Neurociência foi um assunto que sempre me fascinou, apesar de biologia não estar entre minhas matérias prediletas. Por isso, ao comprar livros na Amazon, quando apareceu “The Brain: the history of you “( Tradução livre: “O cérebro: a história de você”), de David Eagleman, não tive dúvidas: levei.
Muita coisa já tinha lido em outros artigos e livros; mas não tudo compilado num lugar só. Vou resumir então as principais ideias desse que pode ser um bom candidato a seu livro de cabeceira.
O autor usa experiências realizadas no campo da neurociência para tentar responder perguntas que sempre nos intrigaram. Quem sou eu? O que é a realidade? Quem está no controle? Como eu decido? Eu preciso das outras pessoas? Quem seremos no futuro?
Quem sou eu?
Eagleman nos conta que o cérebro de um humano, ao contrário dos outros animais, nasce impressionantemente inacabado. É como se, ao nascer, tivéssemos todo o equipamento, mas faltassem todas as conexões.
O número de células num cérebro é praticamente igual em crianças e adultos; o que diferencia é o número de conexões entre elas. Até os três anos, a velocidade com que elas se multiplicam é impressionante (cerca de 2 milhões de conexões por segundo!).
Mas, quando a gente se torna adulto, perde cerca de metade dessas conexões. Isso acontece porque perdemos as sinapses que não usamos (eu já tinha falado disso aqui).
E mais; um ser humano não consegue desenvolver essas conexões se não tiver estímulo e cuidado emocional; a construção dessa rede neuronal leva longos 25 anos. Antes disso, o cérebro ainda não está pronto. Não é impressionante?
Ele fala também que absolutamente todas as células do nosso corpo são trocadas a cada sete anos; a única coisa que fica é a nossa memória, que faz sermos quem somos. E mesmo essas memórias podem ser facilmente enganadas; é possível implantar recordações falsas sem nenhuma tecnologia especial.
Uma alteração no cérebro, como um tumor, pode fazer pessoas normalmente equilibradas se transformarem em assassinos seriais, como um caso relatado no livro. Um desequilíbrio químico pode levar uma pessoa aparentemente feliz ao suicídio. Uma falha elétrica nas conexões e perdemos nossa memória, que é quem faz ser quem somos.
Impressionante como nossa identidade é frágil, não?
O que é realidade?
Essa parte também é muito interessante. Nós percebemos o mundo através dos nossos sentidos, que levam informações para dentro do nosso cérebro. Mas a nossa visão do mundo é uma coisa totalmente criada dentro de nossa caixa craniana baseada em experiências anteriores. É que o cérebro não tem acesso direto ao mundo exterior; ele só consegue as informações por meio dos seus informantes, nossos sensores.
Cores, por exemplo, só existem, literalmente, na nossa cabeça, e são limitadas biologicamente pelos sensores dos nossos olhos. A partir de nada mais do que sinais elétricos vindos de fora, ele inventa tudo.
Nós temos um modelo mental que vai sendo construído ao longo dos anos com a ajuda de todos os sentidos, e ele serve de referência para a construção de novos cenários.
Uma coisa interessante é que cada sentido é intimamente ligado aos outros para a construção desse cenário. Por exemplo: eu não consigo ver apenas com os olhos. Quando uma criança está aprendendo a ver, ela tenta pegar as coisas, cheirar, lamber. É porque o cérebro combina as informações dos outros sentidos para construir a “realidade”.
O incrível é que esse modelo mental interno é tão forte, que, se a pessoa ficar privada dos sentidos, como numa prisão solitária, ela não apenas tem sonhos; as alucinações são reais, porque os sinais que vêm dos olhos podem ser simulados pelo cérebro. É um negócio muito louco.
Aqui também fica claro que tudo isso custa muita energia e o cérebro economiza o mais que pode. Por isso ele usa o modelo mental interno para inferir quase tudo o que vê, processando apenas o mínimo de informação possível.
Por isso é tão importante aprender coisas novas: o cérebro se modifica fisicamente a cada nova informação, e o modelo mental interno vai ficando mais rico e sofisticado.
Quem está no controle? Como eu decido?
Aqui ele fala sobre a consciência, que é como se fosse o CEO do cérebro. Ele não tem acesso a todos os microprocessos envolvidos na percepção do mundo exterior, mas é quem toma as decisões, sempre baseado no modelo interno de mundo. E porque esse modelo interno é construído de uma maneira totalmente emocional, esse é o caráter da maioria das decisões que a gente toma.
Eu preciso de você?
Essa parte é muito interessante. O cérebro humano foi construído para interagir com outros cérebros; ele não existe no vácuo. Nós precisamos dos outros como precisamos de comida. Somos seres biologicamente sociais; o cérebro simplesmente não consegue se desenvolver e fazer suas sinapses se for isolado de seus pares.
Por isso, nosso cérebro está constantemente monitorando as emoções, reações, intenções e tudo o que se relaciona ao outro. Por isso, também, temos a tendência de humanizar animais, objetos e qualquer coisa que faça parte do nosso cenário. É a base para o desenvolvimento da empatia.
Mesmo as pessoas com níveis diferentes de autismo, onde algumas regiões do cérebro responsáveis pela interação social não possuem sinapses muito fortes (por exemplo, em alguns casos a pessoa não consegue reconhecer as emoções num rosto, o que faz com que ela passe por indiferente, quando na verdade o cérebro dela não recebeu determinada informação), sofrem bastante com a rejeição social.
Um experimento muito interessante mostra que, quando estamos interagindo com outra pessoa, a gente tende a repetir os movimentos faciais dela de maneira inconsciente; isso ajuda o cérebro a interpretar as emoções do outro.
Em pessoas que usam intensivamente Botox, os músculos do rosto não conseguem fazer esses movimentos (que são quase imperceptíveis) e o que acontece é que, para elas, é mais difícil interpretar essas emoções. É como se faltasse uma das ferramentas de análise.
Ele fala também sobre como desumanizamos o outro para desenvolver a capacidade de matar os semelhantes e como esse mecanismo (largamente usado em guerras) funciona.
Como nós seremos no futuro?
O capítulo final fala sobre como o nosso cérebro é adaptável e flexível. E como ele não dá a mínima para os sensores que trazem as informações para dentro (por isso é tão bacana jogar games; o cérebro sabe que é mentira, mas se emociona igual). Isso tem a vantagem de possibilitar que tenhamos partes do corpo totalmente artificiais. O cérebro logo aprende a interpretar esses sentidos como se fossem inatos e se adapta perfeitamente.
Essa incrível plasticidade pode permitir não apenas que a gente substitua nosso sentidos faltantes, mas também que desenvolva superpoderes com sensores muito mais potentes que os originais.
Ele fala também das pesquisas que tentam fazer um upload do conteúdo do cérebro quando a pessoa morre; se é possível um cérebro viver fora do corpo, numa estrutura sintética. Enfim, tudo o que a gente sempre leu na ficção científica e que agora vai ficando cada vez mais perto da realidade.
Assustador e fascinante. Não sei como chamam essa massa incrível de cinzenta.
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