Comecei a seguir o Leandro Assis no Instagram há alguns anos, com a série de quadrinhos intitulada “Os Santos”, que ele escrevia em colaboração com a escritora Triscila Oliveira. 

É uma parceira de milhões, pois Leandro, roteirista profissional premiado (é dele o fantástico “A mulher invisível”, com o Selton Melo, lembra?) via os comportamentos bizarros das classes mais endinheiradas do nosso país e tentava fazer uma crítica. Mas foi em conjunto com Triscila, que já foi empregada doméstica, que a crítica social ficou mais verossímil e sensível.

Os personagens da família Santos são ricos, privilegiados e preconceituosos por definição. E o dia-a-dia deles aparece nas tirinhas de um jeito cru e cínico; impossível passar batido. Do outro lado, uma família de empregadas domésticas negras que moram na periferia, com as dificuldades do cotidiano, a violência, o racismo e a desigualdade. 

Pois durante a pandemia do COVID-19, a dupla interrompeu a saga de “Os Santos” para criar a inesquecível “Confinada”. A influencer Fran, da família Santos, e a Ju, do núcleo de empregadas que atende o clã há anos, são as protagonistas dessa nova série.

Passei 2020 inteiro esperando ansiosamente a próxima tirinha a cada semana e valeu a pena demais.

A história é a seguinte: Fran é uma digital influencer rica, mimada e toda trabalhada na gratiluz (o deboche e o sarcasmo são uma delícia). Ela se vê tendo que se isolar durante a pandemia num apartamento gigante, onde contava com três empregadas domésticas. 

Somente Ju aceitou ficar confinada junto com ela, pois as outras tinham problemas pessoais (família, etc) para cuidar e, já que ir e voltar todos os dias não era uma opção, acabaram sendo dispensadas com o salário reduzido (salários esses que não compravam nem meia bolsa de marca da Fran).

O marido da influencer (todo metido em falcatruas e negócios escusos) ficou preso na Itália (oh, vida cruel) e o relacionamento dos dois, baseado em aparências e convenções sociais, chega ao ápice da hipocrisia com trocas de mensagens abertas em redes sociais.

Fran vê na pandemia uma oportunidade de dar lições de vida com sua rotina equilibrada e alimentação saudável (prontamente providenciada por Fran, que quase não tem descanso). Ela faz yoga, peças publicitárias, grava vídeos com conselhos, ganha milhares de fãs e quebra recordes de curtidas e visualizações a cada frase motivacional clichê que publica como legenda de suas selfies cheias de filtros.

O melhor é que Fran fica dando indiretas para a Ju nas legendas de seus posts no Instagram (essa parte é hilária, pois a moça se acha a personificação da razão, equilíbrio e sabedoria a cada texto barato).

Fran é inteligente, articulada e não se deixa dominar pelo poder social e do dinheiro. Ela sempre está pronta para lutar, retrucar e resistir aos abusos.

Festas clandestinas no confinamento, hipocrisia nos conselhos de autoconhecimento, lançamento de produtos pseudo sustentáveis e muita coisa podre no reino de Fran (além do marido, que não fica atrás) são observadas por Ju com um olhar crítico.

A história vai se desenrolando com algumas reviravoltas e eu diria que é um dos melhores roteiros que já vi em quadrinhos. Não à toa ganhou prêmios diversos.

Comprei meu exemplar quando foi lançado o crowdfunding no Catarse e mandei entregar lá na casa do Tio Flávio, meu amigo querido de Belo Horizonte. Agora estive no Brasil e fui correndo buscar esse tesouro; relendo as tirinhas fui me lembrando de cada episódio.

A história da Ju com a Fran continua mesmo depois do confinamento e do lançamento do livro (agora já tem na maioria das livrarias no Brasil; é só pedir), e, quer saber? Estou acompanhando e melhorou ainda mais, com fortes doses de emoção. Não vejo a hora de lançarem o volume 2; já quero garantir o meu!

Recomendo demais essa obra, seja como crítica social, seja como arte (os desenhos são caprichadíssimos), seja como literatura mesmo. Vai que eu garanto!

Quer seguir os quadrinhos da nova temporada? Aqui perfil dos autores no Instagram: @leandro_assis_ilustra e @soul_anja.