Já sou fã de Leonard Mlodinow há muito tempo. O primeiro livro que li dele, “O andar do bêbado” (resenha aqui), abriu-me várias portas na mente. Depois teve “A janela de Euclides” (resenha aqui) com tantas coisas curiosas quanto interessantes. Por isso, não me contive quando a Amazon me sugeriu “Elastic: unlocking your brain’s ability to embrace change”, sua mais recente obra.
Pois esse sujeito é tão brilhante que a cada vez se supera; com um texto fluido e fácil, ele explica coisas surpreendentes.
O QUE É
Mlodinow explica que o pensamento elástico compreende uma série de talentos que revelam diferentes aspectos de um certo estilo cognitivo que nos ajuda muito. Ele cita alguns desses talentos (anota aí!):
- a capacidade de desapegar de ideias confortáveis;
- acostumar-se à ambiguidade e à contradição;
- a capacidade de levar ideias acima do senso comum e reformular questões;
- a habilidade de abandonar pressupostos arraigados e abrir a mente para novos modelos;
- a propensão em confiar na imaginação tanto quanto na lógica para gerar e integrar uma grande variedade de ideias;
- a boa-vontade em experimentar e ser tolerante aos erros.
Em resumo, o pensamento elástico nos provê a habilidade de resolver problemas e superar as barreiras neuronais e psicológicas que nos impedem de ver além da ordem existente.
MUITO ALÉM DO SCRIPT
Leonard explica que a maioria das reações dos animais segue um script pré-determinado para economizar processamento do cérebro. No caso dos humanos, também funciona assim. Sabe quando você não tem certeza se fechou ou não a porta? É porque aquela ação foi automática, seguiu um script, ou seja, não usou o processamento do cérebro — apenas executou uma função corriqueira pré-determinada e condicionada.
Mas se a gente ficasse somente no script, ficaríamos como a maior parte dos animais e não teríamos conseguido criar coisas e resolver problemas novos. Então, o processo evolutivo nos armou com mais duas maneiras de interagir com o ambiente e suas questões: o pensamento lógico-racional e o pensamento elástico.
O pensamento lógico-racional, também conhecido como pensamento analítico é baseado em fatos e na razão. É a forma de pensamento mais fácil de ser treinada e reproduzida; talvez por isso seja a ensinada nas escolas e valorizada nas empresas (até então, pois isso está mudando).
De fato, o pensamento analítico é poderoso e funciona em boa parte dos casos. Regido pelo nosso consciente, organiza as ideias em sequência e define as regras mais eficientes para ir de A a C, passando por B. Seu único problema é que ele frequentemente falha ao encontrar desafios inesperados e surpreendentes.
Já o pensamento elástico é não linear e processa múltiplas linhas de pensamento ao mesmo tempo. Ele é desenhado para integrar diversas informações, resolver enigmas e encontrar novas abordagens para os problemas. Ele também leva em consideração ideias normalmente consideradas bizarras ou esquisitas.
Mas não se engane: a criatividade também precisa do pensamento analítico para entender e explorar os desdobramentos das ideias.
De qualquer forma, foi o pensamento elástico que nos salvou da extinção e nos deu a habilidade de vencer desafios, inovar e trabalhar em cooperação.
O PRAZER DA MUDANÇA
Para mim, essa é uma das partes mais bacanas do livro, pois derruba um mito que sempre ouvi, repeti e, principalmente, acreditei: que o ser humano é naturalmente avesso a mudanças. Pois isso é mentira. Sério.
Leonard dá um exemplo que sempre aparecem nos artigos das revistas de negócios: quando muda a gestão, sempre tem uma parte de sacrifício que os colaboradores precisam fazer. Aí alguém propõe ao indivíduo trabalhar 10% a mais ganhando o mesmo. Ele vai gostar? Claro que não.
Aí as manchetes das revistas estampam: “Por que a mudança é tão difícil?”. Mas isso não é aversão à mudança. É aversão à perda. Quer ver? Experimenta propor ele trabalhar 10% menos ganhando o mesmo salário? Tecnicamente, o nível de mudança é igual, mas todo mundo ama! As manchetes teriam que ser trocadas para: “Por que a mudança e tão fácil?”. É ou não é?
Então a questão não é a mudança em si. Se não houver ameaças claras e nem consequências negativas, o instinto natural do ser humano é justamente o oposto: ser atraído irremediavelmente por novidades e mudanças. Tem até um nome bacana para isso: neofilia.
ESTÁ NOS GENES!
Segundo Mlodinow, nossa espécie tem, inclusive, um marcador genético para o descontentamento com o status quo e a busca pelo novo e desconhecido. Os cientistas acharam esse gene em 1996; ele se chama DRD4 e é um tipo de receptor de dopamina (o neurotransmissor ligado à recompensa). O DRD4 tem algumas variantes; a DRD4-7 é encontrada nas pessoas que têm uma tendência particularmente alta à exploração do novo.
