O objetivo da maior parte das empresas (inclusive da sua) é conquistar e fidelizar clientes, certo? Então, estamos falando basicamente de relacionamentos. Mas também é fato que não é possível se relacionar e, muito menos, fidelizar, alguém que a gente não conhece.
A ferramenta que inventaram para iniciar e manter um relacionamento é muito antiga; todos devem conhecê-la: chamam-la pesquisa. E esse instrumento cumpre muito bem as duas funções básicas: conhecer (para conquistar) e medir satisfação (para fidelizar).
Nos dois casos, há várias técnicas disponíveis, mas as pessoas teimam em utilizar apenas uma: o malfadado “questionário”. Ele pode ser verbal ou escrito, mas, apesar de útil e poderoso, carrega sempre uma distorção importante que precisa ser considerada na avaliação dos resultados.
Vamos falar primeiro da função “conhecer” da pesquisa. Produto, marca, site ou o que mais for que baseia sua pesquisa de desenvolvimento apenas num questionário, boa coisa não vai sair.
Não é que eu ache o tal formulário inútil; é que ele é apenas das muitas ferramentas que existem para conhecer o consumidor e é uma das mais pobres, incompletas e com resultados mais distorcidos que existem. Pode ser usada sim (em alguns casos até deve), mas sempre considerando suas limitações.
Primeiro, temos que lembrar que estamos tratando de pessoas (seres extremamente complexos e contraditórios quando expostos à escolhas). Já é consenso entre os estudiosos que a linguagem usada nas perguntas, a ordem em que são apresentadas, a maneira como são organizadas, a estrutura, a diagramação e até a tipografia influenciam o resultado.
Então, se quero desenvolver um novo produto, há sim possibilidade de usar um questionário para levantar os principais dados do perfil do consumidor, mas essa é só uma parte, e bem pequena, da pesquisa. Uma vez identificado o nicho, é preciso observar. É assim que se descobre a maior parte das informações realmente úteis num desenvolvimento. Se possível, observar sem ser notado (Heisenberg já demonstrou, com seu Princípio da Incerteza, que o simples fato de observar altera o comportamento do observado).
Então, quer desenvolver uma nova revista? Além do malfadado questionário, você vai descobrir muito mais coisas úteis e interessantes se passar algumas tardes fazendo estágio numa livraria ou banca de revistas onde o público de interesse frequenta e observar, sem que ninguém se dê conta, como eles folheiam, analisam e decidem a compra desses objetos. O público que poderá comprar a sua revista também joga videogame? Visite uma lan house e se enturme com o pessoal. Observe. Enfim, dá um trabalhão danado, mas muito tempo e dinheiro podem ser economizados se essa etapa for bem feita.
Quer abrir um restaurante a quilo? Vá nos concorrentes e repare se as pessoas saem de lá sorrindo ou de cara amarrada; ouça os sons do local; veja os lugares que são ocupados primeiro; note se deixam comida no prato; olhe o comportamento na fila, sinta os aromas. Se metade dos novos empreendedores observassem (em vez de mandarem questionários para os amigos), o índice de mortalidade empresarial nos primeiros anos reduziria muito.
Vamos então ao segundo objetivo: “medir satisfação“. Essa tarefa é bem mais delicada, pois, nesse caso, o tal do questionário rola solto, mesmo que apenas verbalmente, o que, na maioria dos casos distorce completamente os resultados. Quer ver?
Uma coisa que eu nunca faço depois de uma palestra é perguntar se as pessoas gostaram. Claro, quem é que seria mal educado o suficiente para dizer que eu falei demais ou minha voz é esganiçada? Mesmo o pior dos palestrantes vai ouvir dos presentes que a palestra foi ótima.
Se o chef do restaurante vai até a sua mesa e pergunta se a comida estava boa você vai dizer que não?
Esse é o tipo de situação constrangedora que não acrescenta nenhuma informação importante para a pesquisa. É mais ou menos como a clássica “foi bom para você?“. Não dá, né?
