Tem uma expressão inglês para quando gente quer dizer que uma coisa não é tão difícil; aí fala “ah, vá! Isso não é ciência de foguetes”.
É que ciência de foguetes é, de fato, uma coisa muito complicada. Só para resumir a ideia, segundo Tom Mueller, chefe de Propulsão da Space X, “Podem acontecer milhares de coisas quando você dá partida num foguete; e somente uma delas é boa”.
Pois Ozan Varol, um turco que já trabalhou com ciência de foguetes e depois resolveu estudar direito, que hoje é professor, palestrante e escritor, mostra no seu ótimo “Think like a rocket scientist” (Tradução livre: “Pense como um cientista de foguetes”), quanta coisa a gente pode aprender e aprimorar se usar uma abordagem parecida com a desses profissionais acostumados a colocar milagres em órbita.
Ele divide o livro em três partes, tal qual o lançamento de um foguete:
Estágio 1: Lançamento
Estágio 2: Aceleração
Estágio 3: Sucesso
Varol explica que o pensamento crítico e a criatividade não são naturais para nós, seres humanos. Nós hesitamos em pensar grande e relutamos em dançar com a incerteza, o medo e o erro. Vamos ver como é que os cientistas de foguetes lidam com isso e conseguem colocar, apesar de todos os riscos, foguetes em órbita.
ESTÁGIO 1: LANÇAMENTO
Essa parte trata basicamente de ensinar a parar de lutar contra a incerteza e, em vez disso, aproveitar seu poder.
Na verdade, a certeza é praticamente um fetiche na nossa vida e a gente faz as coisas mais absurdas para consegui-la. Mesmo os cientistas de foguetes caem nessa armadilha às vezes.
Ozan conta que no laboratório de propulsão a jato em que ele trabalhou, na California, todo mundo da sala de controle costuma comer amendoins quando estão acompanhando um pouso em marte, por exemplo. A tradição vem de um pouso bem sucedido na Lua, depois de seis falhas. Na vez em que deu certo, alguém notou que eles estavam comendo amendoins e todos agora acham que dá sorte, como se fossem talismãs. E esse povo é cientista de foguetes!
Varol explica que mesmo nos livros de ciência, os princípios são apresentados como verdades definitivas e escondem ou ignoram os muitos caminhos alternativos para se chegar às conclusões, as muitas pistas falsas que seguiram e os muitos erros cometidos pela jornada. Assim a gente acaba acreditando (ou fingindo acreditar) que existe apenas uma resposta certa para cada pergunta. E acreditamos que essa resposta já foi descoberta no passado por alguém mais inteligente que nós.
Quando a gente procura algo no Google, geralmente as primeiras respostas são dicas infalíveis, milagrosas ou certeiras para resolver a questão. Obviamente, as respostas não são irrelevantes, pois a gente precisa de algumas delas antes de fazer as perguntas certas. Mas as respostas servem apenas para o início da jornada; digamos, um pontapé inicial. Elas são o começo, não o fim.
Se tudo for certezas e garantias, o seu trabalho como ser humano não precisa existir; já pensou nisso? Nossa obsessão por certezas e respostas definitivas, além de ruim, tem outro efeito colateral: o que a gente pensa que sabe, mas não sabe.
Na verdade, as discussões e debates públicos não operam sob um sistema rigoroso que diferencia claramente o que é fato do que é achismo. A maior parte do conhecimento que gente tem simplesmente não é acurado. O historiador Daniel Boorstin diz que “o maior obstáculo para a descoberta não é a ignorância, mas a ilusão do conhecimento”. A certeza nos cega e nos paralisa a ponto da gente ignorar os sinais externos e tudo o que possa colocá-la em risco.
O Nobel Daniel Kahneman explica que a gente não consegue viver num estado perpétuo de dúvida; então nós inventamos as melhores histórias possíveis e vivemos como se elas fossem verdades. Histórias são o remédio perfeito para o medo da incerteza, pois elas preenchem com fantasia as lacunas que a gente não consegue preencher. E essa é a receita ideal para as teorias conspiratórias e as fake news, especialmente quando compartilhadas por autoridades. Por isso, como dizia o filósofo Bertrand Russell, que os estúpidos estão cheios de certezas e os inteligentes, mergulhados em dúvidas.
Richard Feynman, um dos seres mais inteligentes que já habitou esse planeta, dizia que se considerava como um macaco confuso e se aproximava dos problemas sempre com o mesmo nível de curiosidade. Ele acreditava que era muito mais interessante viver não sabendo do que ter respostas precisas que podem estar erradas. Mas essa maneira de pensar requer a admissão da ignorância e um nível muito alto desapego a ego. Sem dizer que essa abordagem pode iluminar coisas que não gostaríamos de ver.
Feynman ainda dia que o conhecimento científico é um conjunto de definições com vários níveis de incerteza: alguns são mais inseguros, outros menos, mas nenhum absolutamente certo.
E não tem outro jeito mesmo; é preciso abraçar a incerteza, pelo menos na ciência dos foguetes. Olha só: o gerente de segurança do projeto Apollo 8 observa que o projeto completo tem 5.6 milhões de partes. Mesmo se eles conseguirem obter o espantoso índice de 99.9% de confiabilidade, pode-se esperar 5.600 defeitos!