Isso acontece porque essa variante tem uma resposta mais fraca à dopamina; por isso, ela requer mais dopamina que as outras variantes para fornecer a mesma sensação de recompensa. Como fazer isso? Estimulando mais ainda a mudança e a busca pelo novo.
Tanto isso é verdade que um artigo publicado em 2011 mostra evidências de que os ancestrais humanos africanos que emigraram para a Europa e outras partes do planeta tinham uma alta prevalência desse gene na população.
É claro que a presença do DRD4-7 é apenas um dos muitos fatores que influenciam na busca pelo novo; a história de vida da pessoa, as circunstâncias e até mesmo outros fatores genéticos possuem papel decisivo. Mas não se pode descartar a importância desse ator no nosso comportamento social, inclusive porque a gente vai ficando mais cauteloso com o passar do tempo e diminuindo a busca pelo novo.
O livro apresenta até um teste para a gente descobrir o índice de neofilia (que eu achei bem simplório); o meu deu 26; acima da média para adultos (24), mas abaixo dos adolescentes (30).
O QUE SIGNIFICA PENSAR?
Qualquer animal que tenha cérebro pensa? O que exatamente significa pensar?
Aqui Leonard utiliza a definição do dicionário: “empregar a mente racionalmente e objetivamente para avaliar ou lidar com uma dada situação a fim de considerar uma possível ação, escolha, etc. Inventar ou conceber algo.”
Então, quando um animal (ou mesmo um ser humano) reage automaticamente por instinto, sem avaliar ou pensar na situação, ou mesmo sem gerar nenhuma ideia, não há pensamento envolvido.
Assim, o primeiro passo para alimentar o pensamento elástico é alimentar o PENSAMENTO; estar mais consciente das ações e agir menos de acordo com o script que está nas nossas células.
Mlodinow recomenda o que se convencionou chamar de mindfullness para exercitar a presença e a atenção, fundamentais para o pensamento elástico.
Um computador jamais conseguirá pensar de maneira elástica, que envolve emoção, presença, empatia e sentimento de recompensa. Ele só consegue reproduzir o modo analítico. Por isso somente os humanos conseguem gerar ideias e encontrar soluções para problemas que não estão claramente definidos.
Veja aqui um exemplo bem didático que mostra a diferença entre o pensamento analítico e o elástico: se você perguntar a um humano ou a um computador onde fica Paris, as respostas serão parecidas (é uma pergunta objetiva, que exige pensamento analítico).
Mas se você perguntar “onde você gostaria de tirar férias?”, a resposta exigiria que a pessoa formulasse e inventasse critérios que justificassem a sua escolha. Isso é pensar elasticamente; um computador não consegue.
POR QUE NÓS PENSAMOS
Basicamente porque nós nos sentimos recompensados quando temos uma ideia. A dopamina invade nosso cérebro e esse estimulante intelectual (que é diferente para cada pessoa) faz com que a gente queira sempre mais.
O interessante é que se a gente perde a capacidade de se emocionar, também perde a sensação de recompensa. O livro mostra um caso clínico em que isso acontece e a pessoa fica incapaz de tomar decisões como ir a um restaurante, por exemplo, pois ela nunca consegue parar de comparar os prós e contras analiticamente. Isso acontece porque essa decisão não é analítica, mas elástica.
QUANDO TUDO FAZ SENTIDO
Mlodinow também explica que o cérebro tem regiões chamadas córtex de associações, uma para cada um dos nossos sentidos. Por exemplo, há uma região do cérebro responsável pela visão (córtex primário visual) que captura todas as informações de localização, cores, luz e sombra, formatos, volumes, distâncias, etc. Mas isso são apenas dados; o que eles significam? É aí que entra o córtex de associação, que identifica e conecta os dados com seu significado (que pessoa é essa que estou vendo? O que ela tem a ver comigo?).
Esses córtex de associações permitem que a gente tenha ideias, e não apenas reaja aos fatos. São eles as fontes das nossas atitudes, que diferenciam cada um de nós dos outros. São também os responsáveis pela nossa inventividade. Esses córtex estão sempre em atividade, tentando fazer associações e conexões. E justamente quando a gente faz as coisas de modo automático, sem pensar muito, é que eles ficam livres para brincar e dançar. É por isso que justamente quando a gente está lavando a louça que a se tem ótimas ideias; já reparou?
A ORIGEM DOS INSIGHTS
Apesar da nossa experiência consciente nos indicar que um insight é um negócio que aparece na nossa mente como um raio, assim, de repente, ele é construído lentamente nos bastidores, até dar o ar de sua graça.