Ganha-se muito mais observando, sempre! As pessoas estavam fazendo que sim com a cabeça enquanto eu falava? Bom sinal. Tinha um sujeito na última fila lutando para manter os olhos abertos? Preocupante.
No caso do restaurante, melhor seria um garçom perspicaz ouvir discretamente os comentários a respeito da comida, reparar se sobrou ou não, se alguém repetiu ou se o saleiro da mesa foi utilizado.
Em todos os casos, é melhor sentir, observar, reparar, ficar atento, anotar os comentários não-oficiais. Tentar se colocar no lugar do cliente (mesmo).
De qualquer maneira, como ressalta muito bem Harry Beckwith em “O toque invisível” (estou virando fã desse sujeito), “veja o que realmente está lá, em vez do que você esperava encontrar“. Óbvio, mas completamente esquecido quando se está envolvido em uma pesquisa. Inclusive, me faz lembrar do excelente artigo “Accept Defeat: The Neuroscience of Screwing Up” publicado pela revista Wired. O título fala sobre como a neurociência explica a capacidade que a gente tem de distorcer os fatos para que eles se ajustem à realidade que queremos provar. O artigo relata a experiência de Kevin Dubar, que frequentou laboratórios por anos e pesquisou como os cientistas chegam às conclusões para provar suas teorias. Ele descobriu que resultados inesperados são muitas vezes considerados erros e descartados só porque ninguém consegue explicá-los… suspeito, heim? Se até os cientistas fazem isso, que dirá nós, reles empiristas da vida real.
Mas voltando ao Harry, uma das coisas que ele destaca como comum quando estamos fazendo uma pesquisa com consumidores é o quão facilmente concluímos que as outras pessoas são como nós. Não são. Pelo menos não automaticamente para o produto que estamos pesquisando. Quando a gente acredita que sabe o que os outros pensam, ninguém precisa de pesquisa, não é? Esse é o erro mais trivial; ajustar a pesquisa aos nossos gostos.
A questão das pesquisas é perigosa, pois as armadilhas do ego são as mais competentes na captura de vítimas. Como diz o genial Fábio Barbosa, do Santander: “você já reparou que as pessoas mais inteligentes são aquelas que concordam conosco?“
Concordam?
Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br
Larissa
Ótimo post, e confirmou algo que já tinha observado quando a questionários…
Pude ter a experiência que você citou na prática quando estava a mesa com uma pessoa que não aprovou a comida do restaurante, mas quando quetionado pelo proprietário teve que dizer um “está bom…” mesmo que bem tímido, fato este que tornou o proprietário satisfeitíssimo. “Então, voltem sempre!”
Mal sabia ele que nunca voltaríamos lá e o porquê de ter tão poucos clientes…
obrigada Lígia.
JR Guimarães
Lígia muito bom o post.
Sou mais adepto da observação e experiência do que da pesquisa no papel.
Quando comecei a atender um bar, antes de ser conhecido pelos garçons, fui várias vezes como cliente para levantar os pontos fracos e fortes e observar os outros clientes.
Já atendi uma clinica cardiologica e na primeira oportunidade marquei um exame ecocardiograma com eles para ter a experiência como cliente e perceber a dos outros.
Atendo uma empresa de locação (equipamentos construção) quando dá na cabeça ligo para tentar locar um equipamento.
Resumindo creio que devemos vivenciar o produto/serviço de nossos clientes juntamente com os outros clientes para podermos apontar os erros e acertos da marca.
Hoje se fala em cliente oculto mas o melhor é colocar a turma de planejamento e criação para terem essas experiências.
Abs
Daniel Lucena
Realmente a reportagem é muito boa, parabéns! Mas sou obrigado a dizer… pesquisas de mercado quantitativas (com questionários), tanto quanto a “observação” do ambiente em que o consumidor interage com a compra, são ferramentas de pesquisa complementares e jamais devem ser realizadas sem o devido treinamento e conhecimento do método do estudo. A verdade é que não existem respostas fáceis. na verdade se você quer saber mais sobre pesquisas, estude muito e procure cursos, professores ou uma empresa idônea que entenda do assunto. Trabalho com isso, by the way…