Varol também fala sobre o Moonshot thinking, que eu não saberia como traduzir ao pé da letra, mas tem a ver como o modelo de pensamento que levou o homem à lua. Foi necessária muita ousadia, ambição e tecnologias disruptivas para conseguir o feito; talvez muito mais do que a gente possa imaginar. Empresas como a Nasa, Google, Amazon e SpaceX são excelentes exemplos desse atrevimento.
O autor fala também da neuroplasticidade e da importância de dar um choque de irrealidade no cérebro de vez em quando (dar a ele desafios impossíveis ou tarefas nunca antes feitas, por exemplo) para fortalecer os músculos.
Ele mostra também, vários casos de inovação inspirados em ficção científica, pois, como já dizia Julio Verne, “qualquer coisa que um homem possa imaginar, outro homem pode tornar real”.
ESTÁGIO 2: ACELERAÇÃO
Aqui o autor sugere que as perguntas sejam redesenhadas para que a gente consiga melhores respostas. O problema é que a gente fica tão focado em encontrar a resposta certa, que não se preocupa em formular direito a pergunta. Aí encontra uma resposta e faz a pergunta se encaixar (tipo médicos que têm um palpite do diagnóstico e passam a procurar elementos que corroborem o que ele estava pensando, entende?). É aquela história: quando se tem apenas um martelo, tudo parece prego.
Outra ênfase que Varol nos dá é que às vezes a gente fica preso a uma determinada regra imaginária; são apenas limitações autoimpostas que a gente não percebe que estão nos podando a imaginação.
E tem uma parte ótima em que ele fala sobre os fatos: eles não mudam mentes. Por mais óbvios e irrefutáveis que sejam, na maioria das vezes eles não funcionam como argumentos. Por que as nossa mentes não seguem fatos. Segundo John Adams, fatos são coisas teimosas, mas a nossa mente é ainda mais. Mesmo as mentes mais racionais estão sujeitas ao viés da confirmação, que consiste em distorcer e adaptar a interpretação dos fatos até que eles se encaixem na nossa narrativa. Nós pulamos rapidamente do “isso parece certo” para o “isso é verdade”.
A explicação é que cada vez que a gente bem a confirmação de uma teoria, acontece uma descarga de dopamina no nosso cérebro, e isso é viciante. Estar errado provoca uma experiência desagradável, a ponto da gente nem querer ouvir.
Por último, ele fala muito em testar as ideias, pois, conhecer o caminho não é o mesmo que caminhar. E, principalmente, da importância de fazer testes para encontrar problemas, não para confirmar as ideias pré-concebidas (e aí colocar em ação o viés da confirmação, que faz com que esse tipo de teste seja um desperdício de dinheiro e tempo). Boa parte dos testes não funciona apenas porque estão estando os conceitos errados (lembra lá do começo onde o autor dizia que formular a pergunta certa é o mais importante?).
ESTÁGIO 3: O SUCESSO
Nesa parte, o autor fala em como transformar o fracasso (que é o que vai acontecer na maioria das vezes) em triunfo. É um pouco difícil, porque não fomos treinados para isso. Na verdade, tememos a falha como uma das piores coisas que podem nos acontecer.
Por trás de cada quadro não pintado, cada livro não escrito, cada foguete não lançado, cada música não cantada, tem o medo do fracasso. Tem até um ditado que diz “falhar não é uma opção”, que nos impede de correr riscos e errar.
Mas, Varol adverte: uma coisa é você considerar o erro como uma opção, outra é celebrar o erro. Sabe aquela história de falhar rápido e seguir em frente, tão disseminado no mundinho da inovação? Pois é, se a pessoa falhar muito rápido e estiver concentrada em tentar de novo mais rápido ainda, a velocidade não vai deixá-la aprender com os erros. Então o objetivo não é falhar rápido, mas aprender rápido.
Diante de um feedback negativo, há duas alternativas: negá-lo ou aceitá-lo. Quero quer aprender, escolhe a segunda alternativa. As falhas nos ensinam coisas que o sucesso não consegue; então o negócio é ficar atento.
A técnica é focar nas variáveis que se pode controlar, ou seja, aquelas que você coloca no sistema; o resultado, ou a saída, nunca se pode prever com exatidão.
Cientistas de foguetes usam uma enormidade de ferramentas para que a falha fique contida onde ela ocorreu e não se espalhe incontrolavelmente destruindo tudo. Eles usam redundâncias, muitos testes nos estágios iniciais. Então, o negócio é fazer com que as falhas sejam localizadas; como se cada parte do projeto tivesse seu próprio laboratório de testes e administrasse o estrago de seus próprios erros localmente, sem causar danos maiores.
CONCLUSÕES
Olha, apesar de já ter lido a maioria desses conceitos em outros livros (mudam apenas os exemplos; às vezes nem isso), achei que as informações foram organizadas de uma forma didática e atraente. Eu recomendaria o investimento.
Ainda mais porque no site dele você pode se inscrever para receber a newsletter com mais insights e até exercícios. Olha aqui: ozanvarol.com/rocket
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