piloto automático.
  7. Imagine ações como se fosse aqui e agora. Você pode imaginar o que aconteceria se você tomasse alguma atitude, mesmo sem tomá-la. 
  8. Conte histórias que façam sentido. Se você der às pessoas apenas fatos, sem um contexto, elas vão interpretá-los de acordo com suas próprias crenças. O que promove a mudança no sistema de crenças não são fatos; são histórias.
  9. Evolua. Se você está aberto para como a mudança pode afetar a sua personalidade, as chances de conseguir o objetivo são maiores. Para mudar o mundo, é preciso primeiro querer mudar a si mesmo. 

CONCLUSÕES

Olha, achei o livro bem objetivo, apesar de bastante superficial. É tipo um manual de como fazer, mas não explica o porquê e nem como funciona. Tem questões que não foram levadas em consideração como as motivações de cada pessoa, seu histórico e contexto. É meio “quem quer, consegue”, quando a gente sabe que não é tão simples.

Mas gostei da ideia de tentar encontrar as bordas, os limites (confesso que adoro metáforas). E, mesmo dizendo o óbvio (sendo que o próprio autor explicou que o óbvio vem carregado pelas crenças), achei o livro útil.

O autor é conhecido no Brasil pelo seu outro bestseller “Gamestorming” (que está na minha pilha para resenhar), mas “Liminal Thinking” ainda não tem tradução para o português. Se quiser/puder ler a versão original em inglês, é só clicar aqui.

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