Quando a gente é apresentado a um problema, o cérebro começa a pensar em possíveis soluções. O lado esquerdo busca as respostas óbvias e o direito, as mais obscuras. São como dois sistemas cognitivos independentes .
O cérebro executivo é bem focado, e vai ignorar as coisas absurdas, direcionando a consciência para tentar uma resposta lógica, verdadeira e mais óbvia possível. O que faz sentido, pois as respostas mais esperadas e comuns, geralmente são as mais adequadas para a maioria dos problemas.
Se as ideias iniciais não estão levando a uma solução adequada, a parte do cérebro que administra a participação dos dois lados, chamado Anterior Cingulado Córtex, ou ACC, manda o lado direito simplesmente parar de processar a informação visual que chega (olha que louco!). É como se a gente fechasse os olhos para se concentrar melhor. Essa supressão de processamento de imagens faz o lado direito fazer mais conexões e gerar mais ideias inesperadas.
Então, a chave para se ter ideias originais é tentar relaxar a mente e não abordar o problema de forma analítica. Uma das ferramentas mais poderosas é a meditação, pois ela aumenta a nossa capacidade de ampliar o foco, de maneira que as ideias podem “pular” de uma para outra com rapidez.
Outra coisa interessantíssima: sentar-se num quarto escuro ou fechar os olhos pode alargar a perspectiva. Por outro ado, corredores estreitos, salas sem janelas e até as malfadadas baias de escritório têm o efeito contrário.
Mas tem também um ponto interessante a se considerar: salas bem iluminadas podem tornar difícil a tarefa de ignorar os objetos em volta que estimula pensamentos mundanos e banais, que podem ser ótimos para o lado direito se divertir.
PENSAMENTO CONGELADO
Mlodinow ainda usa a expressão “pensamento congelado”, cunhado pela filósofa Hannah Arendt. Isso acontece quando a gente tem uma orientação fixa que determina a maneira como a gente aborda um problema. Ele reutiliza experiências passadas e ignora uma análise mais cuidadosa, fazendo com que a gente cometa erros sem perceber.
Isso é bem comum com médicos experientes, por exemplo. Eles tendem a formar uma opinião rapidamente, baseada em casos anteriores e, às vezes, ignorando variáveis importantes que não se encaixam no modelo pré-concebido. Um artigo no Jornal de uma associação de médicos nos EUA mostrou que, quando os professores doutores viajavam, o índica de mortalidade diminuía em 30%. Isso porque os residentes ficavam inseguros com os diagnósticos e os discutiam com colegas, além de pesquisarem mais. Esses especialistas são muito mais eficientes para tratar de casos convencionais; mas quando a coisa fica um pouco diferentes, eles tentam encaixar no que já conhecem e muitas vezes erram.
Em resumo: o que nós sabemos coloca limites naquilo que podemos imaginar. A tendência de processar a informação de maneira a reforçar nossas opiniões individuais pré-existentes é chamada pelos psicólogos de “cognição dogmática”.
O Zen budismo ensina que, para fugir dessas pré-concepções, devemos sempre olhar o mundo com a mente de um iniciante. A maioria de nós tem um estilo cognitivo intermediário entre o dogmático e o iniciante, mas seria bom se a gente conseguisse se aproximar mais do iniciante.
E sabe como fazer isso? Os estudiosos ensinam que basta inserir uma ideia discordante nas interações intelectuais; ou seja: expor-se a opiniões contrárias. Mesmo que conscientemente a gente rejeite a ideia, ela fica no nosso subconsciente como uma pulguinha atrás da orelha e faz a gente repensar o que tinha como certeza.
As pessoas que conseguem redesenhar a abordagem para se adaptar a cada situação são as que melhor respondem a mudanças.
Resumindo: a gente adora estar certo, mas às vezes é melhor alguém nos dizer que estamos errados.
CONCLUSÕES
Ainda tem algumas discussões sobre bloqueios mentais, filtros de ideias e até admite que um pouco de loucura traz benefícios à mente elástica.
Olha, taí um livro que faz um alongamento bom na mente da gente, viu? Recomendo com estrelinhas!
Graça Taguti
Querida! Que nossos neurônios se exercitem a cada dia na acrobacia do NOVO e do inusitado. Que incluamos mais e mais insights ” cakeidoscopicos” em nossas reflexões. ADOREI, querida. Resenha seminal! Obrigada pela generosidade de sempre 🌺
ligiafascioni
Obrigada, minha querida! <3
Maria Aparecida lagares
Olá!
Conheci o seu site agora e estou adorando as resenhas.
A forma que vc fala sobre os livros me deixa com uma vontade enorme de comprar cada um. Adoro livros.
Obrigada.
ligiafascioni
Que bom! Bem-vinda!!!!